Thursday, January 30, 2020

Gimme your money, I'm a tech company


Não tem muito tempo que a WeWork tentou lançar seu IPO. A empresa do controverso Adam Neumann, capitalizada pelo não menos controverso Softbank, tinha ambições de vir a público precisando justificar seu gordo valuation de 50 bilhões de dólares. E a verdade é que a WeWork tinha alguns dos principais ingredientes pra conseguir um gordo valuation nesse nosso mundo atual, quais sejam, um rápido crescimento de receitas (quase 90% ano contra ano) e muito prejuízo (perdas de 1.5 bilhão em receitas de pouco menos de 2 bilhões). Faltava só uma coisa.

Adam Neumann e seus consultores sabiam o que faltava. Então, para não faltar mais, eles fizeram questão de posicionar a WeWork no prospecto da oferta como uma empresa de tecnologia. A palavra tecnologia apareceu mais de 100 vezes, como se a WeWork fosse alguma espécie de Google. Acontece que a WeWork nada mais é do que uma empresa que aluga grandes espaços por longos períodos e subloca como espaço de co-working por pequenos períodos. Nada tão tecnológico assim, apesar dos esforços dos publicitários.

Por razões variadas a oferta pública da WeWork não foi para a frente. Mas a questão da tecnologia marcou. Porquê a WeWork acha que é uma empresa de tecnologia? Porquê as empresas buscam ser vistas como empresas de tecnologia? Porquê ser vista como uma empresa de tecnologia aumentaria o valuation? Aliás, se formos honestos, vamos perceber que não sabemos nem que diabos é ser uma empresa de tecnologia.




O QUE É UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA?

Definir uma empresa de tecnologia é mais complicado do que parece. Fique a vontade para tirar cinco minutos e pensar no assunto. Pega um papel, escreva sua definição e pense nas pontas soltas.

“É uma empresa que busca inovar!” E qual empresa não busca?

“É uma empresa que usa tecnologia para o seu negócio.” E qual empresa não usa? Talvez apenas o artesão de rua.

“É uma empresa que vende tecnologia!” Mas e a Tesla, por exemplo? A Tesla vende carro. Carro é tecnologia? Se sim, a Ford é uma empresa de tecnologia? Se não, a Tesla não é uma empresa de tecnologia? A Tesla é apenas uma fabricante de carros e fabricantes de carros não são empresas de tecnologia? E os softwares escritos pela Tesla?

“Capex é o melhor caminho! Capex tem que ser em pesquisa e desenvolvimento.” A Bayer é uma tech company? Ninguém gasta tanto em P&D quanto as farmacêuticas... 

Detalhes, definições e especificações são inimigos da superficialidade. E aos poucos vamos percebendo que existe uma zona cinzenta na definição de uma empresa de tecnologia. Não é preto ou branco.

Eu lembro que lá pra década de 70 e 80 o que se entendia por empresa de tecnologia era a IBM e ponto final. A IBM fazia hardware, software e vendia serviços também. Todo o resto além da IBM não era tecnologia. Ninguém ousava chamar a Ford ou a GE de empresa de tecnologia só porque suas máquinas e motores iam ficando mais potentes e eficientes com o tempo.

Os anos foram passando, houve a expansão do PC, novas empresas surgiram e nomes como Microsoft e Dell foram se juntando a IBM. E o grupo inflou de vez com a internet. Qualquer catálogo online era uma empresa de tecnologia. E de lá pra cá a tecnologia foi avançando de maneira que hoje em dia ela é peça central de qualquer negócio, por mais simplório que este seja.

Como um amigo diz brincando, “saber se uma empresa é de tecnologia é simples. Todas são.”

Existe um toque de verdade nessa frase apesar do tom jocoso. E é se aproveitando desse toque de verdade, por menor que possa ser, que empresas como o WeWork tentam nos convencer de que são uma empresa de tecnologia.


MAS PORQUE TODO MUNDO QUER SER UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA?

Mais um pouco de história aqui. Todo mundo já ouviu falar no Vale do Silício. O que nem todo mundo ouviu falar é sobre a origem do nome, dado por conta do extenso uso do silício nos produtos desenvolvidos naquela região. Em especial os chips.

