Wednesday, May 27, 2020

Hertz, com Icahn para o Chapter 11


Quando se trata de empresas estrangeiras o leitor deste blog está mal acostumado. Não falei de muitas mas falei de boas. Google e Amazon. Como a vida não é só de boas novas convém narrar tragédias aqui e acolá. A tragédia do dia será a Hertz.

UM POUCO DA HERTZ E SEUS MUITOS DONOS

A Hertz é uma empresa de longa história e passado agitado. Começou em 1918 pelas mãos de um sujeito chamado Walter Jacobs que possuía meia dúzia de Fords em Chicago. Em pouco tempo Jacobs vendeu tudo para John Hertz, à época presidente da Yellow Cab (do táxi!). John Hertz repassou o negócio após apenas três anos, mas não sem antes mudar o nome da empresa para Hertz Drive-Ur-Self. A compradora foi a GM. E assim foi até os anos 50.

Nos anos 50 John Hertz resolveu recomprar tudo de novo da GM, juntar com seus outros negócios, renomear tudo para The Hertz Corporation e listar a empresa na NYSE. Entre idas e vindas, ao longo das três décadas a Hertz mudou de mão mais algumas vezes até que em 1994 a Ford comprou a locadora e a transformou em uma das suas subsidiárias.

Em 2005 a Ford começou a cogitar um spin-off seguido de IPO. Mas ao invés disso venderam para um consórcio de private equity que envolveu Carlyle e Merrill Lynch.  O consórcio conseguiu sua saída depois de um ano ao fazer o IPO no fim de 2006.



A figura de Carl Icahn só entrou em cena em 2014. Convencido de que a Hertz tinha uma forte marca e que precisava apenas de um choque de gestão, Icahn começou a comprar ações da empresa. Desde então o ativista indicou executivos e seguiu comprando. Hoje sua participação é em torno de 40% da companhia.

UM POUCO DO NEGÓCIO

No total a Hertz é um monstro com quase 13 mil estabelecimentos ao redor de todo o mundo. Seus segmentos são separados em:

1) US RAC (73% das vendas) – aluguel de veículos nos Estados Unidos

2) International RAC (22% das vendas) – aluguel de veículos internacional (ex-Estados Unidos)

3) Outros (5% das vendas) – receita vem quase toda da subsidiária Donlen, responsável por oferecer soluções integradas de leasing e gestão de frota

Muitos estabelecimentos, muita presença global mas no final do dia o que importa é a operação americana.

Como é de se esperar, a primeira providência de um negócio de locadora de carros é arrumar os carros. Como a Hertz faz isso? De duas maneiras. A primeira delas é através de programas de recompra. Nele os carros são comprados das fabricantes, que por sua vez se comprometem a recomprar o mesmo carro por um determinado valor no futuro. É claro que existem variáveis aí no meio como quilometragem e idade e condição do veículo. A vantagem dos programas de recompra é que dá à Hertz condição de saber a depreciação da frota e limita o risco residual. Mas como na vida nada é de graça, o custo de aquisição da frota sob programas de recompra é maior. Por isso existe a outra maneira.

A outra maneira é adquirir a frota por meio de ABS - asset-backed securities. Entidades financeiras de propósito específico ligadas a própria empresa, como a Hertz Vehicle Financing, emitem títulos para financiar a compra da frota para a Hertz. A Hertz, por sua vez, faz os pagamentos dos leases e com isso os detentores das ABS são remunerados. Como o nome asset-backed securities sugere o colátero é o próprio ativo, no caso, os carros. 

Na operação americana da Hertz a maioria dos veículos é adquirido através de ABS, apesar do esforço recente de reduzir essa exposição.

Program vehicles = programa de recompra



De posse dos carros, o passo agora é alugar. O mercado de aluguel é categorizado majoritariamente por localidade e tipo de cliente.

