Se tem uma
coisa que eu já cansei de ouvir nessa época de explosão de startups é a
descrição “Uber de alguma coisa”. O papo é sempre mais ou menos assim:
- Então
Don, você conhece a empresa “tal”?
- Não, que
empresa é essa?
- Uma
empresa que começou agora. Uma startup!
- Sei, mas
como é que é?
- Ah, é
tipo um Uber de [caminhão, mercado, pizza, etc, etc]
- Tá, mas
como que funciona?
- Po, então...
igual Uber! Só que pra [caminhão, mercado, pizza, etc, etc]
Continuo
perguntando. Peço detalhes. Sempre em vão... Nunca sai dessa simplificação de
Uber. Verdade seja dita, eu já sei do que se trata. Se trata da idéia de que existe um aplicativo que vai conectar
demanda e oferta de um serviço ou uma transação. Se eu insisto em maiores
explicações é justamente pela força do hábito. Uma força do hábito irritante,
como concordaria minha esposa.
Meu
problema com a descrição “Uber de Alguma Coisa” é que ela costuma ignorar um
dos elementos principais do modelo de negócios do Uber. Qual? O despertar de uma oferta
adormecida. Vamos pensar em como funcionava o Brasil antes do Uber:
Antes do
Uber existiam os táxis, com seus trâmites bucrocráticos, carros personalizados
e custos de autonomia. Não demorou muito até alguém perceber o benefício de ter
uma central para fazer a ponte entre passageiros e taxistas, dando vida às
cooperativas. A vida do taxista passou a ser essa situação de pagar pelo carro,
pela autonomia e pela associação na cooperativa em troca de um lugar na fila do
fluxo de corridas. O Estado estava lá, naturalmente. As autonomias eram
controladas, assim como o tabelamento das tarifas. O negócio era bom o
suficiente pra fazer com que uma autonomia tivesse valor de mercado igual ao de
uma casa.
O
desempregado que tinha um carro parado em casa continuava desempregado. Virar
taxista, com todas as barreiras que existiam, era fora de cogitação. A mesma
coisa com o rapaz que precisava ganhar só um dinheiro extra no tempo livre.
Esse também não tinha como virar taxista. Mas eis que chegou o Uber.
O Uber
chegou e colocou tanto o desempregado quanto o rapaz que precisava de um dinheiro
extra no tempo livre em contato com passageiros. Repare na sutileza. O Uber não colocou os taxistas (oferta já
existente) em contato com os passageiros. Ao invés disso, o Uber colocou todas as pessoas que tinham carro e
queriam fazer um dinheiro com corridas (oferta nova e que estava adormecida) em
contato com passageiros. O resultado? Um mundo de gente inundou o mercado de transportes e as tais autonomias que chegaram a valer
200 mil reais já estão sendo vendidas por 30 mil.
É verdade
que algumas startups realmente adotam o modelo do Uber. O AirBnB é uma dessas. O AirBnB não conectou hotéis (oferta existente) com viajantes. No caso
do AirBnB, a oferta que estava latente era a das pessoas que possuem uma casa
ou mesmo um quarto para alugar por pequenos períodos. Esse pessoal se conectou
com clientes em potencial via AirBnB e fez aumentar a oferta, afetando a indústria
hoteleira.
A última
vez que ouvi sobre a expressão Uber de Alguma Coisa foi em uma matéria da
Exame. A matéria se referia a uma empresa como Uber dos Caminhões. Eu tentei
pensar em qual seria a oferta adormecida de caminhões e não descobri. Não me
consta que tenha muita gente por aí com um caminhão parado em casa precisando
se conectar com clientes. E sem o despertar de oferta adormecida, não é Uber de nada. Mesmo
que seja um aplicativo que conecte duas pontas de uma transação, ainda não é o modelo de negócios do Uber.
Stay cool,
Don Black
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