Tuesday, April 23, 2019

Centauro, uma empresa ascendente ou o conto do cavalo manco?




A Centauro é a maior varejista de produtos esportivos do Brasil com 192 lojas distribuidas em 23 dos 26 estados brasileiros, sendo a maior parte delas localizada em grandes shoppings do país. A história da empresa começou há 38 anos atrás quando seu fundador, Sebastião Bomfim, abriu a primeira loja em Belo Horizonte. Depois de uma longa expansão feita ao longo dos anos, Bomfim resolveu vender parte da empresa para a GP Investimentos em 2012, quando a marca já tinha 233 lojas. Dentro dos limites impostos por um relacionamento conturbado com o fundador, a GP fez aquilo que ela faz: fechou algumas lojas, cortou custos e preparou uma saida via IPO. Depois de algumas tentativas frustradas, o IPO finalmente saiu na semana passada, nos dando a oportunidade de falar sobre a empresa.

INDÚSTRIA


Apesar de possuir uma linha de marca própria, a Centauro é essencialmente uma revendedora de artigos esportivos das principais marcas como Adidas, Nike e Under Armour. De forma geral, a vida de uma revendedora não é muito fácil já que sua marca não tem muito valor para o consumidor. Quando o cliente vai comprar um tênis, ele quer saber se é Nike mas não quer saber se veio da Centauro ou da Netshoes. Como todos os tênis daquele modelo vão ser iguais, o foco do cliente vai estar no preço e nas condições de pagamento. Quando isso acontece, pode ter certeza que você está diante de uma indústria de margens baixas.

As empresas têm diferentes formas de lidar com essa realidade. Um caminho é tentar ser um operador low cost (baixo custo) e repassar todo o corte de custo para os clientes. Além de ter uma operação enxuta, o operador low cost tem que buscar reduzir seus custos de aquisição dos produtos. No caso da Centauro, é importante conseguir vantagens junto às fabricantes de materiais esportivos. As vantagens poderiam vir de melhores condições de pagamento, menores preços ou exclusividade nas linhas dos produtos. O problema é que as vendedoras de artigos esportivos não tem muito poder de barganha sobre os fabricantes. Não só os fabricantes são grandes empresas multinacionais com condições de distribuir seus próprios produtos,  como o mercado de artigos esportivos é muito fragmentado. A Centauro, apesar de líder do mercado, possui apenas 5% do market share.

Uma outra forma de lidar com essa realidade é buscar um posicionamento mais sofisticado. Sim, os produtos serão os mesmos mas a experiência da compra será diferenciada. A empresa vai oferecer para seus clientes uma loja de alto padrão com um atendimento personalizado para a compra daquele tênis que ele procura. A aposta é que o serviço superior vai compensar uma eventual diferença de preço. Esse parece ser o caminho escolhido pela Centauro.

ESTRATÉGIA

Atualmente, além das tradicionais lojas físicas, a Centauro trabalha com duas frentes de desenvolvimento:
  • Plataforma digital, para acompanhar a tendência do crescimento do varejo online brasileiro. 
  • Criação das chamadas lojas G5, lojas físicas que proporcionam uma experiência imersiva para os clientes

No interseção dessas duas frentes está a implementação da estratégia omnichannel, que seria uma integração entre lojas físicas e plataformas digitais.

Primeiro as Lojas G5:

Este vídeo mostra um pouco do que é essa loja da nova geração: https://www.youtube.com/watch?v=GrpY04O9b2Y

A idéia parece ser melhorar a experiência do cliente, incorporando novas tecnologias nas suas lojas físicas. Dentre as novidades estão um provador inteligente e a possibilidade de testar um tênis de corrida em uma esteira com simulador. Por enquanto existem apenas 16 lojas G5 mas a empresa quer seguir fazendo essa conversão nas suas lojas. Por mais interessante que possa ser esse conceito, o que me interessa é saber o quanto de retorno incremental essa nova loja proporcionou em relação ao capital que foi investido nesse processo de remodelagem e desenvolvimento. Eu não encontrei essa informação mas, caso você tenha encontrado, sinta-se a vontade para dividi-la.

Agora com a Plataforma Digital:

Não há dúvidas de que o comércio online trouxe um componente disruptivo para o varejo. O comércio eletrônico possibilita operações de menor custo já que o vendedor não precisa se preocupar em montar uma loja em um shopping de grande circulação, por exemplo. Como foi dito lá em cima, com um menor custo de operação o vendedor pode repassar a economia para os consumidores e ganhar clientes por estar vendendo os mesmos produtos que as lojas físicas vendem, mas com um preço menor.

No entanto existem algumas peculiaridades, já que nem todos os produtos “viajam” tão bem para o comércio da plataforma digital. Vamos pensar na diferença entre um livro e uma verdura. Enquanto o livro é um produto bem padronizado, as verduras não são. Se você quer o livro do “Investidor Inteligente” - e você deveria - você pode comprar na livraria ou no site com a certeza do que está levando. Mas se você quer comprar uma alface é de se esperar que você queira ver qual alface você está comprando. A questão para a Centauro é saber em que ponto dessa linha estão os artigos esportivos.