A localidade é separada em aeroporto e não-aeroporto. Cada uma com suas particularidades. “Aeroporto” depende do tráfego aéreo de passageiros, são aluguéis de menor duração e é uma localidade de alto custo já que depende do pagamento de concessões para os aeroportos. O segmento “não-aeroporto” inclui, entre outras coisas, aluguel de carro de reposição para seguradoras e os aluguéis para motoristas de aplicativos como Uber e Lyft. Para a Hertz:




Quando se trata de tipo de cliente a divisão é entre lazer e negócios. No segmento de negócios estão aqueles que alugam o veículo por necessidades comerciais. Que surpresa, não é mesmo?! É nesse bolo que estão os motoristas Uber. Já os clientes “Lazer” são não só os turistas como também qualquer pessoa que precise do carro por alguma necessidade pessoal. Na média são aluguéis de mais $ por transação do que os clientes de negócios. Para a Hertz:




Empresas não simplesmente vivem saudáveis e acordam um belo dia na beira do abismo sem mais nem menos. Não é assim que acontece. Existe um gradual processo de enfraquecimento. As vezes é rápido, as vezes mais demorado, mas a deterioração é gradual até que chegue o apocalipse. Com a Hertz não foi diferente e muitas foram as situações que aos poucos contribuíram para esse estado das coisas:

- Fraudes contábeis causaram atrasos e exigiram acertos em demonstrações financeiras passadas. Com isso veio multa da SEC e desconfiança dos investidores.

- LBO na entrada das firmas de PE fez a dívida explodir.

- Aquisição da Dollar Thrifty após batalha com a Avis durante o período de consolidação da indústria de locadoras de carros nos Estados Unidos custou caro e adicionou à dívida.

- Processo de integração da Dollar foi mal feito e custoso. Sinergia foi o que normalmente é, uma enganação em powerpoint de banco de investimento.

- Alta rotatividade de executivos

Aos erros internos começaram a se somar fatores externos. Como por exemplo o valor do veículo usado, tão importante para locadoras. Quando o valor dos usados aumenta, a diferença entre o valor de aquisição e o recuperável é menor, e a depreciação por veículo diminui. Tudo é menos problemático para os veículos comprados sob o programa de recompra, mas para os veículos financiados via ABS a Hertz precisa recompor a estrutura financeira sempre que o valor da frota, usada como colátero, cai demais.

O impacto do valor dos usados no resultado operacional da companhia é grande e pode ser visto na grande correlação desse resultado com o índice de valor de usados (retenção BlackBook) ao longo do tempo. Eu não estou com essa série aqui agora, então você vai ter que acreditar em mim. Ou ir pesquisar.

Enfim, e como está o valor dos usados? Veio caindo desde 2014 e teve uma melhora no último ano. E o que aconteceu com o resultado operacional da Hertz no período? Vamos ver, aproveitando para comparar com outro importante número, a despesa financeira:


Enquanto a Hertz sofria para gerar resultado que cobrisse o custo financeiro, a empresa acumulou ainda mais dívidas (corporate + vehicles):



O problema de se ver em situação vulnerável é que qualquer brisa é perigosa. E a pandemia foi um verdadeiro furacão para a Hertz. A receita da empresa, majoritariamente de aeroportos, foi dizimada. E na outra ponta o preço dos usados despencou. Sem ter como recompor a estrutura financeira das ABS, a Hertz perdeu um pagamento em Abril. De lá pra cá não se chegou a nenhum acordo com os credores e a empresa se viu obrigada a entrar com pedido de recuperação judicial. Nenhum socorro governamental para uma empresa onde 40% pertence a um sujeito com 20 bilhões de dólares como Icahn.

O que nós vamos ter agora é um processo de reestruturação longo e interessante. E da maneira como as coisas andam Mr Icahn caminha para perder todo seu investimento de 1.3 bilhão de dólares na velha Hertz.

Vamos acompanhar.

