Caso você não saiba o que é um modelo mental, clique aqui
Esse texto é sobre o primeiro modelo mental do blog: o viés da consistência e comprometimento.
Eu mantenho um resumo de todos os meus modelos mentais e coloquei uma versão simplificada deste resumo no fim do post. Assim, se você quiser simplificar sua vida e não ler o texto todo você pode ir lá para o final e ficar com o resumo. Deve ser o suficiente para entender a idéia.
Mas se você quiser ler tudo, seja bem vindo(a):
INTRODUÇÃO - Uma breve estória da minha infância
Toda
família tem o seu membro mais teimoso. Na família de um dos meus melhores
amigos esse sujeito era seu avô João Carlos a quem eu, carinhosamente, chamo de
Tio Jão desde que sou criança. As memórias que tenho da época que íamos na casa
do Tio Jão são as melhores da minha infância. O Tio Jão tinha construido uma
bela casa no alto de uma montanha em uma área legal da cidade. A gente brincava
no enorme terreno da casa olhando as luzes da cidade lá embaixo e nos sentindo
em um castelo lá no alto.
Tio Jão
adorava! Brincava que era o dono da montanha e falava para quem quisesse ouvir
que os amigos dos seus netos também eram seus netos e os amigos dos seus filhos
também eram seus filhos. E dizia que já que tinha tantos netos e tantos filhos,
não fazia sentido morar em lugar pequeno. Ele precisava de uma montanha só pra
ele.
A medida
que o tempo foi passando as coisas foram se complicando. Os netos cresceram, alguns
parentes se mudaram e outros estavam simplesmente sempre ocupados. Algumas
outras pessoas começaram a aparecer na montanha do Tio Jão que, a essa altura,
já não era só dele. E foi quando seus filhos tentaram faze-lo se mudar.
Queriam que
Tio Jão e Tia Néia, sua esposa, fossem para um apartamento mais perto do resto
da família. Mas Tio Jão maldizia a decisão de morar em apartamentos. “Quem mora
em lata é sardinha. Tubarão nasce e morre no oceano”, era o que ele falava. A
montanha era seu oceano e Tio Jão era um tubarão. Ou pelo menos assim ele via
as coisas.
Pouco antes
de o Tio Jão falecer, a vida da sua família estava caótica. Tio Jão estava
doente o suficiente para precisar de assistência regular e lúcido o suficiente
para continuar irredutível nas suas decisões. O que antes era a montanha do Tio
Jão tinha se tornado um morro de traficantes. Como Tio Jão era morador antigo,
ainda era permitido que transitasse por ali. Não sem a benção dos novos chefes,
claro.
Então para
chegar na casa do Tio Jão era preciso acender a luz do carro, se identificar
para uns garotos de fuzis e pedir autorização para subir e descer. Os filhos do
Tio Jão, que se revezavam para levarem ele aos médicos, conviviam com essa
situação. Todo o resto – netos e, agora, bisnetos – já tinham deixado de ir lá.
Eu inclusive.
Nada do que
fazia a casa do Tio Jão tão especial existia mais. Exceto por ele mesmo e pela
Tia Néia, que poderiam continuar existindo em qualquer outra
moradia. Mas para o Tio Jão não existia outra moradia. Ele precisava de espaço,
aquela era sua montanha e ponto final.
Tio Jão não
conseguia agir diferente diante da nova realidade. Tio Jão era assim, um cara
insuportavelmente teimoso. Só mais tarde eu vim a entender que Tio Jão era
apenas uma vítima.
Assim como
todos nós, Tio Jão era uma vítima do viés da Consistência e Comprometimento.
***
"O que eu estou dizendo aqui é que a mente humana se parece muito com o óvulo humano, e que o óvulo humano tem um dispositivo de fechamento. Quando o espermatozóide entra, ele se fecha para que o próximo não possa entrar. A mente humana tem uma tendência do mesmo tipo." Charlie Munger
O Viés da Consistência
e Comprometimento é a tendência a respondermos e agirmos consistentemente de
forma a nos mantermos alinhados com um comportamento, escolha ou visão
assumidos anteriormente.
É possível
pensar no viés da consistência e comprometimento como uma defesa humana. Sim,
uma defesa natural contra as consequências da inconsistência. A inconsistência
é um traço de personalidade indesejado e associado a uma pessoa confusa,
hipócrita ou indecisa. Por outro lado, a pessoa consistente é tida como alguém
estável e racional.
Nosso
cérebro entende a importância que a consistência tem para nossa vida e por isso
tenta ajudar nos mantendo consistentes. Na verdade nosso cérebro vai além! Ele
tenta nos manter consistentes poupando nossa energia. Para fazer isso, nosso cérebro gera
respostas consistentes e automáticas. Nas palavras do psicólogo Robert
Cialdini:
“Nos proporciona um método conveniente, eficiente e sem muito esforço para lidar com as complexas situações diárias que demandam muito das nossas energias e capacidades mentais. Não é difícil entender, então, porquê a consistência automática é uma reação difícil de frear. Ela nos oferece uma forma de fugir dos rigores do pensamento contínuo.”
