"A função mais importante que short-sellers trazem para o mercado é que eles são detetives financeiros em tempo real.", Jim Chanos
Há
mais ou menos uns dois anos que uma das minhas posições é alvo preferido de
short-sellers. Muitos short-sellers. Como a empresa não é fraudulenta e tem
bons resultados, os short-sellers tem perdido a guerra até agora. Mas eventualmente
eles vencem algumas batalhas. Quando é assim eu aproveito e compro um pouco
mais. Eu jogo na ponta comprada e com minha convicção aproveito as
oportunidades que o fluxo dos vendedores proporciona. Mas a queda de braço
entre longs e shorts é muito mais estressante para a maioria dos participantes.
Houve
uma época em que resolvi me aventurar no short-selling naquilo que para mim
teria sempre um desfecho inescapável: fraudes. Meu racional era de que uma
empresa fraudulenta só valia alguma coisa até o ponto em que a fraude passava
despercebida. E por conclusão tautológica uma fraude não estava mais
despercebida se eu a encontrasse. Então bastava eu estar certo sobre uma fraude
para ganhar dinheiro, certo?
Foi
aí que aprendi os pormenores das grandes disputas entre longs e shorts. Grandes
bancos promovem empresas fraudulentas, empresas maiores compram empresas
fraudulentas menores, CEOs processam short-sellers como intimidação, empresas
espionam e assediam short-sellers, brokers vazam informações sobre short-sellers
vulneráveis para clientes hedge funds, órgãos reguladores ignoram denúncias de
reconhecidos short-sellers e por aí segue a lista.
Com
o tempo eu ajustei meu processo de investimento e shortear ações deixou de
fazer parte do repertório. Mas considero a presença dos short-sellers sempre
bem vinda. Em nada me incomoda. Acredito que grandes empresas vão sempre
escalpelar os short-sellers e que empresas fraudulentas merecem ser expostas.
Eu gosto tanto do equilibrio que short-sellers trazem ao mercado que regularmente
faço uma lista das empresas mais shorteadas e avalio as teses dos vendedores
uma a uma.
É
por esse reconhecimento aos short-sellers que escrevo o post de hoje.
BALDWIN, UMA EMPRESA DE PIANO. OU NÃO.
Anúncio da Baldwin, 1905 |
Fundada
em 1862 a Baldwin era uma humilde loja de pianos de Cincinnati criada pelo professor
de música Dwight Hamilton Baldwin. Quando Baldwin e sua esposa faleceram a loja
passou para o comando de um veterano de guerra, Lucien Wulsin, e três outros
acionistas minoritários.
Os
novos sócios promoveram alterações na Baldwin e eventualmente transformaram a
pequena loja em uma empresa que vendia mais de 30 milhões de dólares anuais em
pianos, ainda nos anos 50. E foi também nos anos 50 que entrou na empresa um
jovem vendedor chamado Morely Thompson.
Thompson
passou pouco mais de 10 anos como vendedor até virar tesoureiro. Seis anos
depois se tornou vice-president e, três anos depois disso, em 1970, era o novo CEO
da Baldwin.
Uma
vez CEO, Thompson teve a idéia de expandir os negócios da Baldwin para serviços
financeiros. A idéia veio naturalmente do fato de que a Baldwin já financiava a
venda de pianos para seus clientes. O objetivo de Thompson era movimentar o
dinheiro das operações financeiras entre diferentes subsidiárias para reduzir
impostos e liberar caixa. No início dos anos 80 a Baldwin já controlava mais de
200 instituições financeiras, para deleite de Wall Street.
O
grande auge da Baldwin veio por um produto conhecido como SPDA (single premium
deferred annuity). No SPDA o cliente depositava um grande montante de uma única
vez no início (prêmio) e o rendimento acruava em uma conta isenta de impostos
até o momento em que o cliente fosse começar a receber os pagamentos (normalmente
na sua aposentadoria).