O desenvolvimento dos chips tem dinâmica de fluxo de caixa muito comum nas rodas de conversa atuais. É muito caro desenvolver o primeiro chip mas, uma vez desenvolvido, fica barato construir chips adicionais.  E a Intel foi pioneira em navegar por essa realidade econômica de uma forma que originou a indústria dos VCs.

A Intel começou com um investimento inicial de 10 mil dólares do Arthur Rock. Em pouco tempo Rock teve que levantar outros $ 2.5 milhões com amigos e investidores. Era muito dinheiro mas era o que a Intel precisava para fazer a roda girar. E girou. Três anos depois a Intel lançou seu IPO por mais de 8 milhões de dólares.

Assim a Intel plantou a semente da prática de injetar dinheiro em uma empresa que exige muito financiamento inicial mas que depois, com seu baixo custo marginal, é capaz de crescer em um ritmo frenético. Um ritmo que modelos de negócios tradicionais jamais sonhariam. Quem consegue servir toda a população de um país com menor custo marginal, a Microsoft distribuindo software ou o Walmart construindo lojas? Exatamente!

A internet e a conectividade foram um campo fértil para os vencedores desse modelo de negócios. O custo marginal diminuiu ainda mais, o mercado potencial aumentou, exponenciais efeitos de rede ampliaram em muito a capacidade de escala. Empresas como Google e Facebook são os grandes baluartes dessa fantástica dinâmica. E o que elas tem em comum? São empresas de tecnologia pura.

A possibilidade de atingir essa dinâmica de negócio moldou as expectativas em torno desse tipo de empresa. Ficou mais aceitável injetar muito capital em uma empresa recém nascida e também passou a dar pra engolir os altos múltiplos de negociação. E é para se beneficiar desse nível de expectativa que todas as empresas buscam o rótulo de empresas de tecnologia hoje em dia. É um nível de expectativa que permite:

1- Receber muito aporte
2- Gastar muito dinheiro
3- Ter grandes avaliações

Quem não quer?


O INVESTIDOR NO MEIO DISSO TUDO

No texto "Minha própria National Geographic" eu expliquei a diferença entre valoradores e precificadores. Vou colar aqui para refrescar a memória:

O processo de valorar uma empresa depende dos fundamentos da empresa e da forma como você vê esses fundamentos se desenvolverem no futuro. É um processo que acontece sem “olhar para os outros jogadores”. O que você precisa é endereçar coisas como expectativa de crescimento, geração de caixa e qualidade dos ativos da companhia.

No jogo da precificação pouco importa o valor intrínseco. Mas aqui é preciso olhar para os outros jogadores e entender as forças atuantes de oferta e demanda. É uma busca por antecipar o movimento do mercado em fatores como fluxo, humor e momentum.

Essa distinção define como você lida com a questão da tecnologia. Nada como um exemplo da vida real para ilustrar, não é mesmo? Então vamos a um:

Essa semana um gestor famoso fez o seguinte comentário sobre uma varejista (da qual seu fundo é grande acionista):

“Se a empresa passar a ser vista como uma empresa de tecnologia ela deveria ser tradada a um preço 4x o atual”

Então eu fiz a seguinte pergunta:

“E porque ela deveria ser vista como uma empresa de tecnologia?”

Sendo sincero, eu não estava muito interessado na empresa propriamente dita. Eu estava interessado em forçar a reflexão e observar as reações. Eu estava ligando na minha National Geographic. Eu queria ver a interação entre os valoradores, os precificadores e os perdidos (aqueles que não sabem o que são). Essa distinção muda a forma como cada um encara tanto o comentário do gestor quanto a minha pergunta.  

O gestor falou como um precificador. E está certo! No momento em que o mercado começar a ver uma varejista como uma empresa de tecnologia, ele vai ajustar as expectativas para aquilo que eu expliquei lá em cima. Isso quer dizer que a varejista virou tech? Não! Mas não importa. Vai importar o humor, vai importar o mercado, vai importar a oferta e a demanda. É isso que interessa para o precificador e é por isso que não me surpreendi quando vi respostas comentando sobre empresas supostamente comparáveis. Múltiplos são ferramentas clássicas do precificador.

