Monday, April 27, 2020

O Value Investing


 “Todo investimento inteligente é value investing; então adquira mais do que você está pagando. Investir é onde você encontra algumas grandes empresas e depois fica com a bunda sentada.”, Charlie Munger

Value Investing é um velho incompreendido. Não sei bem a razão de tanta incompreensão. Sendo justo, value investing é o conceito mais trivial que existe. Ou talvez seja essa a razão. Value investing é fácil demais para os especialistas de finanças.

A base do value investing é a idéia de que valor e preço são coisas diferentes. Preço é por quanto podemos comprar ou vender um negócio e valor é o quanto o negócio vale. Donde se conclui naturalmente que o objetivo é comprar um negócio por um preço abaixo do seu valor e vende-lo por um preço acima do seu valor. Pronto, isso é value investing!

Dar essa explicação para um leigo é sempre uma experiência de humildade, já que o leigo sempre joga na sua cara a obviedade da idéia de “comprar barato e vender caro”. E ele tem razão, é realmente óbvio. Tão óbvio que me faz pensar que o primeiro sujeito a abraçar o value investing deve datar do início das trocas comerciais entre os seres humanos. Mas ainda assim o sujeito que leva a fama como pai do value investing atende pelo nome de Benjamin Graham e nasceu na Londres de 1984.



Não é um reconhecimento injusto. Graham, em parceria com David Dodd, foi quem formalizou e difundiu o conceito do value investing (muito embora eles não tenham sido os responsáveis por cunhar esse termo). Graham lecionou na Columbia Business School por trinta anos e muito da sua filosofia foi forjado no crash de 1929, onde Graham sofreu grandes perdas. O que aprendeu nesse período virou livro, primeiro com Security Analysis em 1934 e depois com The Intelligent Investor em 1949.

“Uma operação de investimento é uma onde, após ampla análise, promete segurança de capital e um retorno adequado. Operações que não satisfazem esse critério são especulativas.”, Ben Graham

Desde o início de Graham muitos foram os value investors de sucesso. Gente como Walter Schloss, Joel Greenblatt, Seth Klarman, Tom Gayner, Shelby Davis pai e, claro, Warren Buffett. Cada um com sua maneira de derivar o valor intrínseco, mas todos adeptos do value investing.

Value investing depende só de duas coisas: preço e valor. Preço é fato. Valor não é. Valor é uma noção subjetiva. Se vários value investors forem atribuir valor a uma mesma empresa, as chances são de que os valores vão variar. E dessa subjetividade nasce muita incompreensão.

Quem disse que value investing é comprar apenas empresas com desconto para o book value tangível ou com baixo price to earning e price to book? Uma empresa em deterioração encontra pouco conforto em um book value tangível. Não acredita em mim? Pergunte à Macys então. Se o ferramental é pobre em descrever o valor de uma empresa, seu uso não faz parte de uma estratégia value investing.

Repare nos nomes dos investidores que eu citei ali em cima. Observe suas estratégias.  Schloss é da velha guarda de Graham e buscava descontos para book value com ampla diversificação. Davis buscava empresas com potencial de crescimento de lucros. Greenblatt se dedica a procurar vantagens competitivas (e inclusive escreveu um belo livro sobre o assunto). E Buffett? Buffett é um camaleão, tendo adaptado muito sua estratégia ao longo das décadas. E no entanto, todos value investors.


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Vamos ler de novo esse negócio colocando de um jeito que me faça sentir bem importante, o self-quoting:

“Se o ferramental é pobre em descrever o valor de uma empresa, seu uso não faz parte de uma estratégia value investing.”, Don Black

Eu sei que é uma lógica decepcionante essa. Seria muito mais fácil aplicar um múltiplo price to book em todas as empresas do mundo como se não houvessem maiores considerações a fazer. Mas não é assim que funciona. E não é isso que o value investing defende.

Não obstante muitos acreditam que as velhas métricas de valor estão eternizadas em alguma pedra sagrada e são, portanto, o que define o value investing. É dai que começa a discussão entre value x growth por exemplo. Besteira, tudo besteira.

