Monday, May 20, 2019

Margem de Segurança





Depois de um ano e meio de obras e 45 milhões de reais gastos, a ciclovia da Niemeyer foi inaugurada no Rio com algum alarde. A inauguração foi em janeiro de 2016 e as autoridades aproveitavam os holofotes. Afinal, eles estavam presenteando cariocas e turistas com a possibilidade de pedalar ou caminhar do Leblon até São Conrado apreciando a paradisíaca paisagem da nova ciclovia. Três meses depois, um trecho de 20 metros da ciclovia caiu após ser atingido por uma forte onda, deixando mortos e feridos. Que uma onda pudesse atingir o local com tamanha força foi um fato ignorado no projeto. Um erro que custou caro. É para evitar situações como essa que existe o conceito de “Margem de Segurança”, uma margem dada para absorver os efeitos dos erros de cálculo, má sorte e eventos extremos.

Tão comum na engenharia (não na do Rio de Janeiro, infelizmente), o princípio da margem de segurança viaja bem para o mundo dos investimentos e foi popularizado por Ben Graham, mentor de Buffett, há quase 100 anos. Basicamente, a margem de segurança em investimentos é dada pela distância entre preço e valor. Quanto maior essa distância, maior a margem de segurança. E para nos auxiliar na diferença entre preço e valor, vou recorrer a uma frase de Buffett que é brilhante em sua simplicidade:

“Preço é o que você paga, valor é o que você recebe”

Mas enquanto o preço é um dado concreto que pode ser visto em qualquer painel de cotações, o valor vai exigir um pouco mais do investidor.

Cada investidor tem a sua abordagem na hora de encontrar o valor de uma ação para, então, aplicar a margem de segurança. Ben Graham, por exemplo, se apoiava nos valores contábeis das demonstrações financeiras. Se uma empresa fosse negociada pela metade do seu capital circulante, Graham se interessava. Pouco importava se a empresa tinha bons números operacionais ou não. No limite, a empresa valeria mais morta do que viva e portanto bastaria liquida-la e embolsar o lucro. Esse é um tipo de oportunidade que foi desaparecendo com o tempo mas, ainda hoje, alguns investidores buscam determinar o valor de uma empresa pelo que ela carrega em seu balanço. Outras pessoas buscam estimar o valor presente do fluxo de caixa futuro da empresa, em um processo que pretendo ensinar futuramente aqui no blog.

A dificuldade em se estimar o valor de uma empresa vai se refletir na margem de segurança que o investidor vai exigir. Startups, por exemplo, demandam uma margem de segurança maior do que empresas consolidadas porque carregam mais incertezas nas estimativas de fluxo de caixa, crescimento e margens. Alguns investidores vão além e tentam compensar todo tipo de incerteza na margem de segurança. Essa é uma violação básica do Círculo de Competência, discutido em post anterior. A margem de segurança não existe para viabilizar investimentos fora do círculo de competência. Muito pelo contrário, círculo de competência e margem de segurança são conceitos que devem ser aplicados juntos para a obtenção de retornos com preservação do principal.

O perigo em se ignorar o círculo de competência é que mesmo uma grande margem de segurança pode ser insuficiente quando temos uma estimativa completamente errada acerca do valor do negócio. E a forma mais fácil de chegar em uma estimativa completamente errada acerca do valor de um negócio é estimando um negócio fora do círculo de competência. Para colocar em perspectiva, uma boa margem de segurança de 40% não vai servir pra nada se sua estimativa for muito otimista.

Para finalizar, quero chamar atenção para o custo de se usar uma margem de segurança exagerada.  Se por um lado ela vai evitar que o investidor compre ações que estão caras, por outro ela também vai evitar que o investidor compre ações que estão baratas. Aprenda a calibrar sua margem de segurança! Por mais importante que seja não tomar gol, ninguém entra em campo com dez zagueiros.

Stay cool,
Don Black


Friday, May 10, 2019

O fenômeno Magazine Luiza




Já notei que ninguém é indiferente à Magazine Luiza. Também pudera, é uma empresa cuja ação saiu de 1 real para 200 reais em menos de cinco anos. Quando uma valorização dessas acontece, você pode ter certeza que existirão os haters e os fãs. De um lado, aquele sujeito que fez carreira no lombo da empresa e já não vê cenário onde ela pode ser vencida. Do outro lado, aquele que de tanto ver suas previsões apocalípticas falharem se tornou tão rancoroso que passou a odiar a empresa justamente pelo que ela devia ser admirada: seu sucesso.  Entre um extremo e outro, uma legião de opinadores. Resolvi me juntar à essa legião e gastar uns minutos pra conhecer a empresa. Começando do começo: que empresa é essa?

