Friday, December 20, 2019

A little less Motivation, a little more Habit


Motivação é superestimado. Essa é uma das valiosas lições que o esporte me proporcionou ainda na infância. Nenhum trabalho motivacional resistia ao esforço contínuo que a realidade exigia. Nenhum grito de guerra é capaz de fazer uma pessoa treinar cinco horas por dia, seis dias por semana para competir por algumas horas com boas chances de perder e no dia seguinte começar tudo de novo. Nenhum!

Mas motivação vende. Vende porque tem a excitação na sua natureza. Casos de superação, frases de efeito, músicas de fundo. Contar estória vende e motivação é uma indústria de contadores de estórias. A sensação inicial pode ser boa. Nos sentimos especiais, tomamos um choque de ânimo e achamos que estamos prontos pra ir com tudo conquistar o mundo. Mas o efeito é o mesmo de fazer 100m rasos em uma maratona.

Hábito, contudo, é subestimado. Essa é outra das valiosas lições que o esporte me proporcionou ainda na infância. Os resultados começaram a aparecer pra mim no momento em que eu parei de me ver como um amador querendo ser um campeão para me ver como um atleta. Um amador pode dizer que tem que faltar o treino para estudar para a prova da escola. Um atleta não pode. Um atleta treina e ponto final. Eu treinava. Eu não tinha que estar feliz ou descansado para ir treinar. Um atleta cansado treina. Um atleta chateado treina. Um atleta treina quando está chovendo. E treina quando está fazendo sol. Eu era um atleta, então eu ia treinar.

“Você só consegue conectar os pontos olhando para trás”, Steve Jobs

O futuro veio a jogar na minha cara que eu não seria um atleta. Tentei ser e não consegui. Como diz Homer Simpson, todo fracasso começa com a tentativa.

Brincadeiras a parte acredito que ao menos cheguei próximo do meu limite. Aceitei a realidade de que existiam pessoas com o mesmo nível de dedicação e maior talento, e fui buscar outros caminhos. Mas os ensinamentos ficaram. E eu não acho que teria sido um investidor sem eles.

O poder do hábito, do esporte para o mercado

As principais lições que o esporte me ensinou sobre o hábito foram as seguintes:

  1. É mais fácil segui-los se eles fizerem parte da sua identidade
  2. É mais fácil segui-los se a identidade que você quer para você estiver alinhada com sua natureza
  3. Hábitos são os juros compostos do desenvolvimento pessoal. Pequenos hábitos, repetidos consistentemente, produzem resultados extraordinários


Eu levei isso comigo no processo de descobrir o investidor que eu sou. Não foi um processo demorado. Eu sempre soube que não era um trader, nunca gostei da hiperatividade de uma sala de operações e sempre tive aversão à imagem tradicional dos executivos de Wall St. Sempre gostei de entender os negócios, de trabalhar isolado e de operar pouco. A minha identidade era a de um sócio em negócios para o longo prazo.

Então eu construi hábitos compatíveis com essa identidade. Desde prestar atenção nos negócios que estão a minha volta até hábitos mais inflexíveis que sigo até hoje, como ler ao menos um relatório anual e duas transcrições de call todo dia pela manhã. Por que é isso que faz um sócio de longo prazo: ele entende bem o negócio do qual faz parte e só procura fazer parte de bons negócios. 

Então aos poucos, lendo no mínimo um relatório anual por dia, todos os dias, e eu fui aprendendo cada vez mais sobre negócios e encontrando cada vez mais bons negócios. No dia seguinte eu era praticamente o mesmo do dia anterior. Sabia apenas um pouquinho a mais daquilo que eu tinha aprendido. Mas cinco anos depois e eu já era outra pessoa.

Hábitos ruins. Inverta, sempre inverta!

Tão importante quanto cultivar bons hábitos é a prática de eliminar hábitos ruins. Hábitos ruins são os juros compostos negativos. São pequenas ações ruins que produzem resultados catastróficos. Um cigarro aqui e outro ali desde a juventude e um câncer de pulmão aparece aos 60 anos.

