Thursday, December 31, 2020

Armas comuns para anos extraordinários

 Alguns anos são marcantes e 2020 foi um deles.  Nossa experiência agora parece um pouco irrelevante mas é apenas porque estamos todos no mesmo barco. Ninguém perguntava como era viver a Gripe Espanhola em 1918 mas eu tinha um conhecido do centro-oeste americano que virou uma celebridade local nos anos 2000 apenas por ter nascido antes da Gripe Espanhola. Saiu em jornal de bairro e tudo. É razoável pensar que se você viver tempo suficiente o Coronavirus também vai te fazer famoso de alguma forma.

Enfim, posto que ninguém mais por ali havia vivido a Gripe Espanhola a palavra do meu conhecido foi tomada como grande verdade. Toda a cidade então passou a achar que a Gripe Espanhola não foi lá essas coisas todas porque, afinal, foi com esse desdém que o sujeito narrou os fatos. Pouca gente se perguntou o que alguém que tivesse a época apenas 5 anos de idade se lembraria de verdade da Gripe Espanhola. É engraçado como narrativas bem contadas fazem fatos serem ignorados.

Bom, de acordo com os fatos a Gripe Espanhola matou 50 milhões ao redor do mundo e durou bem uns dois anos. O coronavirus ainda sequer completou um ano, matou pouco menos de 2 milhões de pessoas mas afetou, de uma forma ou de outra, a vida de todas. É certo que a essa altura todos daquela pequena cidade do centro-oeste americano já se deram conta de que as narrativas do meu velho conhecido não eram assim tão confiáveis.

O problema dos anos marcantes é que eles são marcados por tragédias. Não que coisas boas estejam em falta. Para nossa felicidade, coisas boas são abundantes. Tão abundantes que passam despercebidas. Um filho abraça o pai no shopping e todos seguem sua vida. Ninguém diminui o passo para admirar, ninguém se lembra disso depois. Mas basta um filho dar um pontapé no velho pai no meio do shopping e uma multidão se aglomera. Vira vídeo do Youtube e assunto da mesa de jantar. A dinâmica do mundo é tal que a tragédia marca e a beleza é deixada de lado.

Que em 2021 mudemos um pouco essa dinâmica.

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Anos marcantes são laboratórios para um intensivo estudo do comportamento humano.

A Grande Peste de Londres aconteceu em 1666 e dizimou a cidade. Cem mil pessoas morreram, naquilo que significava 25% da população da cidade. Tudo isso em apenas 18 meses. Olhar para o lado e pensar que a cada 4 pessoas uma vai morrer no próximo ano e meio é duro.

Nesse cenário começou a pipocar anúncios de remédios milagrosos. E, claro, muitos interessados. Daniel Defoe, famoso por Rubinson Crusoé, escreveu bom informativo sobre a época onde narra esses acontecidos.

Esse comportamento não chega a surpreender. Mais de três séculos depois da Grande Peste de Londres, vimos falsos remédios serem alardeados e adotados em massa. A tiracolo tivemos também profecias, racionalizações esotéricas, rezas e folclores.

No final das contas cada pessoa trava sua busca. Nessa busca, uma estória é tão verossímil quanto é nossa depedência de que ela seja verdade.

Me diga o que você precisa que seja verdade e eu te digo no que você acredita.

 

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2020 foi sim um ano atípico para os mercados.

Seu impacto na minha vida é que vivi minha maior perda absoluta em março/abril, terminei o ano com uma das melhores performances da minha história e estou envolvido em situações que achei que não mais me envolveria, como ativismo e conselhos. Nós nunca sabemos o que nos espera.

Durante o ano cometi alguns grandes erros de avaliação. Os principais aconteceram na primeira metade do ano. Penso que iniciei a pandemia com o pé esquerdo tanto como investidor como quanto amigo. Mas penso também que me recompus.

A maneira que encontrei para crescer à ocasião foi me armar com velhos conhecidos. Conhecidos bobos como:

- Saúde é prioritário e pode ser conduzido com boa dieta, sono, exercício físico e ricas interações sociais.

- Eliminação de ruido e independência de julgamento baseado em fatos e dados

- Considerações de retorno sobre o tempo

- Agir em escala nas poucas e necessárias vezes. Não fazer nada o resto do tempo

- Comprar empresas que gosto quando estão baratas

Nada que eu já não tenha falado por aqui, não é mesmo?

 

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Meus amigos, vou deixar agora meu último conselho do ano.

É verdade que nosso mercado em 2020 trouxe lições. Mas lembre-se que 2020 é apenas UM ano. Um único ano. E que um único ano não significa tanta coisa assim quando investimos.

Ao longo da sua vida de investidor você vai passar por vários ciclos de mercado. Você vai notar, a exemplo do que vos digo agora, de que diferentes ciclos transmitem diferentes lições. E em muitos casos as lições são conflitantes.

Isso quer dizer que algumas lições que você acredita ter aprendido esse ano podem vir a te causar problemas se extrapoladas para os anos futuros. As coisas são desse jeito porque o mercado é dinâmico em seus ajustes finos.