Assim, sem
precisar gastar energia ponderando cada argumento, cada dado e cada fato que esbarramos
no dia a dia, podemos seguir interagindo com as pessoas sem trair nossos velhos
posicionamentos.
O VIÉS NO
CONTEXTO DOS INVESTIMENTOS
Eu conheço um
rapaz nos Estados Unidos que esta anunciando a próxima recessão desde 2011. Qualquer pessoa
razoável haveria de esperar que esse sujeito tivesse suavizado suas opiniões ao
longo dos últimos 8 anos de bull market. Ao invés disso, ele escalou.
Lembro que
as coisas começaram com uma opinião pessimista em um papo entre amigos. Pouco
tempo depois a opinião virou um post despretensioso na rede social. Em pouco
tempo aquilo que começou como uma breve opinião pessimista já tinha outras
proporções. Com menos de um ano do primeiro post e sua tese já tinha ganhado musculatura com gráficos e opiniões de especialistas.
Para todo argumento contrário
ele remetia à 2007. Então pra ele, 2011 era como 2007. Depois 2012 era como
2007. E 2013 era como 2007. E assim ele está até 2019. Curiosamente ele ganhou
muitos seguidores ao longo do caminho e hoje já é um permabear referência.
Esse rapaz
caiu na areia movediça do viés da consistência sem se dar conta, que é exatamente
como as coisas costumam acontecer. O grande passo dado para a areia movediça
aconteceu quando um investidor famoso reencaminhou um dos seus primeiros posts
endossando a sua opinião bear. Do dia pra noite ele ganhou milhares de
seguidores, quase todos pessimistas também. Daí em diante sua vida foi
alimentar essa legião de séquitos com informações apocalípticas. E assim, sem
perceber, ele criou uma identidade. Aquilo se tornou quem ele era.
"Sempre que uma pessoa assume uma posição pública surge o impulso de manter essa posição para parecer uma pessoa consistente." Robert Cialdini
Ter esse
tipo de postura pode ter lá suas vantagens. Esse sujeito hoje está famoso. Anunciar
o fim do mundo virou sua especialidade e, como nós sabemos, anunciar o fim do
mundo dá audiência. Então ele volta e meia aparece na mídia. Para muitas
pessoas isso é suficiente. Já vi gente fazendo coisa muito pior em busca da
fama. Mas alguém que busca performance em investimentos não pode se dar ao luxo
de ter um pensamento fixo.
O grande
perigo do viés da consistência e comprometimento é ignorar evidências
contrárias. O investidor deve ter a humildade de reconhecer que pode estar
errado e ser flexível para ajustar a tese de investimentos se necessário for. Se
apaixonar por uma ação pode ser terrível já que, tal qual é nas relações
humanas, nem sempre ela corresponde.
Outra
situação de interesse para o investidor é quando o viés da consistência e
comprometimento acomete o executivo de uma empresa. Um exemplo conhecido é o
famoso guidance, onde o executivo diz para o mercado o que esperar da empresa na
próxima divulgação de resultados. No afã de se manter consistente e diante do
comprometimento público com um mercado que pune decepções de curto prazo, o
executivo apela a todo tipo de artifício.
“A pressão por números prejudica o julgamento e rouba a dignidade... faz com que pessoas boas e inteligentes façam coisas eticamente idiotas e as aproximam de um colapso ético.” Marianne Jennings, 'The Seven Signs of Ethical Collapse'
Claro, um
eventual colapso ético para alcançar um número não pode ser atribuido apenas ao viés da
consistência e comprometimento. Outros vieses e outros incentivos entram em
jogo. E assim é não apenas com os colapsos éticos mas com os comportamentos em
geral. Várias forças atuam juntas e vão nos guiando sem percebermos.
E é por
isso que os modelos mentais fazem parte de uma malha, se conectando e
interagindo uns com os outros. Vou ficando por aqui com um breve resumo que uso em todos os meus modelos mentais.
***
MODELO
MENTAL DO DON BLACK
Nome: Viés
da Consistência e Comprometimento
O que é: tendência
a respondermos e agirmos consistentemente de forma a nos mantermos alinhados
com um comportamento, escolha ou visão assumidos anteriormente.
Risco: tomar
decisões erradas por ignorar/evitar evidências contrárias
Comportamentos preventivos:
Manter a mente aberta para o contraditório, manter a humildade, reconhecer
que posso cometer erros, reconhecer que há coisas que desconheço e sou
ignorante, ser flexível
Medidas
preventivas:
- buscar o
contraditório, fazendo o advogado do diabo ao testar minhas hipóteses com a
visão de outros investidores (seleto grupo) / profissionais da empresa /
profissionais das empresas concorrentes / fornecedores / clientes / usuários / ex-funcionarios / especialistas da indústria
- manter um
diário de investimentos e reavaliar as teses regularmente
- observar o comportamento da gestão da empresa diante dos guidances (ex: nível de atividade de
M&A, contabilidade criativa, etc)
- não
divulgar posições publicamente
Leitura de referência:
- Influence: The Psychology of Persuasion, Robert B. Cialdini
- Thinking, Fast and Slow,
Leitura de referência:
- Influence: The Psychology of Persuasion, Robert B. Cialdini
- Thinking, Fast and Slow,
Stay cool,
Don Black
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