Wednesday, November 13, 2019

Uma ode ao short-seller



"A função mais importante que short-sellers trazem para o mercado é que eles são detetives financeiros em tempo real.", Jim Chanos

Há mais ou menos uns dois anos que uma das minhas posições é alvo preferido de short-sellers. Muitos short-sellers. Como a empresa não é fraudulenta e tem bons resultados, os short-sellers tem perdido a guerra até agora. Mas eventualmente eles vencem algumas batalhas. Quando é assim eu aproveito e compro um pouco mais. Eu jogo na ponta comprada e com minha convicção aproveito as oportunidades que o fluxo dos vendedores proporciona. Mas a queda de braço entre longs e shorts é muito mais estressante para a maioria dos participantes.
Houve uma época em que resolvi me aventurar no short-selling naquilo que para mim teria sempre um desfecho inescapável: fraudes. Meu racional era de que uma empresa fraudulenta só valia alguma coisa até o ponto em que a fraude passava despercebida. E por conclusão tautológica uma fraude não estava mais despercebida se eu a encontrasse. Então bastava eu estar certo sobre uma fraude para ganhar dinheiro, certo?
Foi aí que aprendi os pormenores das grandes disputas entre longs e shorts. Grandes bancos promovem empresas fraudulentas, empresas maiores compram empresas fraudulentas menores, CEOs processam short-sellers como intimidação, empresas espionam e assediam short-sellers, brokers vazam informações sobre short-sellers vulneráveis para clientes hedge funds, órgãos reguladores ignoram denúncias de reconhecidos short-sellers e por aí segue a lista.
Com o tempo eu ajustei meu processo de investimento e shortear ações deixou de fazer parte do repertório. Mas considero a presença dos short-sellers sempre bem vinda. Em nada me incomoda. Acredito que grandes empresas vão sempre escalpelar os short-sellers e que empresas fraudulentas merecem ser expostas. Eu gosto tanto do equilibrio que short-sellers trazem ao mercado que regularmente faço uma lista das empresas mais shorteadas e avalio as teses dos vendedores uma a uma.
É por esse reconhecimento aos short-sellers que escrevo o post de hoje.
BALDWIN, UMA EMPRESA DE PIANO. OU NÃO.
Anúncio da Baldwin, 1905
Fundada em 1862 a Baldwin era uma humilde loja de pianos de Cincinnati criada pelo professor de música Dwight Hamilton Baldwin. Quando Baldwin e sua esposa faleceram a loja passou para o comando de um veterano de guerra, Lucien Wulsin, e três outros acionistas minoritários.

Os novos sócios promoveram alterações na Baldwin e eventualmente transformaram a pequena loja em uma empresa que vendia mais de 30 milhões de dólares anuais em pianos, ainda nos anos 50. E foi também nos anos 50 que entrou na empresa um jovem vendedor chamado Morely Thompson.
Thompson passou pouco mais de 10 anos como vendedor até virar tesoureiro. Seis anos depois se tornou vice-president e, três anos depois disso, em 1970, era o novo CEO da Baldwin.
Uma vez CEO, Thompson teve a idéia de expandir os negócios da Baldwin para serviços financeiros. A idéia veio naturalmente do fato de que a Baldwin já financiava a venda de pianos para seus clientes. O objetivo de Thompson era movimentar o dinheiro das operações financeiras entre diferentes subsidiárias para reduzir impostos e liberar caixa. No início dos anos 80 a Baldwin já controlava mais de 200 instituições financeiras, para deleite de Wall Street.
O grande auge da Baldwin veio por um produto conhecido como SPDA (single premium deferred annuity). No SPDA o cliente depositava um grande montante de uma única vez no início (prêmio) e o rendimento acruava em uma conta isenta de impostos até o momento em que o cliente fosse começar a receber os pagamentos (normalmente na sua aposentadoria).
O rendimento prometido sobre os depósitos chegava a até 14.5% ao ano e para estimular a força de venda a Baldwin pagava uma gorda comissão de 5% para os brokers. Então, simplificando, as coisas funcionavam assim:
  • Cliente deposita $23,000 para seu SPDA
  • Broker embolsa $1,150 (5% de comissão)
  • Baldwin precisa reinvestir os $ 21,850 restantes a taxas suficientes para honrar o prometido 14.5% ao ano sobre os $ 23,000 depositados pelo cliente quando este começasse a receber os pagamentos