Como investidores e seres humanos temos a tendência de atribuir grande peso para as experiências mais recentes. Então é importante separar as lições de 2020 que merecem sim um grande peso das lições que são mais particulares de um ciclo específico.

Da minha parte, eu acabo por me armar sempre com os velhos conhecidos de sempre, lembra? 

E sim, eles funcionaram também em 2020.

Armas comuns para anos extraordinários.


Um feliz 2021,

Don Black

Thursday, December 24, 2020

Como está o seu vaso?

 

Olá meus amigos!

O fim de 2020 está próximo. Infelizmente nossos problemas não vão embora apenas porque o calendário está chegando no dia 31 de dezembro. Os aspectos da vida não poderiam ligar menos para nossos ciclos temporais. Seja como for as pessoas tendem a ser mais reflexivas nessa época do ano. Vou portanto me aproveitar desse estado de espírito para começar com uma anedota:

Certo dia a professora chegou na sala de aula com um grande vaso de vidro.

De frente para a turma, abriu um saco cheio de bolas de golfe e jogou todas as bolas de golfe dentro do vaso de vidro. Virou para a turma e perguntou:

“O vaso está cheio?”

E a turma foi unânime em dizer que sim.

Então ela abriu outro saco, desta vez um saco de areia. Virou a areia dentro do vaso e aos poucos a areia foi preenchendo todo o espaço entre as bolas de golfe.

“E agora? O vaso está cheio?”

Mais uma vez um unânime “sim”.

“Pois então, o que isso tudo quer dizer?”

Ninguém soube responder. Nenhuma das crianças pareceu entender a mensagem da professora. No que ela explicou:

“Pois bem. O vaso representa o nosso tempo, limitado em seu tamanho. As bolas de golfe são nossas prioridades na vida. Depende de cada um, mas normalmente coisas como as pessoas que amamos, o cuidado com nossa saúde e grandes objetivos profissionais que traçamos para nós mesmos. A areia representa as pequenas coisas da nossa vida como assistir televisão ou discutir nas redes sociais.

Se eu tivesse começado colocando a areia, o vaso não teria espaço para as bolas de golfe. E é assim que funciona na nossa vida. Se você encher sua vida com pequenas distrações você não vai ter espaço para as prioridades. Então comece sempre pelas bolas de golfe!”

 

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"Eu não sabia que gostava de ler até o dia em que tive medo de não poder ler mais. Ninguém ama respirar.", Scout em O Sol é para todos

Eu não sei se as crianças entenderam a mensagem da professora. Talvez tenham entendido mas vão ignorar assim mesmo. Crianças não enxergam o tempo como sendo limitado. Poucas pessoas pensam no tempo como sendo limitado. Ou pelo menos, como diria Scout, não pensam nisso até que a noção da ausência os atinja na cabeça. Até lá é como se nosso vaso fosse infinito.

É claro que é importante que as coisas sejam um pouco assim. Alguém que se preocupasse demais com o tamanho do seu vaso viveria em uma prisão psicológica. Ela passaria todos os dias se despedindo de todos seus entes queridos. Ninguém a suportaria. Ou então gastaria suas energias e economias em prazeres imediatos. O Jorginho Guinle, que nem foi tão radical assim nas estimativas do seu próprio prazo de validade, errou por uns 15 anos e passou 15 anos sofríveis. Compare isso com Munger, que do alto dos seus 95 anos ainda investe para o longo prazo. Fascinante, não é mesmo?

A verdade é que todas as maiores conquistas humanas vieram de um esforço concentrado de longo prazo e é improvável que esse esforço fosse feito se as pessoas vivessem obcecadas com a idéia de que podem morrer no dia seguinte. Mas ao mesmo tempo também não seria feito se as pessoas vissem seus tempos como infinitos e então os desperdiçassem jogando areia nos seus vasos.

Como é quase sempre o caso, a resposta está no caminho do meio.

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Eu sou sempre muito vigilante sobre como ocupo o meu tempo. Faço todo o possível para não me envolver em esperas e reuniões vazias por exemplo. São situações de tempo gasto com baixíssimo retorno. Situações como essas devem ser afastadas.

Há muitos anos sou assim, o que ocasionalmente me proporcionou uma má - e, diria, injusta - reputação. Não é difícil tomar praticidade por rudeza. Mas se quer saber, vale a pena. Se o preço a pagar por um melhor uso do meu limitado tempo é ser interpretado como rude por alguém que pouco me conhece, então que seja.

Hoje em dia vejo o mundo com mais distrações. É verdade que para alguém determinado a encher seu vaso de areia sempre existiram distrações suficientes, mas é como se hoje em dia a areia fosse entregada em delivery. O acesso às vias da procrastinação nunca foi tão grande e fácil. Com forças pró-inércia tão grandes, é importante que sejamos ainda mais vigilantes.

Espero que nesse período de reflexão o leitor olhe para como está o seu próprio vaso e que consiga dedicar mais espaço para suas bolas de golfe.

Assim como vou fazer agora, encerrando esse post para passar o Natal com minha família.

 

Merry Christmas,
Don Black