O valor de uma empresa depende do valor presente do seu fluxo de caixa, seja ela uma barraca de mariola ou o Google. Entender esse valor – seja para a barraca de mariola ou para o Google – é o exercício do value investing. Na reunião da Berkshire de 2000 Buffett foi especificamente perguntado sobre value e growth, no que respondeu:

“Não são duas categorias diferentes de negócios. O valor presente do caixa que uma empresa gera é quanto vale o negócio. Não existe diferença nas nossas cabeças sobre value e growth. Em toda decisão você tem que definir o quanto de valor você vai receber.”, Warren Buffett

Mas o value investor é um animal conservador. É investimento quando “após ampla análise, promete segurança de capital e um retorno adequado”, lembram? Daí derivam os importantes conceitos de margem de segurança e círculo de competência, nascidos dentro do value investing.

Acontece que não é sempre que o valor de uma empresa já está bem refletido na sua condição presente. Muitas vezes boa parte do valor está no seu crescimento futuro. E o que o value investor faz é reduzir seu risco se distanciando de empresas onde boa parte do valor é derivado de muita incerteza. É por isso, e somente por isso, que muitos value investors viram as costas para empresas conhecidas como growth companies, e não porque growth seja diferente de value. Entenderam? É disso que se trata quando Munger e Buffett lamentam o terrível erro de não terem investido no Google há anos atrás.

"Podiamos ver nas nossas operações como a publicidade no Google estava funcionando bem. E no entanto ficamos parados lá chupando os dedos. Eu me sinto um idiota por não ter identificado o Google. E acho que Warren se sente igual. Nós fizemos merda.", Charlie Munger


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Se o value investor é conservador e se boa parte do valor de uma growth company vem do seu crescimento futuro, então não é o mesmo que dizer que value e growth são diferentes em termos práticos?

Eu acho que não. Acredito que é o caso para os value investors mais velhos porque é como o círculo de competência deles se estabilizou. É um círculo de competência onde empresas de tecnologia não tiveram vez e onde os retornos vinham dos ativos físicos.

Eu vivi essa geração até certo ponto mas sempre acreditei que o círculo de competência de um investidor não pode ignorar tendências seculares. Por isso me esforcei para entender as empresas da era da internet (e só Deus sabe o quanto penei!). A internet foi e ainda é uma tendência secular. Assim como foi a manufatura em determinado ponto da História.

Me lembro até hoje de uma pergunta que fizeram para Buffett sobre o que ele começaria aprendendo se ele estivesse começando hoje. A resposta? Tecnologia. E eu acho que é isso que acontece com os novos - e bons, claro! - value investors. Eles são versados no assunto, sabem aproximar o valor desse tipo de empresa. Tecnologia faz parte do círculo de competência deles e é um tema onde eles podem investir aplicando a margem de segurança. Eu vi isso acontecer com grandes value investors de gerações mais recentes em investimentos como Netflix por exemplo.

Então o que eu vejo é o value investing seguindo seu curso ao longo do tempo. Estratégias vão sendo adaptadas para que o investidor tenha o ferramental certo para estimar o valor das empresas do seu tempo. Mas sempre com a noção de que preço e valor são diferentes. Sempre com o objetivo de pagar abaixo do valor e vender acima. Sempre assessorado por margem de segurança. Coisas simples, que nunca vão agradar uma academia de ciências mas que são amigas da conta bancária.

Stay cool,
Don Black

Monday, April 20, 2020

Modelo Mental do Don Black: O Gap de Empatia

Caso você não saiba o que é um modelo mental, clique aqui

Esse texto é sobre o modelo mental do gap de empatia.

Eu mantenho um resumo de todos os meus modelos mentais e coloquei uma versão simplificada deste resumo no fim do post. Assim, se você quiser simplificar sua vida e não ler o texto todo você pode ir lá para o final e ficar com o resumo. Deve ser o suficiente para entender a idéia.

Mas se você quiser ler tudo, seja bem vindo(a):

INTRODUÇÃO

Falei no último post sobre minha trágica experiência com meu primeiro inverno nova iorquino. O que torna essa experiência um pouco mais interessante – e talvez até ainda mais trágica - é a absoluta convicção que eu tinha de que iria adorar o inverno nova iorquino.