Para o valorador as coisas não funcionam assim. O valorador é indiferente ao comentário que o gestor fez. O importante é a pergunta que eu fiz. Porque a pergunta que eu fiz vai nos fundamentos da companhia. Eu quero saber como a empresa vai escalar. Quero saber como vai ser o custo marginal da empresa. Quero saber a necessidade de reinvestimento da empresa. Quero saber como vai ser a margem da empresa. E quero saber como isso vai acontecer. Ou seja, eu quero saber como os fundamentos que são diferenciais em uma empresa de tecnologia pura vão se mover na varejista que quer ser vista como uma empresa de tecnologia. Fundamentos!


O MR. MARKET, O VALORADOR E O PRECIFICADOR

A parábola do Mr Market, criada por Graham e popularizada por Buffett, já é bem conhecida. E o Mr. Market é o camarada que bate na sua porta com uma tabela de preços indicando por quanto ele está disposto a comprar suas posses e a te vender as dele. Você pode aceitar ou não. No dia seguinte o Mr. Market bate de novo na sua porta para fazer tudo de novo, só que dessa vez com uma nova tabela de preços. E assim ele faz todo o santo dia.

O valorador e o precificador tem relacionamentos diferentes com o Mr. Market. O precificador quer antecipar a tabela de preços que o Mr. Market vai trazer no dia seguinte. Já o valorador apenas age sobre a tabela de preços que lhe é apresentada. O Mr. Market é previsão para um e fato para outro.

O precificador segue o Mr. Market pelas ruas para descobrir se ele vai estar feliz ou triste na próxima visita. O valorador abre a porta na hora da visita e olha para o Mr. Market. Se ele estiver deprimido, o valorador compra. Se ele estiver em êxtase, o valorador vende.

O Mr. Market é senhor do precificador e servo do valorador.


COLOCANDO TUDO JUNTO

Os pontos principais do texto são o seguinte:

  • Ser ou não uma empresa de tecnologia é mais uma área cinzenta do que um preto ou branco.
  • Empresas de tecnologia de referência tem atributos de negócios únicos como pouca necessidade de ativo físico, gigantesco potencial de escala, custo marginal baixo e margens altas.
  • Reconhecer que é possível para uma empresa se aproximar da dinâmica de uma empresa de tecnologia de referência altera a resposta do mercado, que fica mais tolerante com funding, gastos e avaliações.
  • Valorador: (1) fundamentos da empresa; (2) Mr. Market = servo
  • Precificador: (1) participantes do mercado; (2) Mr. Market = senhor


Ok, mas como eu lido com tudo isso?  Vamos lá:

  1. Eu sou um valorador, então pouco me importa como o mercado vai ver ou deixar de ver uma empresa.
  2. Eu entendo que o aspecto tecnológico de uma empresa é um grande intervalo (uma área cinzenta). Em uma ponta está o artesão da rua sem nenhuma tecnologia envolvida. Na outra ponta está o Google, pura tecnologia. A maioria das empresas está no meio. Por exemplo, o Uber está mais próximo do Google do que uma cooperativa de táxi.
  3. Busco entender a contribuição dos aspectos tecnológicos da empresa para os seus fundamentos (crescimento, margem, etc). Ainda sobre Uber/Cooperativa, é muito claro que o componente tecnológico permite que o Uber escale muito mais do que uma cooperativa. Por outro lado, o mesmo modelo tecnológico-disruptivo aumenta os riscos regulatórios do Uber em relação à uma cooperativa.
  4. Quando o Mr. Market chega depressivo eu compro e quando chega animado demais eu vendo.


E é assim que lido com esse debate tecnológico. No final das contas nada muito diferente do que com qualquer outro tipo de empresa, não é mesmo? Uma questão de entender a dinâmica dos fundamentos, ponderar as incertezas e se servir do Mr. Market. 

