O maior
responsável pelo reconhecimento da importância da multidisciplinaridade no mundo dos
investimentos foi Charlie Munger. Talvez não tenha sido o primeiro mas foi quem
a tornou popular no meio. Foi o sujeito que colocou o microfone na boca da multidisciplinaridade
com todo o seu arcabouço do mapa dos modelos mentais.
Tomemos a
psicologia. A psicologia hoje já é coisa comum. O rapaz começa a se inteirar
sobre ações e logo recebe Kahneman como leitura obrigatória. Até prêmio Nobel
já concederam. Exceto por alguns adeptos mais radicais da seita dos mercados
eficientes – e aí já é uma dissonância cognitiva toda própria – todo o resto já
admitiu o papel da psicologia nos investimentos. Poucos entendem, ninguém
controla, mas ao menos todos admitem. É alguma coisa.
Existe também aquele paralelo entre empresas e seres humanos. É a teoria dos estágios
da vida onde a empresa começa como um bebê, precisa se alimentar muito para
crescer até que um dia vira um velho moribundo e morre. Estou simplificando,
naturalmente. Vou me aprofundar eventualmente mas por ora basta reconhecer a multidisciplinaridade da teoria.
Claro que
nenhuma relação é perfeita. Por exemplo, as start-ups morrem aos montes. Quem
for buscar uma relação perfeita entre a teoria dos estágios da vida entre
empresas e humanos vai logo perceber que não vivemos em tamanho infanticídio,
ao contrário das empresas. Mas das observações devemos absorver as boas lições
e abstrair as imperfeições.
Uma
observação que me entretem é a interação entre os participantes do mercado. Eu
gosto de imaginar os participantes do mercado e suas relações como um grande ecossistema. Como se fosse uma selva bem particular. Essa é minha rasa
contribuição para a multidisciplinaridade. Eu sento e observo os participantes buscando
retornos como alguém que liga na National Geographic para assistir o Mundo dos Predadores.
É formidável!
E as vezes
engraçado. Sempre que o fundamentalista debocha do trader eu imagino um cenário
onde o leão debocha do tigre. “Oh tigre, você é um completo idiota! Porque vai
caçar sozinho se você pode ficar deitado esperando as fêmeas fazerem todo o
trabalho?”
Alguns
podem dizer que leão e tigre não debocham um do outro porque eles não falam a
mesma língua. Ou melhor ainda: porque eles não coabitam! Eu vou um pouco além.
Eu acho que leão e tigre não debocham um do outro porque eles sabem exatamente
o que eles são. Sabem o que são, entendem suas diferenças, são conscientes das
suas armas e focam na própria sobrevivência. Nós não. Nós pouco entendemos o
que somos e nos ocupamos muito com os outros.
***
Os
participantes do mercado sofrem, em larga escala, de transtorno de identidade. O
investidor de longo prazo emoldura seu resultado de um ano; o trader lamenta
que em uma semana entrou e saiu de uma posição que viria a ser uma ten-bagger.
É irônico mas é como acontece. E é assim porque um não sabe que não é
investidor de longo prazo e o outro não sabe que não é trader. A
auto-designação é uma ferramenta de marketing antes de tudo. É posicionamento.
Mas nem sempre é o que permeia a filosofia do participante. Nem sempre está
incorporado nas suas cabeças. Então, sem saber o que são, vivem a mercê do
caos. Para felicidade geral o caos do bull market afaga a cabeça de todos.
Eu acho
especialmente divertido quando vejo alguém do mercado dizendo que “não se
limita”. Que atua em todas as frentes. Busca oportunidades em todas as
indústrias e em todas as filosofias. Sabe day-trade e sabe longo prazo. Sabe
commodities e sabe high-tech. Sabe renda fixa e sabe renda variável. Sabe
reestruturação e sabe empresa madura. Alguns sabem tanto de tudo que até se
metem a operadores do negócio. Qual negócio? Qualquer um! Eu acho divertido.
É
impossível? Bom, eu diria que é tão possível quanto o o vencedor da maratona de
Boston vencer os 100m rasos na olimpíada. Ou que o leão consiga caçar com a mesma
eficiência na Patagônia. Mas essa é apenas minha opinião enquanto assisto National
Geographic.
***
Precificar
e valorar são usados de forma intermutável mas em verdade são diferentes. Uma
distinção reforçada pelo prof. Damodaran que acho muito libertadora. Como pouca
gente percebe essa distinção e como os participantes estão em constante interação uns com os outros, desentendimentos evitáveis são recorrentes.
O processo
de valorar uma empresa depende dos fundamentos da empresa e da forma como você
vê esses fundamentos se desenvolverem no futuro. É um processo que acontece sem
“olhar para os outros jogadores”. O que você precisa é endereçar coisas como
expectativa de crescimento, geração de caixa e qualidade dos ativos da
companhia.
Quando valoramos
uma empresa pouco importa quem está comprando ou quem está vendendo, se é bull
market ou bear market, se a concorrente está em múltiplos maiores ou não. Valorar
é por si só. É um processo de avaliação que resulta em um valor intrínseco que
vai refletir suas visões para o futuro da companhia. Se o preço da empresa
estiver menor do que o valor intrínseco, compramos. Simples assim. Quem quer
que jogue o jogo da valoração tem que acreditar na convergência. Tem que
acreditar que preço e valor intrínsico vão se encontrar.
Esse não é
o caso de quem joga o jogo da precificação. No jogo da precificação pouco
importa o valor intrínseco. Mas aqui é preciso olhar para os outros jogadores e
entender as forças atuantes de oferta e demanda. É uma busca por antecipar o movimento
do mercado em fatores como fluxo, humor e momentum. Para quem precifica, um simples
rumor que apareça na coluna de domingo já tem consequencias. Para quem valora,
apenas notícias que afetam os fundamentos da empresa são relevantes.
Não é
surpresa que cada estratégia tenha suas próprias armas. A utilização de
gráficos e indicadores técnicos servem bem aos precificadores. Para os que
valoram, o DCF é a ferramenta mais comum. Eu também não vejo como surpresa que
determinados traços de personalidade sejam mais adequados a um do que a outro. Aqueles mais pacientes e menos susceptíveis a pressão externa se saem bem como
valoradores enquanto pessoas mais inquietas e de mais ação tem personalidade
mais própria para precificador.
Entender
essa diferença é importante para fazer o participante saber onde concentrar o desenvolvimento das suas
habilidades. Claro, sempre vai haver aquele que não se limita e que pode
fazer tudo muito bem. Minha opinião sincera? Já é suficientemente raro
encontrar alguém que seja realmente bom em apenas uma delas.
Mas se você
é um dos que não se limita, boa sorte! Enquanto isso eu me divirto assistindo meu
National Geographic.
Stay cool,
Don Black
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