“As correntes do hábito são muito leves para serem sentidas até que elas sejam muito pesadas para serem quebradas.”, Warren Buffett

Tudo que contraria o perfil de um investidor de longo prazo eu busco eliminar. Nada de cotações diárias, por exemplo. Bloomberg é o ópio do investidor. E quanto antes você eliminar os hábitos ruins, melhor. É muito difícil quebrar velhos hábitos.

Essa distinção entre hábitos bons e ruins é o calcanhar de Aquiles do argumento da experiência. A hipervalorização da experiência é especialmente comum em gestores velhos, o que é bastante natural já que é uma forma automática de desqualificar os jovens que concorrem por uma fatia do patrimônio sob gestão. Mas nem sempre é verdade. Gestores experientes que cultivam hábitos ruins não melhoram com o tempo. Pelo contrário, são inflexíveis na incompetência que esses hábitos ruins alimentaram. E existem vários gestores assim.

Grandes Exemplos

Em compensação, gestores velhos que cultivam bons hábitos são os exemplos a serem seguidos. Buffett já falou em palestras sobre como é importante nos espelharmos no comportamento das pessoas que admiramos. Ele, a exemplo de Ben Graham e Ben Franklin, fez isso. E é de fato um excelente exercício que pode ser aplicado no contexto dos hábitos que cultivamos.

A idéia é bonita na sua simplicidade. Basicamente, se você cultiva os hábitos e comportamentos das pessoas que você admira, as chances são de que você vai ser no futuro alguém que você admira no presente.

Quando eu olho para referências naquilo que é minha identidade, eu vejo gente como Buffett, Munger e Walter Schloss. Gente como o LAPB no Brasil. São pessoas estudiosas, pacientes, diligentes e respeitosas. Eu olho para eles e não vejo ofensas, não vejo agressões nem baixaria. Não vejo humilhações. Vaidade? Sim, alguns tem. Mas não uma necessidade doentia de holofote. 


Tornando os hábitos mais fáceis

Hábitos são poderosos mas desvalorizados. Isso porque ao contrário da motivação, o hábito não vende. Hábito é tédio. É paciência. Você começa o hábito de ser saudável hoje e amanhã você continua gordo. E uma semana depois você continua gordo. Algumas coisas demoram anos. E o ser humano não é predisposto a se engajar em um esforço cuja evolução é imperceptível de um dia para o outro e que só será recompensado depois de muito tempo.

Então para ajudar no processo existem várias estratégias. Para isso eu recomendo a leitura do excelente livro Hábitos Atômicos, do James Clear. Eu me identifiquei com o livro imediatamente. Coincidentemente James também aprendeu muito sobre o tema graças ao esporte e colocou no papel muitas das idéias que eu tinha e nunca havia organizado com tanta clareza. James Clear fez isso pra mim e ainda colocou um bônus. Além de noções antigas que eu tinha e já escrevi aqui, James listou várias estratégias interessantes sobre hábitos. Se você se interessa pelo tema, você deve ler esse livro.

Ano no fim, promessas no início

O poder transformacional dos hábitos vão muito além do esporte e do mercado. Funcionam para alguém que quer perder peso, para um estudante que quer passar no vestibular ou para um executivo que quer uma vida menos estressante. Então faz todo sentido falar neles nessa época do ano, onde a procrastinação é tão farta quanto os novos planos.

Fim de ano é um festival de promessas. A motivação da mudança está em todo lugar. Está na psicologia de ver no calendário um recomeço. Está na energia da celebração em massa. Está na simbologia da vitória que um estouro de champanhe traz. Está na emoção dos reencontros.

E talvez tudo isso te ajude a iniciar novos hábitos. Mas hábitos que devem ir embora até o carnaval. A menos que você transforme sua identidade. Se identifique com o que você quer ser!

Te desejo um Feliz Natal e um fantástico Ano Novo!

Sua presença nesse blog foi o seu presente para mim nesse 2019.

