A Centauro
é a maior varejista de produtos esportivos do Brasil com 192 lojas distribuidas
em 23 dos 26 estados brasileiros, sendo a maior parte delas localizada em
grandes shoppings do país. A história da empresa começou há 38 anos atrás
quando seu fundador, Sebastião Bomfim, abriu a primeira loja em Belo Horizonte.
Depois de uma longa expansão feita ao longo dos anos, Bomfim resolveu vender
parte da empresa para a GP Investimentos em 2012, quando a marca já tinha 233
lojas. Dentro dos limites impostos por um relacionamento conturbado com o
fundador, a GP fez aquilo que ela faz: fechou algumas lojas, cortou custos e
preparou uma saida via IPO. Depois de algumas tentativas frustradas, o IPO
finalmente saiu na semana passada, nos dando a oportunidade de falar sobre a
empresa.
INDÚSTRIA
Apesar de
possuir uma linha de marca própria, a Centauro é essencialmente uma revendedora
de artigos esportivos das principais marcas como Adidas, Nike e Under Armour. De
forma geral, a vida de uma revendedora não é muito fácil já que sua marca não
tem muito valor para o consumidor. Quando o cliente vai comprar um tênis, ele
quer saber se é Nike mas não quer saber se veio da Centauro ou da Netshoes.
Como todos os tênis daquele modelo vão ser iguais, o foco do cliente vai estar no
preço e nas condições de pagamento. Quando isso acontece, pode ter certeza que
você está diante de uma indústria de margens baixas.
As empresas
têm diferentes formas de lidar com essa realidade. Um caminho é tentar ser um
operador low cost (baixo custo) e repassar todo o corte de custo para os
clientes. Além de ter uma operação enxuta, o operador low cost tem que buscar
reduzir seus custos de aquisição dos produtos. No caso da Centauro, é
importante conseguir vantagens junto às fabricantes de materiais esportivos. As
vantagens poderiam vir de melhores condições de pagamento, menores preços ou
exclusividade nas linhas dos produtos. O problema é que as vendedoras de
artigos esportivos não tem muito poder de barganha sobre os fabricantes. Não só
os fabricantes são grandes empresas multinacionais com condições de distribuir
seus próprios produtos, como o mercado
de artigos esportivos é muito fragmentado. A Centauro, apesar de líder do
mercado, possui apenas 5% do market share.
Uma outra
forma de lidar com essa realidade é buscar um posicionamento mais sofisticado.
Sim, os produtos serão os mesmos mas a experiência da compra será diferenciada.
A empresa vai oferecer para seus clientes uma loja de alto padrão com um
atendimento personalizado para a compra daquele tênis que ele procura. A aposta
é que o serviço superior vai compensar uma eventual diferença de preço. Esse
parece ser o caminho escolhido pela Centauro.
ESTRATÉGIA
Atualmente,
além das tradicionais lojas físicas, a Centauro trabalha com duas frentes de
desenvolvimento:
- Plataforma digital, para acompanhar a tendência do crescimento do varejo online brasileiro.
- Criação das chamadas lojas G5, lojas físicas que proporcionam uma experiência imersiva para os clientes
No
interseção dessas duas frentes está a implementação da estratégia omnichannel,
que seria uma integração entre lojas físicas e plataformas digitais.
Primeiro as
Lojas G5:
Este vídeo
mostra um pouco do que é essa loja da nova geração: https://www.youtube.com/watch?v=GrpY04O9b2Y
A idéia
parece ser melhorar a experiência do cliente, incorporando novas tecnologias
nas suas lojas físicas. Dentre as novidades estão um provador inteligente e a
possibilidade de testar um tênis de corrida em uma esteira com simulador. Por
enquanto existem apenas 16 lojas G5 mas a empresa quer seguir fazendo essa
conversão nas suas lojas. Por mais interessante que possa ser esse conceito, o
que me interessa é saber o quanto de retorno incremental essa nova loja
proporcionou em relação ao capital que foi investido nesse processo de
remodelagem e desenvolvimento. Eu não encontrei essa informação mas, caso você
tenha encontrado, sinta-se a vontade para dividi-la.
Agora com a
Plataforma Digital:
No entanto
existem algumas peculiaridades, já que nem todos os produtos “viajam” tão bem
para o comércio da plataforma digital. Vamos pensar na diferença entre um livro
e uma verdura. Enquanto o livro é um produto bem padronizado, as verduras não
são. Se você quer o livro do “Investidor Inteligente” - e você deveria - você
pode comprar na livraria ou no site com a certeza do que está levando. Mas se
você quer comprar uma alface é de se esperar que você queira ver qual alface
você está comprando. A questão para a Centauro é saber em que ponto dessa linha
estão os artigos esportivos.
