Saturday, July 27, 2019

Uber de Alguma Coisa




Se tem uma coisa que eu já cansei de ouvir nessa época de explosão de startups é a descrição “Uber de alguma coisa”. O papo é sempre mais ou menos assim:

- Então Don, você conhece a empresa “tal”?

- Não, que empresa é essa?

- Uma empresa que começou agora. Uma startup!

- Sei, mas como é que é?

- Ah, é tipo um Uber de [caminhão, mercado, pizza, etc, etc]

- Tá, mas como que funciona?

- Po, então... igual Uber! Só que pra [caminhão, mercado, pizza, etc, etc]

Continuo perguntando. Peço detalhes. Sempre em vão... Nunca sai dessa simplificação de Uber. Verdade seja dita, eu já sei do que se trata. Se trata da idéia de que existe um aplicativo que vai conectar demanda e oferta de um serviço ou uma transação. Se eu insisto em maiores explicações é justamente pela força do hábito. Uma força do hábito irritante, como concordaria minha esposa.

Meu problema com a descrição “Uber de Alguma Coisa” é que ela costuma ignorar um dos elementos principais do modelo de negócios do Uber. Qual? O despertar de uma oferta adormecida. Vamos pensar em como funcionava o Brasil antes do Uber:

Antes do Uber existiam os táxis, com seus trâmites bucrocráticos, carros personalizados e custos de autonomia. Não demorou muito até alguém perceber o benefício de ter uma central para fazer a ponte entre passageiros e taxistas, dando vida às cooperativas. A vida do taxista passou a ser essa situação de pagar pelo carro, pela autonomia e pela associação na cooperativa em troca de um lugar na fila do fluxo de corridas. O Estado estava lá, naturalmente. As autonomias eram controladas, assim como o tabelamento das tarifas. O negócio era bom o suficiente pra fazer com que uma autonomia tivesse valor de mercado igual ao de uma casa.

O desempregado que tinha um carro parado em casa continuava desempregado. Virar taxista, com todas as barreiras que existiam, era fora de cogitação. A mesma coisa com o rapaz que precisava ganhar só um dinheiro extra no tempo livre. Esse também não tinha como virar taxista. Mas eis que chegou o Uber.

O Uber chegou e colocou tanto o desempregado quanto o rapaz que precisava de um dinheiro extra no tempo livre em contato com passageiros. Repare na sutileza. O Uber não colocou os taxistas (oferta já existente) em contato com os passageiros. Ao invés disso, o Uber colocou todas as pessoas que tinham carro e queriam fazer um dinheiro com corridas (oferta nova e que estava adormecida) em contato com passageiros. O resultado? Um mundo de gente inundou o mercado de transportes e as tais autonomias que chegaram a valer 200 mil reais já estão sendo vendidas por 30 mil.

É verdade que algumas startups realmente adotam o modelo do Uber. O AirBnB é uma dessas. O AirBnB não conectou hotéis (oferta existente) com viajantes. No caso do AirBnB, a oferta que estava latente era a das pessoas que possuem uma casa ou mesmo um quarto para alugar por pequenos períodos. Esse pessoal se conectou com clientes em potencial via AirBnB e fez aumentar a oferta, afetando a indústria hoteleira.

A última vez que ouvi sobre a expressão Uber de Alguma Coisa foi em uma matéria da Exame. A matéria se referia a uma empresa como Uber dos Caminhões. Eu tentei pensar em qual seria a oferta adormecida de caminhões e não descobri. Não me consta que tenha muita gente por aí com um caminhão parado em casa precisando se conectar com clientes. E sem o despertar de oferta adormecida, não é Uber de nada. Mesmo que seja um aplicativo que conecte duas pontas de uma transação, ainda não é o modelo de negócios do Uber.

Stay cool,
Don Black



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