Eu já tinha tudo desenhado na minha cabeça. Um sobretudo elegante com um cigarro no canto da boca, andar suave pelas ruas enquanto a neve caia sobre meu chapéu caprichosamente inclinado. Um Marlboro da Costa Leste. Uma versão brasileira do Frank Sinatra, “making it there”. A animação de vivenciar o verdadeiro Natal, o White Christmas.



Fui devidamente alertado, no entanto. Um amigo que houvera morado em Chicago foi o mensageiro. Ouviu minhas expectativas e tentou me explicar que o dia a dia do inverno é menos encantador do que parece de longe. Eu dei de ombros e ouvi o seguinte:

“Bom, eu imagino que explicar isso pra você é como explicar sexo para um virgem. Você vai ter que viver pra ver.”

E eu vi. Vi não só o inverno como vi também aquilo que é conhecido como Gap de Empatia.

O GAP DE EMPATIA, COM OS OUTROS 
         
“Se existe um segredo de sucesso, ele consiste na habilidade de entender o ponto de vista da outra pessoa e ver as coisas tão bem pelo ângulo dela como pelo seu.”, Henry Ford

Na sua forma mais ampla, o Gap de Empatia é a falha em prever ou entender o comportamento de uma outra pessoa porque aquele que está tentando entender está sob a influência de um outro estado mental.

Para efeito de suposição, vamos ao coronavírus. Vamos imaginar que vai haver um plebiscito (virtual, claro!) para determinar se a cidade segue ou não em quarentena. Um sujeito vai votar em um dia especialmente doloroso. Ele acabou de perder seu pai para o COVID-19. Emocionalmente abalado, esse homem está, como dizemos, no “estado quente”. Então esse rapaz vota pela manutenção da quarentena.

Ele sai da votação com a certeza de que todos vão votar pela manutenção também. Para sua surpresa, a maioria vota pelo retorno das atividades e fim da quarentena. O rapaz, em seu “estado quente”, cometeu um erro de avaliação. Ele ignorou que a maior parte da cidade não estava sob o efeito da perda de um ente querido. Ele ignorou que a maior parte da cidade estava em “estado frio”. O rapaz do exemplo e a maioria dos moradores dessa cidade estavam em estados mentais diferentes.

O ponto central aqui não é o certo ou errado. Talvez a melhor opção para aquela cidade seja a quarentena. Ou talvez seja o retorno às atividades, não sei. O ponto central aqui é o entendimento do próximo. Por isso se chama Gap de Empatia.


O GAP DE EMPATIA, CASO INDIVIDUAL

Se você achou que o Gap de Empatia só afetava o entendimento entre pessoas diferentes, convém pensar de novo. Muitas vezes não somos capazes de entender nem a nós mesmos. Foi justamente o que aconteceu comigo.

No caso individual, o Gap de Empatia é a tendência a subestimar a influência do próprio estado emocional nas próprias decisões e comportamentos, e superestimar a influência racional no próprio processo decisório.

Vamos lá, o que me fazia estar tão animado com meu primeiro inverno em Nova Iorque quando conversei com meu amigo de Chicago? Simples, eu estava no Brasil. Eu não estava sob nenhuma influência das agruras do inverno. Aquela ainda era uma perspectiva distante. E do ensolarado Basil tudo parecia realmente encantador. Eu estava no “estado frio” enquanto eu fazia os planos do Brasil. E no estado frio cometemos perigosos erros de avaliação.

o “estado quente” é a realidade batendo na porta. É a dificuldade de acelerar o passo no gelo fino quando se está com pressa. É ter que acordar uma hora antes para tirar o gelo da calçada. Essas pequenas situações foram me colocando no “estado quente” e, aos poucos, foram moldando meu comportamento para um mau humor inesperado.

Um outro exemplo? A promessa da academia na segunda-feira. A idéia de ir na academia depois do trabalho não é tão complicada quando você está curtindo um jantar no sábado. Você está no estado frio. Mas quando a segunda-feira chega e traz com ela um exaustivo dia de trabalho, a última coisa que passa pela sua cabeça é chegar em casa, trocar de roupa e ir para a academia. Nessa hora você está no estado quente e seu processo decisório não está como você previu entre um vinho e outro no sábado.