Eu acho que
dois fatores ainda protegem a Centauro no curto prazo: o primeiro é que boa
parte dos artigos esportivos são personalizados e, portanto, agregam valor à
loja física. Um exemplo é a pessoa que quer comprar uma chuteira mas quer ter
certeza de que o modelo que ela vai escolher fica confortável nos seus pés. O
segundo é que o mercado brasileiro como um todo ainda valoriza a loja física,
não tendo migrado em massa para as plataformas digitais. Acredito que os dois
casos são uma proteção de curto prazo que serão eliminadas aos poucos no longo
prazo. O crescimento das vendas online tem se mostrado uma tendência que eu,
particularmente, jamais apostaria contra.
A Centauro,
se por um lado segue na sua alta aposta em grandes lojas físicas,
por outro não quer ficar de fora da festa. Por isso oferece de tudo um pouco no
espaço digital: comércio próprio em site, celular e aplicativo, além de um
marketplace para venda de produtos de terceiros e também a integração entre
lojas físicas e virtuais pela plataforma omnichannel. Considerando
o número de lojas que a Centauro possui, o baixo custo de desenvolvimento de
soluções digitais e a tendência de crescimento no mercado de vendas online, era
de se esperar que a empresa fizesse mesmo uma entrada no e-commerce. Se é o
suficiente para fazer a Centauro prosperar já são outros quinhentos. O próprio
crescimento das vendas online da Centauro pode canibalizar as vendas físicas,
tornando a empresa menos lucrativa. Afinal, loja de 1.000m2 em shopping center para
centro de distribuição de venda online é como matar formiga com bazuca.
TENDÊNCIA
FINANCEIRA
É muito
claro que estamos diante de um clássico caso de recuperação de uma empresa
grande e ineficiente. Apesar da pouca evolução no top-line, com receitas e
lojas praticamente estáveis em quatro anos de operação, houve uma considerável
melhora no bottom-line. A melhora dos números operacionais com redução do
endividamento são resultado de um plano de eliminação de lojas deficitárias (o
que também refletiu na queda da receita líquida), renegociação de contratos
de locação e enxugamento de custos como um todo. Ou seja: um claro sinal da mão
da GP Investimentos.
A GP entrou na Centauro em 2012 e só temos ai os números a partir de 2015. Seria interessante ver esses números um pouco pra trás, não só desde 2012 mas também desde antes da entrada da GP, porque daria uma visão do que é a empresa sob a batuta do seu fundador e também de eventuais conflitos entre Bomfim e GP a partir de 2012. Meu palpite é que a empresa veio gorda até 2015 mesmo, o que deve ter dado uma boa dose de dor de cabeça para o pessoal da GP.
A GP entrou na Centauro em 2012 e só temos ai os números a partir de 2015. Seria interessante ver esses números um pouco pra trás, não só desde 2012 mas também desde antes da entrada da GP, porque daria uma visão do que é a empresa sob a batuta do seu fundador e também de eventuais conflitos entre Bomfim e GP a partir de 2012. Meu palpite é que a empresa veio gorda até 2015 mesmo, o que deve ter dado uma boa dose de dor de cabeça para o pessoal da GP.
VALUATION
& CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eu vejo com
ressalvas uma evolução operacional de curtíssimo prazo que acontece lado a lado
com sucessivas tentativas de IPO em uma empresa dividida entre seu fundador e
um private equity. Me lembra a estória do dono de cavalo que, chegando no
veterinário, falou “Veja se você pode me ajudar, meu cavalo corre mais do que
todos os outros mas o problema é que de vez em quando ele manca”. No que o
veterinário imediatamente respondeu “Pois então o senhor fique tranquilo,
quando o seu cavalo não estiver mancando é só vende-lo”.
Eu prefiro
esperar mais um pouco pra ver se esse negócio, meio homem e meio cavalo, vai
mancar ou não. Honestamente eu teria ficado muito mais impressionado se tivesse
a convicção de que essas melhorias operacionais vieram pelas mãos do fundador e
não pela influência de um private equity que já carrega o negócio há sete anos.
Além disso, a destinação dos recursos do IPO vão, segundo a companhia, para um
crescimento que, na minha opinião, poderia ser obtido organicamente sem IPO se
os recentes resultados financeiros se mantiverem. Mas nem sempre o IPO existe pelo que o prospecto diz ser a destinação dos recursos do IPO.
Dito isso,
também não tenho confiança na capacidade de crescimento sem destruição de valor
da Centauro. A empresa em si já em grande, com ampla presença no país e sem
maiores proteções. Em relação ao seu preço, a Centauro veio a público por R$
12.50 e já está em R$ 11.93, em uma queda que caminha para 5%. Seguindo a
lógica de todo IPO e considerando a já discutida realidade da empresa, eu não
acho que os atuais níveis de preços refletem uma boa oportunidade. Uma boa oportunidade deve ter, por definição, boa margem de segurança. E eu simplesmente não vejo isso na Centauro.
Para frente
eu vou ficar de olho no crescimento top-line, geração de valor a partir da
aplicação dos recursos, evolução do fluxo de caixa e relacionamento GP/Bomfim
na condução da empresa. Além do preço, óbvio!
Stay cool,
Don Black
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