Stay cool,
Don Black

Wednesday, January 22, 2020

Ninguém está a salvo. Druckenmiller e sua FOMO


Amigos, eu sei que foi há pouco que publiquei minha última postagem. Acontece que li hoje uma matéria sobre o formidável Stanley Druckenmiller e essa matéria me fez lembrar um velho caso. Um excelente velho caso de ninguém menos que o próprio Druckenmiller.

Toda vez que um grande gestor é entrevistado aparece a pergunta sobre o maior erro e qual lição foi aprendida. Com Druckenmiller não foi diferente. Há poucos anos atrás ele respondeu essa pergunta de forma única. A narrativa é tão boa que vou apenas reproduzir aqui as palavras do próprio. Preparem-se para um misto de comédia e tragédia:

“Bom, eu cometi vários erros, mas um deles foi especialmente único. Então, essa é uma história engraçada, pelo menos 15 anos depois, porque a dor diminuiu um pouco. Mas em 1999, depois que o Yahoo! e a America Online já haviam subido dez vezes, tive a brilhante idéia lá na Soros [onde Druckenmiller trabalhava] de shortear ações de internet. Então coloquei 200 milhões de dólares nisso lá pra fevereiro e até meados de março eu já tinha perdido 600 milhões de dólares, tendo sido completamente espancado e já estando 15% negativo no ano. E eu era muito orgulhoso do fato de nunca ter tido um ano negativo, então eu pensei, agora já era.

Então, o que aconteceu depois é que eu não consigo me lembrar se eu fui para o Vale do Silício ou se eu falei com algum jovem de 22 anos com Asperger. Mas o que quer que tenha sido, eu fui convencido desse novo boom de tecnologia que estava para acontecer. Então eu fui e contratei uns dois gestores porque até então nós só conheciamos a IBM e a Hewlett-Packard. Nós contratamos esses caras e encerramos o ano – nós estavamos negativos 15% e acabamos positivos algo como 35% no ano. E a Nasdaq tinha subido 400%.

Então, eu nunca vou me esquecer. Janeiro de 2000 eu entro no escritório do Soros e eu digo que eu vou vender todas as empresas de tecnologia, vender tudo. Isso é loucura! 104 vezes os lucros. É maluquice. Assim como expliquei anteriormente, vamos nos afastar e esperar pela próxima oportunidade. Eu não demiti os dois analistas. Eles não tinham dinheiro o suficiente para comprometer o fundo, mas eles começaram a fazer 3% ao dia e eu estava fora [das ações de tecnologia]. Aquilo estava me deixando maluco. Quer dizer, a pequena conta deles estava uns 50% no ano. Eu acho que o Quantum [que Druckenmiller geria] estava 7%. Estava apenas parado lá.

Então lá pra Março eu senti que estava chegando. Eu simplesmente – eu tinha que participar. Eu não conseguia evitar. E três vezes em uma mesma semana eu peguei o telefone e – não faça isso. Não faça isso. Enfim, eu finalmente fui e peguei o telefone. Eu acho que eu errei o topo por uma hora. Eu comprei 6 bilhões de dólares em ações de tecnologia, e seis semanas depois eu sai da Soros e eu tinha perdido 3 bilhões de dólares nessa única jogada. Você me pergunta o que eu aprendi. Eu não aprendi nada. Eu já sabia que eu não deveria fazer aquilo. Eu fui apenas um caso emocional e não consegui me conter. Então, talvez eu tenha aprendido a não fazer isso de novo. Mas eu já sabia disso.

Aqui não estamos falando de um gestor qualquer. Stanley Druckenmiller tem três décadas de um track record de 30% CAGR. É um dos maiores da história. E mesmo os maiores da história são vítimas de vieses e armadilhas psicológicas. Druckenmiller sucumbiu ao FOMO – fear of missing out – que nada mais é do que o medo de ficar de fora. O medo de ver todo mundo ganhar dinheiro menos a si mesmo.

Como diz um velho ditado, só existe uma coisa pior do que não conseguir o que queremos. É não conseguir o que queremos e ver alguma outra pessoa conseguir.