Eu acho que dois fatores ainda protegem a Centauro no curto prazo: o primeiro é que boa parte dos artigos esportivos são personalizados e, portanto, agregam valor à loja física. Um exemplo é a pessoa que quer comprar uma chuteira mas quer ter certeza de que o modelo que ela vai escolher fica confortável nos seus pés. O segundo é que o mercado brasileiro como um todo ainda valoriza a loja física, não tendo migrado em massa para as plataformas digitais. Acredito que os dois casos são uma proteção de curto prazo que serão eliminadas aos poucos no longo prazo. O crescimento das vendas online tem se mostrado uma tendência que eu, particularmente, jamais apostaria contra.

A Centauro, se por um lado segue na sua alta aposta em grandes lojas físicas, por outro não quer ficar de fora da festa. Por isso oferece de tudo um pouco no espaço digital: comércio próprio em site, celular e aplicativo, além de um marketplace para venda de produtos de terceiros e também a integração entre lojas físicas e virtuais pela plataforma omnichannel. Considerando o número de lojas que a Centauro possui, o baixo custo de desenvolvimento de soluções digitais e a tendência de crescimento no mercado de vendas online, era de se esperar que a empresa fizesse mesmo uma entrada no e-commerce. Se é o suficiente para fazer a Centauro prosperar já são outros quinhentos. O próprio crescimento das vendas online da Centauro pode canibalizar as vendas físicas, tornando a empresa menos lucrativa. Afinal, loja de 1.000m2 em shopping center para centro de distribuição de venda online é como matar formiga com bazuca.

TENDÊNCIA FINANCEIRA



É muito claro que estamos diante de um clássico caso de recuperação de uma empresa grande e ineficiente. Apesar da pouca evolução no top-line, com receitas e lojas praticamente estáveis em quatro anos de operação, houve uma considerável melhora no bottom-line. A melhora dos números operacionais com redução do endividamento são resultado de um plano de eliminação de lojas deficitárias (o que também refletiu na queda da receita líquida), renegociação de contratos de locação e enxugamento de custos como um todo. Ou seja: um claro sinal da mão da GP Investimentos.

A GP entrou na Centauro em 2012 e só temos ai os números a partir de 2015. Seria interessante ver esses números um pouco pra trás, não só desde 2012 mas também desde antes da entrada da GP, porque daria uma visão do que é a empresa sob a batuta do seu fundador e também de eventuais conflitos entre Bomfim e GP a partir de 2012. Meu palpite é que a empresa veio gorda até 2015 mesmo, o que deve ter dado uma boa dose de dor de cabeça para o pessoal da GP.


VALUATION & CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eu vejo com ressalvas uma evolução operacional de curtíssimo prazo que acontece lado a lado com sucessivas tentativas de IPO em uma empresa dividida entre seu fundador e um private equity. Me lembra a estória do dono de cavalo que, chegando no veterinário, falou “Veja se você pode me ajudar, meu cavalo corre mais do que todos os outros mas o problema é que de vez em quando ele manca”. No que o veterinário imediatamente respondeu “Pois então o senhor fique tranquilo, quando o seu cavalo não estiver mancando é só vende-lo”.

Eu prefiro esperar mais um pouco pra ver se esse negócio, meio homem e meio cavalo, vai mancar ou não. Honestamente eu teria ficado muito mais impressionado se tivesse a convicção de que essas melhorias operacionais vieram pelas mãos do fundador e não pela influência de um private equity que já carrega o negócio há sete anos. Além disso, a destinação dos recursos do IPO vão, segundo a companhia, para um crescimento que, na minha opinião, poderia ser obtido organicamente sem IPO se os recentes resultados financeiros se mantiverem. Mas nem sempre o IPO existe pelo que o prospecto diz ser a destinação dos recursos do IPO.

Dito isso, também não tenho confiança na capacidade de crescimento sem destruição de valor da Centauro. A empresa em si já em grande, com ampla presença no país e sem maiores proteções. Em relação ao seu preço, a Centauro veio a público por R$ 12.50 e já está em R$ 11.93, em uma queda que caminha para 5%. Seguindo a lógica de todo IPO e considerando a já discutida realidade da empresa, eu não acho que os atuais níveis de preços refletem uma boa oportunidade. Uma boa oportunidade deve ter, por definição, boa margem de segurança. E eu simplesmente não vejo isso na Centauro.


Para frente eu vou ficar de olho no crescimento top-line, geração de valor a partir da aplicação dos recursos, evolução do fluxo de caixa e relacionamento GP/Bomfim na condução da empresa. Além do preço, óbvio!

Stay cool,
Don Black

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