O olhar treinado já está alerta para o que é potencialmente uma construção Ponzi clássica. O caso em si tem outras complexidades – como o financiamento de aquisições de forma irregular - que vou evitar nesse post a título de simplificação. Mas basta saber que a Baldwin não gerava o suficiente para pagar as anuidades que vendia e que reguladores já contestavam a empresa.
Apesar disso, Wall Street seguia maravilhada. Thompson aparecia em capas de revistas e os grandes bancos de investimento aplaudiam esse novo e revolucionário produto financeiro da Baldwin. Muitos profissionais seguiam aplaudindo a empresa apesar dos red flags.
O jovem Jim Chanos não era um deles.
O INÍCIO DE UM NOTÁVEL SHORT-SELLER
Jim Chanos e sua especialidade, um Castelo de Cartas

Jim Chanos era um jovem analista de ações que havia desistido de uma carreira como banqueiro porque, nas suas próprias palavras, “tinha que existir algo mais interessante do que fazer recomendações erradas com fatos distorcidos apenas para gerar comissões.” Bom ponto.

Com apenas 24 anos, Chanos trabalhava em uma pequena firma de Chicago quando percebeu o que o mercado se recusava a ver em relação à Baldwin:
“Eles estavam emitindo anuidades a 12-14%, e eu não conseguia descobrir no que eles estavam investindo que pudesse gerar esse tipo de retorno. Tirando as aquisições, o portfolio deles era majoritariamente bonds comprados anos antes e que estavam basicamente underwater.”, Chanos
Então Chanos juntou todas as peças e emitiu uma recomendação de venda de oito páginas recheada de fatos e referências. A ação da Baldwin saiu de 24 para 50 dólares, a empresa em que Chanos trabalhava começou a receber pressões judiciais e a a cabeça do jovem Chanos esteve a prêmio.
“Timing nunca foi o meu forte mas eu ainda tenho muito orgulho daquele relatório.”, Chanos
Chanos foi acusado de inexperiente, de desconhecer a indústria, de nunca ter se reunido com os executivos da Baldwin, de não entender do que estava falando e muitas outras coisas. Nada mais comum do que atirar no mensageiro quando diante da incapacidade de desconstruir a mensagem.
Até que um belo dia a Forbes resolveu fazer uma nova publicação sobre a Baldwin, desta vez qualificando a empresa como um castelo de cartas, ou seja, uma estrutura que se mantém de pé de forma frágil e precária. Nesse momento Chanos começou a ser ouvido.
Após a matéria da Forbes um importante analista da Merrill Lynch emitiu novo relatório reforçando a recomendação de compra. Chanos leu o relatório e viu que o analista não tinha se dado ao trabalho de pesquisar a empresa a fundo, tendo inclusive negado fatos que a própria Baldwin já havia admitido. Fazer vista grossa é comportamento corriqueiro diante de apropriados incentivos.
“Quando eu vi o relatório aquilo me atingiu: tantas pessoas haviam comprado ações da Baldwin baseadas na recomendação desse analista e ele sequer olhou as declarações de Arkansas (regulador) que eu havia mencionado poucos meses antes. Aquilo realmente abriu meus olhos em como vozes dissonantes eram esmagadas, como fatos sérios podem ser ignorados por meses a fio, e o quão acolhedor pode ser o relacionamento entre banqueiros/analistas/empresa.”, Chanos
Chanos sabia que sua tese estava certa. O relatório da Merrill mostrou para Chanos que muita gente no mercado simplesmente se recusava a enxergar a verdade, fosse por ingenuidade ou interesse. Afinal, os bancos de investimentos faturavam 5% de comissão sobre cada SPDA vendida. E a essa altura a Baldwin já havia emitido quase 4 bilhões de dólares em SPDA.
Para Chanos, a implosão da Baldwin era questão de tempo. Ainda mais com os reguladores no cangote da empresa. E o fato de que parte do mercado negava a realidade só traria mais drama quando a hora da verdade chegasse. Só havia uma coisa racional a fazer: dobrar o short. Os executivos da empresa onde Chanos trabalhava - Gilford Securities – concordaram, dobraram o short e receberam uma bolada quando, um ano depois, em 1983, a Baldwin se viu obrigada a aderir ao capítulo 11 da lei das falências. A ação despencou 91% naquela que foi a até então maior falência da história americana.
CONCLUINDO
O caso da Baldwin foi a primeira fraude descoberta por Jim Chanos, um dos mais notáveis short-sellers cujo maior feito foi desmascarar a farsa da Enron.
Pessoalmente meu grande problema com fraudes – das maiores até as menores – é que elas não são acidentes isolados. Elas são um organismo vivo dentro do sistema. Ninguém gosta de reconhecer mas existe uma indústria da fraude em constante funcionamento. São farsantes que ganham a vida fazendo falsas recomendações, lançando produtos fraudulentos, executando um pump and dump... 
E quando os astros se alinham e o produto da fraude é suficiente para encher o bolso de todo mundo, todos esses farsantes se unem em cadeia para espoliar um aposentado de boa-fé que trabalhou por 40 anos e passa seus dias jogando xadrez nas mesinhas da praia. São os short-sellers que vão pra guerra contra esses farsantes, apostando contra a indústria da fraude.
"Para seus críticos, os short-sellers de Wall Street são piores do que advogados perseguidores de ambulância. Eles não apenas buscam lucrar com o infortúnio dos outros, mas, segundo os críticos, uma nova geração de short-sellers ativista tenta ajudar a fazer a má notícia se concretizar.", Wall Street Journal, 1985
Sim, alguns short-sellers tem comportamento desonesto. Divulgam inverdades e tentam promover um caos que não existe. Mas sempre que alguém criticar o comportamento desonesto de um short-seller, faça a gentileza de lembra-lo sobre os comportamentos desonestos dos comprados, que não são poucos.
Se a campanha for contra o comportamento desonesto, pode me chamar. Mas se for contra os short-sellers, estou fora. Mesmo sendo long. E aliás, que os short-sellers fiquem à vontade shorteando minhas posições. É sempre um prazer emprestar meus papéis a 30% ao ano enquanto assisto minha empresa continuar executando.
Stay cool,
Don Black