O
rendimento prometido sobre os depósitos chegava a até 14.5% ao ano e para
estimular a força de venda a Baldwin pagava uma gorda comissão de 5% para os
brokers. Então, simplificando, as coisas funcionavam assim:
- Cliente deposita $23,000 para seu SPDA
- Broker embolsa $1,150 (5% de comissão)
- Baldwin precisa reinvestir os $ 21,850 restantes a taxas suficientes para honrar o prometido 14.5% ao ano sobre os $ 23,000 depositados pelo cliente quando este começasse a receber os pagamentos
O olhar treinado já está alerta para o que é
potencialmente uma construção Ponzi clássica. O caso em si tem outras
complexidades – como o financiamento de aquisições de forma irregular - que vou
evitar nesse post a título de simplificação. Mas basta saber que a Baldwin não
gerava o suficiente para pagar as anuidades que vendia e que reguladores já contestavam
a empresa.
Apesar
disso, Wall Street seguia maravilhada. Thompson aparecia em capas de revistas e
os grandes bancos de investimento aplaudiam esse novo e revolucionário produto
financeiro da Baldwin. Muitos profissionais seguiam aplaudindo a empresa apesar
dos red flags.
O
jovem Jim Chanos não era um deles.
O INÍCIO DE UM NOTÁVEL SHORT-SELLER
Jim Chanos e sua especialidade, um Castelo de Cartas |
Jim Chanos era um jovem analista de ações que havia desistido de uma carreira como banqueiro porque, nas suas próprias palavras, “tinha que existir algo mais interessante do que fazer recomendações erradas com fatos distorcidos apenas para gerar comissões.” Bom ponto.
Com
apenas 24 anos, Chanos trabalhava em uma pequena firma de Chicago quando percebeu o que o mercado se recusava a ver em
relação à Baldwin:
“Eles estavam emitindo anuidades a 12-14%, e eu não conseguia descobrir no que eles estavam investindo que pudesse gerar esse tipo de retorno. Tirando as aquisições, o portfolio deles era majoritariamente bonds comprados anos antes e que estavam basicamente underwater.”, Chanos
Então
Chanos juntou todas as peças e emitiu uma recomendação de venda de oito páginas
recheada de fatos e referências. A ação da Baldwin saiu de 24 para 50 dólares, a empresa
em que Chanos trabalhava começou a receber pressões judiciais e a a cabeça do
jovem Chanos esteve a prêmio.
“Timing nunca foi o meu forte mas eu ainda tenho muito orgulho daquele relatório.”, Chanos
Chanos
foi acusado de inexperiente, de desconhecer a indústria, de nunca ter se reunido com
os executivos da Baldwin, de não entender do que estava falando e muitas outras coisas. Nada mais comum do que atirar no mensageiro quando diante da incapacidade de desconstruir a mensagem.
Até
que um belo dia a Forbes resolveu fazer uma nova publicação sobre a Baldwin,
desta vez qualificando a empresa como um castelo de cartas, ou seja, uma
estrutura que se mantém de pé de forma frágil e precária. Nesse momento Chanos
começou a ser ouvido.
Após a matéria da Forbes um importante analista da Merrill Lynch emitiu novo relatório reforçando a recomendação de
compra. Chanos leu o relatório e viu que o analista não tinha se dado ao
trabalho de pesquisar a empresa a fundo, tendo inclusive negado fatos que a
própria Baldwin já havia admitido. Fazer vista grossa é comportamento corriqueiro diante de apropriados incentivos.
“Quando eu vi o relatório aquilo me atingiu: tantas pessoas haviam comprado ações da Baldwin baseadas na recomendação desse analista e ele sequer olhou as declarações de Arkansas (regulador) que eu havia mencionado poucos meses antes. Aquilo realmente abriu meus olhos em como vozes dissonantes eram esmagadas, como fatos sérios podem ser ignorados por meses a fio, e o quão acolhedor pode ser o relacionamento entre banqueiros/analistas/empresa.”, Chanos
Chanos
sabia que sua tese estava certa. O relatório da Merrill mostrou para Chanos que
muita gente no mercado simplesmente se recusava a enxergar a verdade, fosse por
ingenuidade ou interesse. Afinal, os bancos de investimentos faturavam 5% de
comissão sobre cada SPDA vendida. E a essa altura a Baldwin já havia emitido quase 4 bilhões de dólares em SPDA.
Para
Chanos, a implosão da Baldwin era questão de tempo. Ainda mais com os
reguladores no cangote da empresa. E o fato de que parte do mercado negava a
realidade só traria mais drama quando a hora da verdade chegasse. Só havia uma
coisa racional a fazer: dobrar o short. Os executivos da empresa onde Chanos
trabalhava - Gilford Securities – concordaram, dobraram o short e receberam uma
bolada quando, um ano depois, em 1983, a Baldwin se viu obrigada a aderir ao
capítulo 11 da lei das falências. A ação despencou 91% naquela que foi a até
então maior falência da história americana.