Stay cool,
Don Black

Wednesday, May 20, 2020

Google, a máquina da propaganda




"Podiamos ver nas nossas operações como a publicidade no Google estava funcionando bem. E no entanto ficamos parados lá chupando os dedos. Eu me sinto um idiota por não ter identificado o Google. E acho que Warren se sente igual. Nós fizemos merda.", Charlie Munger

Já coloquei esse comentário do Munger sobre o Google em algum dos meus rabiscos aqui. Buffett também já cansou de citar o Google como um erro de omissão. Erro de omissão é quando temos as informações em mãos para agir e no entanto não fazemos nada. São os erros que nos custam mais caro. Não aparecem em extratos nem em demonstração financeira nenhuma mas martelam nossa cabeça de culpa pela eternidade. É uma desgraça. Só mesmo uma grande desgraça como um erro de omissão no Google para Munger dizer que se sente um idiota.

Fato é que Munger não está sozinho nessa. Em 1998 o pessoal do Yahoo! resolveu bater a porta na cara de dois estudantes de Stanford que queriam vender o algoritmo que tinham desenvolvido. O preço era de 1 milhão de dólares. Como o negócio não saiu, os estudantes Larry Page e Sergey Brin seguiram construindo a empresa em cima do algoritmo em questão. Virou o Google.





Em 2002, vendo que a coisa estava saindo do controle, o Yahoo! resolveu reabrir o canal de diálogo para ver se dessa vez comprava o Google. Entre idas e vindas, o pessoal da Google acabou pedindo 5 bilhões de dólares pelo negócio. O Yahoo! declinou. Um “compounded error of omission”, se é que isso existe. E o que aconteceu é que hoje o Google está precificado em quase 1 trilhão de dólares. Um baita erro de omissão, esse do Yahoo!

As expectativas em torno do Google sempre foram grandes. E com grandes expectativas vem grandes desconfianças, como diria o tio do Homem Aranha. Acontece que entre expectativas e desconfianças o Google acabou provando seu valor ao longo do tempo. E hoje em dia mesmo value investors clássicos como Seth Klarman já se tornaram acionistas.

O que esse pessoal todo viu no Google? Hora de saber um pouco sobre a empresa que mais sabe sobre você. A começar pelo verdadeiro nome do negócio todo: Alphabet.


ALPHABET


O pessoal do Google fez uma coisa curiosa. Começaram como Google, cresceram como Google e quando o nome Google já era conhecido no mundo inteiro resolveram reestruturar e colocar o nome de Alphabet.

O Google em si não deixou de existir mas virou um segmento da Alphabet. A tal da Alphabet é uma coletânea de negócios que ficou dividida em dois grupos, “Google” e “Outras apostas”.

Sob o nome de Google estão os negócios principais da empresa como Chrome, Search e Gmail. E sob o nome de “Outras apostas” estão projetos tecnológicos que a empresa desenvolve para buscar soluções em diferentes indústrias. Exemplos são o Waymo (veículos autônomos) e o Calico (biotecnologia).

Para organizar esse tanto de empresas e negócios, vamos colocar os dois segmentos em imagens:







Sim, é muita coisa. Se você tiver curiosidade de pesquisar uma a uma, boa sorte. Não é o que vou fazer. O que vou fazer é seguir o dinheiro:



A maneira como a Alphabet divulga essa receita traz algumas coisa interessantes.

1. Outras apostas

A contribuição das receitas de “Outras apostas” é irrelevante para a empresa. E aqui estou falando das receitas. A verdade é que a contribuição de “Outras apostas” para os resultados da Alphabet é terrível. No acumulado já são quase 20 bilhões de dólares em perdas. Para colocar em perspectiva, o Uber – tão famoso por suas perdas expressivas – tem uma perda acumulada de 16 bilhões de dólares no mesmo período.

Mas enfim, não é a toa que o segmento se chama “Outras APOSTAS”, certo? Aí é como se fosse um aglomerado de startups, algumas das quais são mantidas em sigilo. Startups financiadas internamente, subsidiadas por áreas mais rentáveis da empresa. Uma vantagem e tanto para empresas em seus estágios iniciais.

