Monday, January 20, 2020

Minha própria National Geographic


O maior responsável pelo reconhecimento da importância da multidisciplinaridade no mundo dos investimentos foi Charlie Munger. Talvez não tenha sido o primeiro mas foi quem a tornou popular no meio. Foi o sujeito que colocou o microfone na boca da multidisciplinaridade com todo o seu arcabouço do mapa dos modelos mentais.

Tomemos a psicologia. A psicologia hoje já é coisa comum. O rapaz começa a se inteirar sobre ações e logo recebe Kahneman como leitura obrigatória. Até prêmio Nobel já concederam. Exceto por alguns adeptos mais radicais da seita dos mercados eficientes – e aí já é uma dissonância cognitiva toda própria – todo o resto já admitiu o papel da psicologia nos investimentos. Poucos entendem, ninguém controla, mas ao menos todos admitem. É alguma coisa.

Existe também aquele paralelo entre empresas e seres humanos. É a teoria dos estágios da vida onde a empresa começa como um bebê, precisa se alimentar muito para crescer até que um dia vira um velho moribundo e morre. Estou simplificando, naturalmente. Vou me aprofundar eventualmente mas por ora basta reconhecer a multidisciplinaridade da teoria.

Claro que nenhuma relação é perfeita. Por exemplo, as start-ups morrem aos montes. Quem for buscar uma relação perfeita entre a teoria dos estágios da vida entre empresas e humanos vai logo perceber que não vivemos em tamanho infanticídio, ao contrário das empresas. Mas das observações devemos absorver as boas lições e abstrair as imperfeições.

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Uma observação que me entretem é a interação entre os participantes do mercado. Eu gosto de imaginar os participantes do mercado e suas relações como um grande ecossistema. Como se fosse uma selva bem particular. Essa é minha rasa contribuição para a multidisciplinaridade. Eu sento e observo os participantes buscando retornos como alguém que liga na National Geographic para assistir o Mundo dos Predadores. É formidável!

E as vezes engraçado. Sempre que o fundamentalista debocha do trader eu imagino um cenário onde o leão debocha do tigre. “Oh tigre, você é um completo idiota! Porque vai caçar sozinho se você pode ficar deitado esperando as fêmeas fazerem todo o trabalho?”

Alguns podem dizer que leão e tigre não debocham um do outro porque eles não falam a mesma língua. Ou melhor ainda: porque eles não coabitam! Eu vou um pouco além. Eu acho que leão e tigre não debocham um do outro porque eles sabem exatamente o que eles são. Sabem o que são, entendem suas diferenças, são conscientes das suas armas e focam na própria sobrevivência. Nós não. Nós pouco entendemos o que somos e nos ocupamos muito com os outros.

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Os participantes do mercado sofrem, em larga escala, de transtorno de identidade. O investidor de longo prazo emoldura seu resultado de um ano; o trader lamenta que em uma semana entrou e saiu de uma posição que viria a ser uma ten-bagger. É irônico mas é como acontece. E é assim porque um não sabe que não é investidor de longo prazo e o outro não sabe que não é trader. A auto-designação é uma ferramenta de marketing antes de tudo. É posicionamento. Mas nem sempre é o que permeia a filosofia do participante. Nem sempre está incorporado nas suas cabeças. Então, sem saber o que são, vivem a mercê do caos. Para felicidade geral o caos do bull market afaga a cabeça de todos.

Eu acho especialmente divertido quando vejo alguém do mercado dizendo que “não se limita”. Que atua em todas as frentes. Busca oportunidades em todas as indústrias e em todas as filosofias. Sabe day-trade e sabe longo prazo. Sabe commodities e sabe high-tech. Sabe renda fixa e sabe renda variável. Sabe reestruturação e sabe empresa madura. Alguns sabem tanto de tudo que até se metem a operadores do negócio. Qual negócio? Qualquer um! Eu acho divertido.

É impossível? Bom, eu diria que é tão possível quanto o o vencedor da maratona de Boston vencer os 100m rasos na olimpíada. Ou que o leão consiga caçar com a mesma eficiência na Patagônia. Mas essa é apenas minha opinião enquanto assisto National Geographic.

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Precificar e valorar são usados de forma intermutável mas em verdade são diferentes. Uma distinção reforçada pelo prof. Damodaran que acho muito libertadora. Como pouca gente percebe essa distinção e como os participantes estão em constante interação uns com os outros, desentendimentos evitáveis são recorrentes.

O processo de valorar uma empresa depende dos fundamentos da empresa e da forma como você vê esses fundamentos se desenvolverem no futuro. É um processo que acontece sem “olhar para os outros jogadores”. O que você precisa é endereçar coisas como expectativa de crescimento, geração de caixa e qualidade dos ativos da companhia.

Quando valoramos uma empresa pouco importa quem está comprando ou quem está vendendo, se é bull market ou bear market, se a concorrente está em múltiplos maiores ou não. Valorar é por si só. É um processo de avaliação que resulta em um valor intrínseco que vai refletir suas visões para o futuro da companhia. Se o preço da empresa estiver menor do que o valor intrínseco, compramos. Simples assim. Quem quer que jogue o jogo da valoração tem que acreditar na convergência. Tem que acreditar que preço e valor intrínsico vão se encontrar.

Esse não é o caso de quem joga o jogo da precificação. No jogo da precificação pouco importa o valor intrínseco. Mas aqui é preciso olhar para os outros jogadores e entender as forças atuantes de oferta e demanda. É uma busca por antecipar o movimento do mercado em fatores como fluxo, humor e momentum. Para quem precifica, um simples rumor que apareça na coluna de domingo já tem consequencias. Para quem valora, apenas notícias que afetam os fundamentos da empresa são relevantes.

Não é surpresa que cada estratégia tenha suas próprias armas. A utilização de gráficos e indicadores técnicos servem bem aos precificadores. Para os que valoram, o DCF é a ferramenta mais comum. Eu também não vejo como surpresa que determinados traços de personalidade sejam mais adequados a um do que a outro. Aqueles mais pacientes e menos susceptíveis a pressão externa se saem bem como valoradores enquanto pessoas mais inquietas e de mais ação tem personalidade mais própria para precificador.

Entender essa diferença é importante para fazer o participante saber onde concentrar o desenvolvimento das suas habilidades. Claro, sempre vai haver aquele que não se limita e que pode fazer tudo muito bem. Minha opinião sincera? Já é suficientemente raro encontrar alguém que seja realmente bom em apenas uma delas.

Mas se você é um dos que não se limita, boa sorte! Enquanto isso eu me divirto assistindo meu National Geographic.

Stay cool,
Don Black






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