Então não se iluda. As chances são boas de que suas ações em meio à tormenta serão menos satisfatórias do que as suas previsões indicavam durante a calmaria.

O GAP DE EMPATIA NO CONTEXTO DOS INVESTIMENTOS

Quem me acompanha já está a par da minha grande crítica às simulações de investimentos: elas são incapazes de simular os sentimentos dos investidores. Se é a melhor ferramenta que temos, que usemos! Mas é importante também entender suas limitações. Fazemos estudos e simulações quando estamos no estado frio (como deve ser!), mas temos que descontar de alguma maneira nossa reação de quando estivermos no estado quente.

Imagine que você está simulando sua hipótese de que carregar por anos uma empresa como a Amazon é uma boa idéia. Você faz uma conta e vê como foi rica a vida daquele que investiu um bom dinheiro na Amazon em 1997 e manteve tudo até hoje. Fantástico! Você vê aquela queda lá pra 1999 mas não se importa. É distante e a ação se recuperou muito depois. Parece que sua hipótese vai bem. Em seu estado frio, você se convence de carregar uma empresa como a Amazon.

Um dia o bear market aparece e a ação que você jurava carregar pelos próximos 20 anos começa a cair. Segue caindo sem parar. Agora que você está em estado quente, tudo parece mais tenso. A ação cai 50% e você já está desesperado. Uma notícia pra você: aquela queda de 1999 que você achou desprezível foi muito pior do que isso. Aquela foi uma queda de 90% ao longo de dois anos.  Sabe como se perde 90%? Primeiro você perde 80% e depois você perde mais 50%. Sabe como isso é doloroso? Só agora você sabe, porque só agora você está em um estado quente.

O recente selloff foi o primeiro de muitos investidores. Viver um selloff no início da carreira é saudável. Na verdade, é um grande golpe de sorte. Entre outras razões, porque nos ensina sobre o Gap de Empatia. Nos mostra como avaliávamos erradamente nossa capacidade de lidar com um mercado super volátil, preços muito deprimidos, grande perda patrimonial e longo período de baixa performance. E quanto antes aprender isso, melhor.

Eu acho que a melhor forma de lidar com o Gap de Empatia é através do preparo em estado frio e pré-comprometimento com o plano de ação. Deixo para meu colega James Montier explicar:

“Investidores devem aprender a seguir os sete P's: Preparação e planejamento perfeitos previnem performance pobre e precária. Isso quer dizer, nós devemos fazer nossa pesquisa de investimentos quando estamos em um estado frio, racional - e quando não está acontecendo nada demais nos mercados - e então nos pré-comprometermos a seguir nossa própria análise e o curso de ação estabelecido.”, James Montier

Esse foi o caminho seguido por Sir John Templeton, que mantinha sua lista de desejos com empresa e preço-alvo de compra atualizada. Quando o preço chegava lá, fosse ou não em um bear market, ele comprava automaticamente. Nada de pensar duas vezes ou se deixar levar pelo humor do seu estado quente.

E é também a estratégia que eu sigo. Fácil? Não, exige disciplina. Mas como diz o SEAL Jocko Willink, que já passou mais apertos na vida do que eu posso imaginar:

“Disciplina é liberdade.”


MODELO MENTAL DO DON BLACK

Nome: Gap de Empatia

O que é:  tendência a subestimar a influência do estado emocional nas decisões e comportamentos, e superestimar a influência racional no processo decisório.

Risco: se expôr a situações de grande perigo pela falha na avaliação/antecipação do nosso próprio comportamento

Comportamentos preventivos: 

Reconhecer a possibilidade de que podemos reagir da pior forma possível a uma situação, ter disciplina, ser pré-comprometido com um curso de ação

Medidas preventivas:

- exercitar disciplina através do combate constante ao Gap de Empatia em coisas menores do dia a dia como comer melhor, fazer exercício físico, dormir mais, etc (aprender a lidar com hábitos)

- Fazer análises e desenvolver um plano de ação enquanto estou no estado frio. Avaliação constante de diferentes empresas com criação de watchlist e preços de interesse enquanto o mercado está morno.