É uma vantagem tão grande que me faz pensar que essa foi a principal razão que fez o Google se reestruturar como Alphabet. Me parece que foi uma forma de isolar essas iniciativas e colocar seus resultados mais em evidência, para evitar a procrastinação que o fácil acesso a capital pode gerar. Nós não estaríamos assustados com essa perda de 20 bilhões se esse resultado estivesse “escondido”, misturado com todo o lucro das outras áreas, não é mesmo?

Enfim, nada impede que uma Waymo se torne uma empresa de 300 bilhões de dólares em algum momento. Pode ser que o Waymo consiga desenvolver seus carros autônomos, integrar com outros produtos da Google, entrar na área de entrega e ridesharing, licenciar... Pode ser. Mas até agora não foi. Até agora o “Outras apostas” foi um grande ralo de recursos.

2. Google Cloud

Só recentemente a Alphabet quebrou a receita do Google Cloud. E o crescimento dessa linha está animador, podendo ser um importante driver futuro da empresa. O problema aqui é a concorrência, sempre ela! AWS (Amazon) e Azure (Microsoft) são as líderes e também tem muito poder de fogo. Mas um terceiro lugar em uma indústria tão promissora não é ruim. Aliás, a melhor explicação do Google Cloud até hoje vem de Bernstein:

“Snapple tinha uma velha propaganda com o título ‘Nós queremos ser o número 3’, no seu esforço de competir com Coca Cola e Pepsi. Google Cloud é a Snapple de hoje em dia.”

3. Youtube

Aqui vai acontecer uma sobreposição. Por que? Porque boa parte da receita do Youtube vem de propaganda e eu vou tratar exclusivamente de propaganda daqui a pouco. Mas eu quis fazer essa sobreposição porque eu quero falar do Youtube, já que só recentemente a Alphabet quebrou essa receita também. E ela é fantástica!

O Youtube está fazendo mais de 15 bilhões de dólares por ano de receita! Isso só em propaganda, sem contar o Youtube Premium. O impressionante está não só na magnitude como na velocidade, já que essa receita praticamente dobrou em apenas dois anos.

São número impressionantes de uma plataforma que, até essa pandemia começar, significava 250 milhões de horas diárias de consumo. Provavelmente a quarentena está contribuindo ainda mais para um aumento nesse consumo.

Eu acredito que o Youtube seja hoje um dos ativos de maior potencial da Alphabet e acho legal lembrar de como tudo isso começou. Começou em 2005 com ex-funcionários do Paypal. Os rapazes criaram a empresa em um ano e no ano seguinte venderam por 1.7 bilhões de dólares para o Google. Críticas para o valor pago na época por uma empresa de um ano de vida e que hoje virou história, tal qual Facebook/Instagram.

4. Propaganda

Ok, aqui está o Holy Grail! 83% da receita do Google vem de propaganda. 134 bilhões de dólares em propaganda, imagine só. E o mais incrível é que mesmo com esses grandes números o segmento ainda cresce dois dígitos. Agora a gente sabe de onde está vindo a grana pra financiar aquelas “Outras apostas”

A grande conclusão desse quadro de receitas é que a Google é uma empresa de propaganda. Só existe um jeito de entender a mágica de uma empresa de propaganda avaliada em um trilhão de dólares: entender como ela faz propaganda.

Here we go!

O MODELO DE NEGÓCIOS

O olhar atento percebeu que a linha de propaganda do Google é quebrada em “Google Properties” e “Google Network Members Properties”. Ao olhar desatento vou dar outra chance:



Google Properties são as receitas de propaganda geradas em plataformas que são do próprio Google, como Search, Google Maps, Gmail e Youtube!. Anunciantes participam de programas como o AdWords e a receita vem para essa linha.



Google Network Members Properties são receitas geradas por parceiros que permitem que o Google insira propaganda em seus sites. São membros que participam de programas como o AdSense e é claro que recebem por isso. Não é a toa que tanta gente passa tanto tempo produzindo conteúdo e escrevendo blogs (não é o caso de quem vos escreve).