PS: Estamos nos aproximando do final do ano, época onde viajo com maior frequencia. A tendência então é uma diminuição no ritmo das postagens. Vou me esforçar para seguir publicando coisas interessantes e desde já agradeço sua audiência. Manter esse blog e interagir com os leitores tem sido uma experiência fantástica! Muito obrigado! 

Referências:
The Big Win: Learning from the Legends to Become a More Successful Investor de Stephen L. Weiss  http://www.amazon.com/The-Big-Win-Learning-Successful/dp/0470916109
The Most Dangerous Trade: How Short Sellers Uncover Fraud, Keep Markets Honest, and Make and Lose Billions de Richard Teitelbaum https://www.amazon.com/Most-Dangerous-Trade-Billions-Bloomberg/dp/1118505212/ref=tmm_hrd_swatch_0?_encoding=UTF8&qid=1573670485&sr=8-1
NYT, 1983 - BALDWIN, A CASUALTY OF FAST EXPANSION, FILES FOR BANKRUPTCY - https://www.nytimes.com/1983/09/27/business/baldwin-a-casualty-of-fast-expansion-files-for-bankruptcy.html
Barry Ritholts entrevista Chanos: Masters in Business https://soundcloud.com/bloombergview/barry-ritholtz-interviews-6

3 comments:

  1. Seus textos são fenomenais, meus parabéns.
    Será que um dia, saberemos quem é o don?

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  2. Muito Obrigado! Vou tomar sua curiosidade como um elogio. Espero que siga gostando do conteúdo e não se apegue muito em quem é o autor. Na verdade o Don é uma pessoa desinteressante na maior parte do tempo. Que tenhas um Feliz Natal e um excelente 2020!

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    1. Aprecio muito o conteúdo e a forma como ele é transmitido.
      Continue escrevendo Don.
      Feliz natal e um 2020 ainda melhor.

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