Stay cool,
Don Black

*Para variar vou indicar um livro. Michael Batnick escreveu um livro chamado “Big Mistakes: The Best Investors and Their Worst Investments” onde fala sobre os grandes erros de uns 15 grandes investidores. Esse caso de Druckenmiller está entre eles.




Monday, January 20, 2020

Minha própria National Geographic


O maior responsável pelo reconhecimento da importância da multidisciplinaridade no mundo dos investimentos foi Charlie Munger. Talvez não tenha sido o primeiro mas foi quem a tornou popular no meio. Foi o sujeito que colocou o microfone na boca da multidisciplinaridade com todo o seu arcabouço do mapa dos modelos mentais.

Tomemos a psicologia. A psicologia hoje já é coisa comum. O rapaz começa a se inteirar sobre ações e logo recebe Kahneman como leitura obrigatória. Até prêmio Nobel já concederam. Exceto por alguns adeptos mais radicais da seita dos mercados eficientes – e aí já é uma dissonância cognitiva toda própria – todo o resto já admitiu o papel da psicologia nos investimentos. Poucos entendem, ninguém controla, mas ao menos todos admitem. É alguma coisa.

Existe também aquele paralelo entre empresas e seres humanos. É a teoria dos estágios da vida onde a empresa começa como um bebê, precisa se alimentar muito para crescer até que um dia vira um velho moribundo e morre. Estou simplificando, naturalmente. Vou me aprofundar eventualmente mas por ora basta reconhecer a multidisciplinaridade da teoria.

Claro que nenhuma relação é perfeita. Por exemplo, as start-ups morrem aos montes. Quem for buscar uma relação perfeita entre a teoria dos estágios da vida entre empresas e humanos vai logo perceber que não vivemos em tamanho infanticídio, ao contrário das empresas. Mas das observações devemos absorver as boas lições e abstrair as imperfeições.

***

Uma observação que me entretem é a interação entre os participantes do mercado. Eu gosto de imaginar os participantes do mercado e suas relações como um grande ecossistema. Como se fosse uma selva bem particular. Essa é minha rasa contribuição para a multidisciplinaridade. Eu sento e observo os participantes buscando retornos como alguém que liga na National Geographic para assistir o Mundo dos Predadores. É formidável!

E as vezes engraçado. Sempre que o fundamentalista debocha do trader eu imagino um cenário onde o leão debocha do tigre. “Oh tigre, você é um completo idiota! Porque vai caçar sozinho se você pode ficar deitado esperando as fêmeas fazerem todo o trabalho?”

Alguns podem dizer que leão e tigre não debocham um do outro porque eles não falam a mesma língua. Ou melhor ainda: porque eles não coabitam! Eu vou um pouco além. Eu acho que leão e tigre não debocham um do outro porque eles sabem exatamente o que eles são. Sabem o que são, entendem suas diferenças, são conscientes das suas armas e focam na própria sobrevivência. Nós não. Nós pouco entendemos o que somos e nos ocupamos muito com os outros.

***

Os participantes do mercado sofrem, em larga escala, de transtorno de identidade. O investidor de longo prazo emoldura seu resultado de um ano; o trader lamenta que em uma semana entrou e saiu de uma posição que viria a ser uma ten-bagger. É irônico mas é como acontece. E é assim porque um não sabe que não é investidor de longo prazo e o outro não sabe que não é trader. A auto-designação é uma ferramenta de marketing antes de tudo. É posicionamento. Mas nem sempre é o que permeia a filosofia do participante. Nem sempre está incorporado nas suas cabeças. Então, sem saber o que são, vivem a mercê do caos. Para felicidade geral o caos do bull market afaga a cabeça de todos.

Eu acho especialmente divertido quando vejo alguém do mercado dizendo que “não se limita”. Que atua em todas as frentes. Busca oportunidades em todas as indústrias e em todas as filosofias. Sabe day-trade e sabe longo prazo. Sabe commodities e sabe high-tech. Sabe renda fixa e sabe renda variável. Sabe reestruturação e sabe empresa madura. Alguns sabem tanto de tudo que até se metem a operadores do negócio. Qual negócio? Qualquer um! Eu acho divertido.