- Visualizar diferentes estados mentais. Pensar em detalhes da realidade do “estado quente” quando estamos no “estado frio”. Ex: estou 100% investido em ações e o mercado cai 70%. Como é minha vida tendo apenas 30% do que tinha? Preciso mudar as crianças de escola? Preciso vender a casa? Como reajo a isso? Já me desesperei em outros momentos onde estive perto de perder muito dinheiro? A idéia é trazer a hipótese do pior cenário para mais perto de mim e ver como me sinto.

- Conversar com pessoas que já viveram a mesma experiência e observar como eles se sentiram. Se todos entram em pânico em uma situação, é improvável que você não vá entrar quando estiver na mesma situação.

- Uma vez no “estado quente”: buscar foco e apreciação do lado bom do que está acontecendo. Ex: bear market traz boas empresas por bons preços; inverno traz o futebol americano; etc.



Leitura de referência:







Stay cool,
Don Black

Thursday, April 16, 2020

O inverno e o bear market




Ainda jovem eu meti na cabeça de que iria morar em Nova York. Muitas coisas podem atrair um jovem para Nova York e comigo certamente não foi diferente. Mas a principal razão é que eu não fazia muita idéia do que eu queria fazer da vida. E se existe um bom lugar para ficar sem saber o que fazer da vida é Nova York, já que você pode tentar basicamente qualquer coisa. Então eu pedi demissão, aproveitei um mês de Brasil e peguei um vôo para a terra do Tio Sam.

Minha primeira residência – se é que se pode chamar assim – foi um apartamento de uns 30m² que eu dividia com um quiroprata coreano e um músico canadense fã de Nat King Cole. O lugar ficava a algumas quadras do Bryant Park, que naquela época mais parecia cenário do filme “Os Viciados” em que Al Pacino interpreta um pequeno traficante chamado Bob. Tudo muito diferente do Michael Corleone que eu tinha em mente quando peguei o avião. Nem o submundo nova iorquino correspondia às minhas expectativas.

Então é justo dizer que sob muitos aspectos meus primeiros meses nos Estados Unidos estiveram um pouco aquém do sonho americano. Não obstante, nada que me desanimasse. Mas a medida que Novembro foi chegando, o inverno foi vindo junto e começou a levar embora meu humor. Considerando que eu estava trabalhando de extra de Natal em uma loja de brinquedos, meu mau humor tinha péssimo uso comercial. Então achei por bem me esforçar para mudá-lo.

O coreano seguia sua vida como se nada estivesse acontecendo. Acordava cedo, ia para o bairro coreano estalar algumas costelas, voltava tarde e dormia. Nem comia em casa. Já o canadense parecia especialmente feliz durante o inverno. E a cada vez que ele sorria, mais irritado eu ficava. No meu esforço de mudar, perguntei para ele como era possível que ele gostasse tanto do inverno. E com isso listei umas 20 coisas irritantes que só existiam no inverno.

Eu confesso que achei que ele fosse falar da grana extra que ele fazia nos seus bicos na Broadway, mas ao invés disso ele respondeu:

“Ah, o inverno pra mim é quando dá mais vontade de beber um vinho, comer um cordeiro, bater um papo na lareira. É época de assistir futebol americano... O inverno é parte da vida, como um ciclo. E eu aproveito o que tem de bom quando chega nessa parte do ciclo porque daqui a pouco acaba e começa outra.”

Na verdade aquilo fazia sentido. Sendo de Quebec, ele cresceu aprendendo a apreciar as coisas boas que esse ciclo trazia. Mas não funcionava tão bem para alguém do Rio de Janeiro cujo único ciclo era o contínuo ato de ir pra praia e fazer churrasco em qualquer época do ano. Não havia como eu viver 4 meses naquela infelicidade todo ano. Ou eu aprendia a apreciar os ciclos ou eu voltava para o Brasil.

O que eu fiz? Hoje eu comemoro a época do vinho, do cordeiro e da lareira. Definitivamente eles não são os mesmos fora do inverno. E torço pros Giants, claro!

E sobre todas as coisas chatas do inverno? Eu espero! Porque assim como o inverno chegou, o verão também há de chegar. Então basta eu não fazer nenhuma estupidez no inverno e sobreviver até lá.

Stay cool,
Don Black

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