CONCLUINDO
O
caso da Baldwin foi a primeira fraude descoberta por Jim Chanos, um dos mais
notáveis short-sellers cujo maior feito foi desmascarar a farsa da Enron.
Pessoalmente meu
grande problema com fraudes – das maiores até as menores – é que elas não são acidentes isolados. Elas são um organismo vivo dentro do sistema. Ninguém gosta de reconhecer mas existe uma indústria da fraude em constante funcionamento. São farsantes que ganham a vida fazendo falsas recomendações, lançando produtos fraudulentos, executando um pump and dump...
E quando os astros se alinham e o produto da fraude é suficiente para encher o bolso de todo mundo, todos esses farsantes se unem em cadeia para espoliar um aposentado de boa-fé que trabalhou por 40 anos e passa seus dias jogando xadrez nas
mesinhas da praia. São os short-sellers que vão pra guerra
contra esses farsantes, apostando contra a indústria da fraude.
"Para seus críticos, os short-sellers de Wall Street são piores do que advogados perseguidores de ambulância. Eles não apenas buscam lucrar com o infortúnio dos outros, mas, segundo os críticos, uma nova geração de short-sellers ativista tenta ajudar a fazer a má notícia se concretizar.", Wall Street Journal, 1985
Sim,
alguns short-sellers tem comportamento desonesto. Divulgam inverdades e tentam
promover um caos que não existe. Mas sempre que alguém criticar o comportamento
desonesto de um short-seller, faça a gentileza de lembra-lo sobre os comportamentos desonestos dos comprados, que não são poucos.
Se
a campanha for contra o comportamento desonesto, pode me chamar. Mas se for
contra os short-sellers, estou fora. Mesmo sendo long. E aliás, que os
short-sellers fiquem à vontade shorteando minhas posições. É sempre um prazer
emprestar meus papéis a 30% ao ano enquanto assisto minha empresa continuar
executando.
Stay
cool,
Don Black
PS: Estamos nos aproximando do final do ano, época onde viajo com maior frequencia. A tendência então é uma diminuição no ritmo das postagens. Vou me esforçar para seguir publicando coisas interessantes e desde já agradeço sua audiência. Manter esse blog e interagir com os leitores tem sido uma experiência fantástica! Muito obrigado!
Don Black
PS: Estamos nos aproximando do final do ano, época onde viajo com maior frequencia. A tendência então é uma diminuição no ritmo das postagens. Vou me esforçar para seguir publicando coisas interessantes e desde já agradeço sua audiência. Manter esse blog e interagir com os leitores tem sido uma experiência fantástica! Muito obrigado!
Referências:
The Big Win: Learning from the Legends to Become a More Successful Investor de Stephen L. Weiss http://www.amazon.com/The-Big-Win-Learning-Successful/dp/0470916109
The Most Dangerous Trade: How Short Sellers Uncover Fraud, Keep Markets Honest, and Make and Lose Billions de Richard Teitelbaum https://www.amazon.com/Most-Dangerous-Trade-Billions-Bloomberg/dp/1118505212/ref=tmm_hrd_swatch_0?_encoding=UTF8&qid=1573670485&sr=8-1
NYT, 1983 - BALDWIN, A CASUALTY OF FAST EXPANSION, FILES FOR BANKRUPTCY - https://www.nytimes.com/1983/09/27/business/baldwin-a-casualty-of-fast-expansion-files-for-bankruptcy.html
Barry Ritholts entrevista Chanos: Masters in Business https://soundcloud.com/bloombergview/barry-ritholtz-interviews-6
Seus textos são fenomenais, meus parabéns.
ReplyDeleteSerá que um dia, saberemos quem é o don?
Muito Obrigado! Vou tomar sua curiosidade como um elogio. Espero que siga gostando do conteúdo e não se apegue muito em quem é o autor. Na verdade o Don é uma pessoa desinteressante na maior parte do tempo. Que tenhas um Feliz Natal e um excelente 2020!
ReplyDeleteAprecio muito o conteúdo e a forma como ele é transmitido.
DeleteContinue escrevendo Don.
Feliz natal e um 2020 ainda melhor.