A MAGAZINE LUIZA

Quando entrei no site da Magalu, a primeira coisa que li foi:

“Uma plataforma digital, com pontos físicos e calor humano.” Este é o Magazine Luiza. Uma empresa brasileira, que desenvolve tecnologia e que tem o varejo na alma.

Plataforma digital? Desenvolve tecnologia? Estou lendo sobre a Amazon ou sobre a Magazine Luiza??? Resolvi dar uma olhada no prospecto do IPO e vi que, em 2011, a Magazine Luiza era apenas “uma das maiores redes varejistas com foco em bens duráveis com grande presença nas classes populares do Brasil.” Nada de tecnologia em 2011. Em 2011...

Deixando toda essa evolução histórica de lado por enquanto, o que eu aprendi é o seguinte:

A Magazine Luiza é uma varejista brasileira com 954 lojas físicas e 12 centros de distribuição localizados nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do país. A empresa vende tanto através das suas lojas físicas como por seus canais eletrônicos, onde há integração omnichannel e também um marketplace para venda de terceiros.

Se você achou a descrição muito parecida com a da Centauro do outro post, é porque ela é mesmo. A diferença é que a Magazine Luiza, além de comercializar artigos esportivos através da recente aquisição da Netshoes, comercializa também eletrodomésticos, eletrônicos e móveis. Mas não se iludam achando que é tudo igual: tanto o Guardiola quanto o Celso Roth, quando perguntados, respondem que são técnicos de futebol.

A MAGAZINE LUIZA AO LONGO DOS ANOS




De 2011 até 2014 a Magazine Luiza não impressinou muito. Buscou um crescimento no Nordeste, comprou as Lojas Maia e as Lojas do Baú -  quem resiste a tentação de sair às compras com dinheiro de IPO? – e passou cinco anos com indigestão para absorver isso tudo. Foi um período de aumento do endividamento, margens medíocres e, o mais importante, sem geração de caixa. Eu sempre sou cauteloso com empresas que não geram caixa. Existem milhares de racionalizações para comprar uma empresa que queima caixa mas a verdade é que caixa é o oxigênio de qualquer negócio. Ainda que seja lucrativo, um negócio morre sem caixa. Qualquer microempreendedor sabe disso e no entanto muitos investidores ignoram. Enfim, fato é que a Magalu buscou conforto no crescimento das receitas, o que pra mim não diz muito. E, pelo visto, pro mercado também não disse: as ações caíram de R$ 16 pra R$ 7 no período.

Eu ia incluir o ano de 2015 no período acima porque, simplesmente, ele merecia: os números continuavam ruins com o agravante de que dessa vez a empresa vendeu menos e deu prejuízo. Mas dois eventos me chamaram atenção: a melhora considerável na geração de caixa e a troca no comando da companhia.

2015 foi o último ano do Marcelo Silva tocando a empresa e, a partir dali, o bastão passou para Frederico Trajano. Fred é da família fundadora, o que para muitos já faz torcer o nariz. Eu não ligo. Muitas vezes os herdeiros tem uma conexão e um entendimento melhor do negócio. Mais importante é que o Fred cresceu dentro da empresa e não era nenhum outsider high-profile chegando para salvar a companhia, o que aí sim seria um red flag pra mim.

Voltando ao Fred, achei que seria boa idéia ver o call do resultado anual da Magalu de 2015. Já que o call foi em março de 2016, minha expectativa era ver um Fred participativo. O call em si foi muito instrutivo e reforçou pontos importantes:


  • Maior preocupação com redução de custos, traduzida na contratação da Galeazzi
  •  Preocupação com geração de caixa, onde o Fred explicitamente diz que “como dizem os americanos, cash is king”
  • Visão da empresa para o futuro com foco em digitalização. Iniciativas no setor já em andamento como criação da Luizalabs, marketplace via Época Cosméticos e lançamento do app. Essa visão foi citada como uma das razões de dar o comando para o Fred, que já liderava com sucesso o e-commerce da companhia
  • Defesa de que não é preciso abrir mão de margens para ganhar share, no online ou no offline

Eu acredito que esse é o call onde o investidor diligente teria sua atenção direcionada para a Magazine Luiza. É claro que é muito fácil falar isso agora, já sabendo os retornos do papel. Mas deixando isso de lado, reparem que os grandes sinais foram dados nesse call: caixa, margem, share, gestor e visão. A questão não é que o investidor tinha que ter comprado o papel nesse momento, mas é a partir desse momento que ele deveria passar a acompanhar a empresa com uma lupa.