Para facilitar o entendimento vamos a uma ilustração desse modelo de negócio:




1. Tudo começa no usuário. Ele usa gratuitamente os produtos da Google e com isso gera uma infinidade de dados sobre suas preferências. Dados esses que são capturados pelo Google, naturalmente. Uma infinidade! Uma vez ouvi uma história de um sujeito que resolveu levantar o quanto dos seus dados pessoais tinha sido capturado pelo Facebook e para sua surpresa descobriu durante o processo que o Google possuía muito mais. Eu acredito que o Google sofre menos críticas do que o Facebook nessa frente porque, entre outras coisas, essa captura é mais “disfarçada”. Enfim, vamos o que interessa: o Google tem os seus dados.

2. De posse dos seus dados, o Google consegue ser mais eficiente do que qualquer outro anunciante do planeta para criar anúncios direcionados. Essa é a beleza do marketing digital. Então a anunciante (Businesses) participa do Adwords ($ para o Google) e o Google publica seus anúncios para os usuários com o perfil adequado.

3. Se a propaganda vai parar em alguma plataforma do Google a coisa toda vai para o Google Properties. Mas se a propaganda vai parar em algum site participante do AdSense (Publisher), o Google vai receber do anunciante (Businesses) e depois pagar alguma coisa para o site parceiro (Publisher). Esse é o Google Network Members Properties.

Então como vocês podem ver na tabela das receitas, 84% vem do Google Properties. E como é a estrutura de custos? Vamos a ela!

Os custos do Google Network Members Properties são óbvios porque os parceiros (publishers) são pagos pelo Google para permitirem que o Google coloque propaganda nos seus blogs e sites.

O custo do Google Properties é menos óbvio e um exemplo é quando o Google paga para navegadores como o Firefox aceitarem o Search como ferramenta de busca padrão do navegador.

O Google se refere a esses custos pagos a distribuidores como o Firefox e a membros do Google Network como TAC, que significa “custo de aquisição de tráfego”.



Como é de se esperar, a margem do Properties é muito melhor porque, afinal, não existe tanto intermediário no caminho da receita. Agora eu quero chamar atenção para duas coisas interessantes:

1- O properties é um negócio com uma margem bruta de aproximadamente 90%. Mais de 100 bilhões de dólares de receita e uma margem bruta de quase 90%! Um negócio único que só é possível porque o Google cria milhares de plataformas para usuários acessarem gratuitamente. Quanto mais plataformas Google as pessoas usarem, menor será o custo de aquisição de tráfego do Properties.

2- O olhar atento percebeu que a tabela anterior só vai até 2018 enquanto as outras iam até 2019. Por que? Simples, porque o Google parou de divulgar o TAC quebrado. A grande especulação aqui é de que essa é uma forma de o Google esconder o valor que paga à Apple. 

Isso mesmo! O Google paga uma fortuna para a Apple deixar que o Search seja a plataforma de pesquisa padrão em iPhones e iPads. Quanto? 12 bilhões de dólares!!!! Ou seja: 75% do TAC do Properties vai direto para a Apple. 80% da receita de propaganda do Youtube vai direto pra Apple.



Pare para pensar nisso por um segundo. É uma lição de força relativa porque o Search do Google é disparado o melhor buscador que existe. Ou seja, usar o Google Search já deveria ser a decisão racional da Apple de qualquer forma. 

A mensagem no final das contas é clara: o valor da rede Apple para o Google é muito superior ao valor do produto google para a Apple.

E é com essa reflexão que vou encerrando esse longo post sobre o Google.

Obrigado pela leitura.

Stay cool,
Don Black

Wednesday, May 13, 2020

A Virtualização do Trabalho*





Crises são aceleradoras de mudanças em potencial. Com o COVID não vai ser diferente. Entre tantas potenciais mudanças uma é a questão do trabalho remoto. Eu gosto de pensar os temas através de um intervalo de possibilidades.

Um extremo nesse intervalo é a adoção em massa do trabalho remoto. Vou me referir ao trabalho remoto como virtualização, porque acho que esse é o processo em curso que o COVID tem o potencial de acelerar. Enfim, uma virtualização em massa afeta toda a ordenação urbana.