É impossível? Bom, eu diria que é tão possível quanto o o vencedor da maratona de Boston vencer os 100m rasos na olimpíada. Ou que o leão consiga caçar com a mesma eficiência na Patagônia. Mas essa é apenas minha opinião enquanto assisto National Geographic.

***

Precificar e valorar são usados de forma intermutável mas em verdade são diferentes. Uma distinção reforçada pelo prof. Damodaran que acho muito libertadora. Como pouca gente percebe essa distinção e como os participantes estão em constante interação uns com os outros, desentendimentos evitáveis são recorrentes.

O processo de valorar uma empresa depende dos fundamentos da empresa e da forma como você vê esses fundamentos se desenvolverem no futuro. É um processo que acontece sem “olhar para os outros jogadores”. O que você precisa é endereçar coisas como expectativa de crescimento, geração de caixa e qualidade dos ativos da companhia.

Quando valoramos uma empresa pouco importa quem está comprando ou quem está vendendo, se é bull market ou bear market, se a concorrente está em múltiplos maiores ou não. Valorar é por si só. É um processo de avaliação que resulta em um valor intrínseco que vai refletir suas visões para o futuro da companhia. Se o preço da empresa estiver menor do que o valor intrínseco, compramos. Simples assim. Quem quer que jogue o jogo da valoração tem que acreditar na convergência. Tem que acreditar que preço e valor intrínsico vão se encontrar.

Esse não é o caso de quem joga o jogo da precificação. No jogo da precificação pouco importa o valor intrínseco. Mas aqui é preciso olhar para os outros jogadores e entender as forças atuantes de oferta e demanda. É uma busca por antecipar o movimento do mercado em fatores como fluxo, humor e momentum. Para quem precifica, um simples rumor que apareça na coluna de domingo já tem consequencias. Para quem valora, apenas notícias que afetam os fundamentos da empresa são relevantes.

Não é surpresa que cada estratégia tenha suas próprias armas. A utilização de gráficos e indicadores técnicos servem bem aos precificadores. Para os que valoram, o DCF é a ferramenta mais comum. Eu também não vejo como surpresa que determinados traços de personalidade sejam mais adequados a um do que a outro. Aqueles mais pacientes e menos susceptíveis a pressão externa se saem bem como valoradores enquanto pessoas mais inquietas e de mais ação tem personalidade mais própria para precificador.

Entender essa diferença é importante para fazer o participante saber onde concentrar o desenvolvimento das suas habilidades. Claro, sempre vai haver aquele que não se limita e que pode fazer tudo muito bem. Minha opinião sincera? Já é suficientemente raro encontrar alguém que seja realmente bom em apenas uma delas.

Mas se você é um dos que não se limita, boa sorte! Enquanto isso eu me divirto assistindo meu National Geographic.

Stay cool,
Don Black






Friday, January 3, 2020

Passando o Rabisco a limpo: o que foi e o que vem


Boa tarde amigos!

A maneira como percebemos o tempo é em grande parte uma construção social. Uma amostra desse efeito é a forma como enxergamos o intervalo entre Natal e Ano Novo como uma sequência de domingos. Construções sociais tem suas utilidades apesar de serem constantemente alvos de críticas. E se uma virada de ano nos dá a desculpa perfeita para nos organizarmos, então essa já é uma utilidade.

Deixando as digressões de lado, fato é que vou aproveitar desse simbolismo de um novo ano para repassar um pouco esse meu diário público chamado Rabisco do Don. 2019 trouxe experiências interessantes e entre elas estão o fintwitBR e o blog. São complementares.

O fintwitBR me dá a oportunidade de interagir em tempo real com um público sofisticado do mercado brasileiro. Eu sei que essa opinião sobre o valor do fintwitBR não é compartilhada por muitos. Mas o segredo do twitter, assim como do bom investidor, é dizer mais “Não” do que “Sim”.

Com uma boa dose de “mutes” e ignorando boa parte das discussões, o twitter rende o que chamo de experiência depurada, que é a experiência que vale a pena para mim. Dessa forma, o fintwitBR me rendeu aprendizados e novos conceitos em 2019. E isso é exatamente o que almejei desde o início.