A partir daí tudo é história: a visão digital da Magalu foi se concretizando, as vendas online explodiram, a geração de caixa se manteve saudável, o endividamento diminuiu, as margens também explodiram, o retorno sobre o capital investido ficou cada vez melhor e a empresa não saiu do topo das maiores valorizações anuais do Ibovespa.

Essa é uma transformação que só foi possível pelos méritos da equipe de gestão liderada pelo Frederico Trajano. Eu tendo a dar muita importância à gestão mas reconheço que em algumas situações ela não é tão determinante. Varejo não é uma delas. Ter uma boa varejista com um operador ruim é como ter uma cobertura na Trump Tower e não ter elevador. A empresa de varejo precisa de um grande operador, e o fato de que o período do Fred à frente da Magalu coincidiu com um apagão na gestão de outras varejistas criou um efeito exponencial raro de se presenciar.

Mas e a partir de agora?

A MAGAZINE LUIZA E O FUTURO

A Magazine em si tem sua visão de futuro traçada: ela quer ser uma Amazon do Brasil. Simplificado, claro! Ela quer ter uma vasta oferta de produtos (próprios e terceiros) nos seus canais e que esses produtos cheguem o quanto antes na casa do consumidor. A partir daí, ela quer se inserir na vida e na rotina do consumidor, a parte mais difícil e mais valiosa. Pra isso ela vai seguir investindo em logística e entrega, assegurar mais produtos ofertados (daí a compra da Netshoes) e trabalhar seu marketplace.

Tudo muito louvável. Quem não quer ser a Amazon do Brasil? Até a Amazon quer! Mas não é fácil. Até esse momento, a Magalu não oferece nenhum valor insubstituível para os consumidores. A Magazine sequer está inserida na vida dos consumidores como está o MercadoLivre, por exemplo. Todo esse papo de multicanal, comprar e retirar na loja, venda online, marketplace, blablablá, está comoditizado. Nada disso, por si só, é diferencial. Qualquer um consegue criar um marketplace na garagem de casa mas isso não quer dizer que vá conseguir brigar com o MercadoLivre.

Parte do sucesso da Magazine vem da inércia dos concorrentes, o que não é um fator para se apoiar. No momento em que os concorrentes despertarem, se a Magalu ainda não tiver uma proposta de valor superior, vai começar a guerra do varejo. E a guerra do varejo vai ensinar pro Fred que, diferentemente do que ele imaginou no call de 2015, é preciso abrir mão de margens. E essa é a corrida que a Magazine Luiza está travando.

VALUATION

Pra começar, eu jamais shortearia MGLU3. Nenhuma novidade, já que eu não shorteio nada. Mas em se tratando de uma empresa bem gerida, com visão de crescimento, com concorrência moribunda e com a simpatia do mercado, shortear passa a ser especialmente uma má idéia. Ainda que o investidor esteja certo no conceito, ele pode quebrar bem antes que sua tese se concretize.

Sobre o Valuation em si, o importante não são os números mas a estória que você dá aos números. Se você acredita na estória de que a Magalu vai conseguir entregar sua visão antes que as concorrentes acordem pra vida, eu diria que R$ 240 é um preço conservador. A Magalu, entregando sua visão, deixa de ser uma simples varejista e passa a ser uma growth stock onde o céu é o limite. Se você acha que a Magalu vai seguir sendo “apenas” uma boa varejista no meio de um bando de cegos, então eu diria que ela está no seu preço justo. Mas se você acha que a Magalu vai deixar de entregar ou que a concorrência vai acordar, então a empresa certamente está cara.

Seja qual for a estória que você quer dar, uma coisa é inegável: a Magazine Luiza vem cumprindo seu plano desde que o Frederico Trajano assumiu as rédeas da companhia.

Stay cool,
Don Black