Você pode morar em uma bucólica casa no interior de Minas e seu filho estudar em uma escola que, até ontem, só existia em Manhattan. Enquanto isso seu colega de trabalho mais próximo, aquele que te substitui nas férias, mora em um bangalô na Indonésia. Vocês nunca nem se viram pessoalmente.

Os impactos desse tipo de mundo são – por que não? - de ficção científica. Você não escolhe seu espaço pela proximidade do trabalho porque, vendo agora, endereço comercial virou rabisco nas papeladas da burocracia. Você passa a morar perto de amigos e familiares, porque é isso que te faz feliz. E essa é uma realidade que se estende a seus amigos e familiares também, naturalmente.

Mudou o trânsito, mudou o agrupamento de pessoas, muda também as relações interpessoais, muda tudo! Claro, isso é um dos extremos. E os extremos são sempre irreais. Ou pelo menos uma realidade distante. Esse é o propósito do exercício.

O outro extremo seria a completa rejeição à virtualização. Um extremo onde a sociedade já viveu, mas apenas porque não existia alternativa. Hoje, com alternativa, talvez seja mais irreal e distante do que o outro extremo. E esse é o ponto de partida.

Eu ouvi declarações de todos os tipos durante essa pandemia. Alguns executivos que conversei se queixaram muito da virtualização mas boa parte deles se acostumou à medida que os dias passaram. Vendedores me disseram que, com o distanciamento, perderam seus diferenciais. Tiveram que se adaptar, mostrando suas habilidades de persuasão (enganação?) usando lives e constantes Zoom. “Mas não é a mesma coisa”, dizem eles.

Para outros é excelente. Profissionais de startups – de funcionários à fundadores - foram os mais satisfeitos dentro todo o tipo de gente que falei. São pessoas confortáveis com o novo e flexível, que se veem obrigadas a pagar o metro quadrado de uma San Francisco por razões que, em larga escala, não passam de imperativo institucional. Eles gastam no imobiliário sem precisar do imobiliário para suas funções. E esse é um dinheiro que faz muita falta, seja no orçamento familiar para o indivíduo e seja no caixa de uma empresa que, enquanto engatinha, incinera dinheiro em tantas frentes.

Eu não acho que dê pra saber o ponto final dessa revolução. Aliás, não acho nem que exista um ponto final. É apenas um caminhar. Mas mesmo que tivesse, descobrir esse ponto final nunca seria o objetivo. Eu me satisfaço em pensar na tendência. Observando esse caminhar, em que direção estamos indo?

Algumas atividades simplesmente exigem a proximidade. Ou pelo menos vão exigir ainda pelo tempo em que eu estiver vivo. Se eu tiver que colocar um stent, é improvável que eu consiga sem sair da minha bucólica casa do interior. Então atividades como saúde, turismo, manufatura e restaurantes vão exigir o presencial. Mas outros casos não vão, como o COVID vem nos mostrando.

Entre exigir e não exigir, também existem as preferências e as forças de mercado. Tem o sujeito que, com quatro filhos em casa, se sente mais confortável trabalhando no escritório. Tem o comerciante que notou que seus clientes valorizam o caloroso tratamento humano. É uma dança de ajustes que vai ser bonito de acompanhar.

Essa dança de ajustes vai ditando o caminhar que falei lá em cima. E esse caminhar, no contexto do intervalo de possibilidades, parece ir na direção de soluções mais flexíveis. Não o extremo do fim do presencial. Mas sim uma organização mais híbrida entre presencial e virtual. 

E é por isso que eu acho que estamos sim no pico do presencial. O presencial vai deixar de existir? Não acredito! Quanto tempo até a virtualização reconfigurar o ordenamento urbano que temos hoje? Não sei! Mas que daqui em diante a realidade seguirá pendendo para a virtualização me parece claro. E isso pra mim é suficiente.

Stay cool,
Don Black

*texto publicado no twitter do @RabiscoDoDon