Sobre o blog, é uma excelente maneira de organizar pensamentos. Escrever é um exercício que deve ser cultivado. Eu não escrevia com regularidade desde a época das minhas cartas – e lá se vão alguns anos – e notei que a estruturação do meu raciocínio tinha se deteriorado quando voltei a escrever o blog. Estou recuperando aos poucos, ou ao menos assim espero. Então indico a todos que escrevam, ainda que seja para ninguém ler. É uma boa prática para o seu crescimento.

O RABISCO DO DON EM 2019

Aqui vai um breve resumo do que foi o blog em 2019. Meu objetivo foi estruturar pensamentos ao mesmo tempo em que escrevia com liberdade, e acho que foi o que alcancei. 

Sobre os posts e como eles se organizam:

I) Do investimento

Os fundamentos de um grande negócio são estruturados sobre quatro pilares:

1. O negócio possui vantagem competitiva

              . “O conceito de Moat”

              . “Fontes de Moat”

2. O investidor entende o negócio

              . “O conceito do Círculo de Competência”

3. O negócio está com preço atraente, fornecendo margem de segurança

              . “Margem de segurança”

4. O negócio é conduzido por executivos honestos e competentes

              . “Crônica: o modelo do professor e o direito de vencer” sobre Sam Walton

             . “Um alguém chamado Henry Singleton. Apenas Henry Singleton, sem PhD no final.” sobre Singleton e a lendária Teledyne

              . “Textos épicos: carta aos acionistas da Amazon, 1997” sobre Jeff Bezos

              . “Os Missionários”

II) Do investidor

Se entender enquanto investidor e evitar as armadilhas da nossa natureza é tão ou mais importante do que avaliar negócios.

. “Diversificação e diversidade”, sobre o lugar ao sol que existe para diferentes perfis de investidores

. “Textos Épicos: "A Lesson on Elementary Worldly Wisdom", Charlie Munger 1994”, introduzindo o conceito das Malhas dos Modelos Mentais (em inglês)



. “Uma ode ao short-seller.”, homenagem a um tipo específico de investidor, o short-seller

III) Da caminhada




IV) Aspectos de negócios e avaliações

. “Inovação,por Bob Iger”, o elemento da inovação pelo CEO da Disney




. “Uber de alguma coisa”, sobre o (des)entendimento a respeito do modelo de negócios do Uber

. “Peter Lynch 1994 Lecture”, uma verdadeira aula do mestre



V) Tecnicalidades

Foi concentrado no modelo Software as a Service.





VI) Pensamentos soltos & outros

. “A psicologia da riqueza”, sobre a relação entre dinheiro e riqueza

. “A alavancagem, o grande público e - mais uma - lição de Buffett para os profissionais”, sobre a responsabilidade de profissionais com o grande público

. “Começando”, primeiro texto do blog



. “Meu gestor de investimentos favoritos.”, sobre como eu escolheria um gestor de fundos


O RABISCO DO DON PRA 2020

Digamos que não dou guidance para o blog. 😊

É difícil dizer o que vem pela frente. O Rabisco é um exercício de prazer sem obrigações. Eu não tenho pauta nem data limite. Mas dá pra esperar que o mix dos temas seja parecido com o que foi em 2019 e que vá ser sempre assim, pelo simples fato de que esses são os meus interesses.

Então a tendência é eu dar um fechamento nessa sequência do modelo SaaS, listar mais dos meus modelos mentais e escrever sobre outras empresas. Entre uma coisa e outra, vou falando sobre temas e aspectos dos negócios que me venham a cabeça na hora.

Quero também explorar mais tecnicalidades, especificamente sobre Valuation. Minha idéia é dar acesso ao conhecimento do Valuation para qualquer um que se interesse. Ainda estou pensando no formato e sugestões são sempre bem vindas.

Para concluir espero que os meus rabiscos tragam mais e mais leitores com engajamento e interações de qualidade. Essa é a experiência depurada de um blog. E você já sabe: é a experiência depurada que me interessa.

Stay cool,
Don Black