Stay cool,
Don Black

Tuesday, December 10, 2019

Textos Épicos: "Basically, It’s Over: A parable about how one nation came to financial ruin", Charlie Munger

In the early 1700s, Europeans discovered in the Pacific Ocean a large, unpopulated island with a temperate climate, rich in all nature’s bounty except coal, oil, and natural gas. Reflecting its lack of civilization, they named this island “Basicland.”
The Europeans rapidly repopulated Basicland, creating a new nation. They installed a system of government like that of the early United States. There was much encouragement of trade, and no internal tariff or other impediment to such trade. Property rights were greatly respected and strongly enforced. The banking system was simple. It adapted to a national ethos that sought to provide a sound currency, efficient trade, and ample loans for credit-worthy businesses while strongly discouraging loans to the incompetent or for ordinary daily purchases.
Moreover, almost no debt was used to purchase or carry securities or other investments, including real estate and tangible personal property. The one exception was the widespread presence of secured, high-down-payment, fully amortizing, fixed-rate loans on sound houses, other real estate, vehicles, and appliances, to be used by industrious persons who lived within their means. Speculation in Basicland’s security and commodity markets was always rigorously discouraged and remained small. There was no trading in options on securities or in derivatives other than “plain vanilla” commodity contracts cleared through responsible exchanges under laws that greatly limited use of financial leverage.
In its first 150 years, the government of Basicland spent no more than 7 percent of its gross domestic product in providing its citizens with essential services such as fire protection, water, sewage and garbage removal, some education, defense forces, courts, and immigration control. A strong family-oriented culture emphasizing duty to relatives, plus considerable private charity, provided the only social safety net.
The tax system was also simple. In the early years, governmental revenues came almost entirely from import duties, and taxes received matched government expenditures. There was never much debt outstanding in the form of government bonds.
As Adam Smith would have expected, GDP per person grew steadily. Indeed, in the modern area it grew in real terms at 3 percent per year, decade after decade, until Basicland led the world in GDP per person. As this happened, taxes on sales, income, property, and payrolls were introduced. Eventually total taxes, matched by total government expenditures, amounted to 35 percent of GDP. The revenue from increased taxes was spent on more government-run education and a substantial government-run social safety net, including medical care and pensions.
A regular increase in such tax-financed government spending, under systems hard to “game” by the unworthy, was considered a moral imperative—a sort of egality-promoting national dividend—so long as growth of such spending was kept well below the growth rate of the country’s GDP per person.
Basicland also sought to avoid trouble through a policy that kept imports and exports in near balance, with each amounting to about 25 percent of GDP. Some citizens were initially nervous because 60 percent of imports consisted of absolutely essential coal and oil. But, as the years rolled by with no terrible consequences from this dependency, such worry melted away.
Basicland was exceptionally creditworthy, with no significant deficit ever allowed. And the present value of large “off-book” promises to provide future medical care and pensions appeared unlikely to cause problems, given Basicland’s steady 3 percent growth in GDP per person and restraint in making unfunded promises. Basicland seemed to have a system that would long assure its felicity and long induce other nations to follow its example—thus improving the welfare of all humanity.
But even a country as cautious, sound, and generous as Basicland could come to ruin if it failed to address the dangers that can be caused by the ordinary accidents of life. These dangers were significant by 2012, when the extreme prosperity of Basicland had created a peculiar outcome: As their affluence and leisure time grew, Basicland’s citizens more and more whiled away their time in the excitement of casino gambling. Most casino revenue now came from bets on security prices under a system used in the 1920s in the United States and called “the bucket shop system.”
The winnings of the casinos eventually amounted to 25 percent of Basicland’s GDP, while 22 percent of all employee earnings in Basicland were paid to persons employed by the casinos (many of whom were engineers needed elsewhere). So much time was spent at casinos that it amounted to an average of five hours per day for every citizen of Basicland, including newborn babies and the comatose elderly. Many of the gamblers were highly talented engineers attracted partly by casino poker but mostly by bets available in the bucket shop systems, with the bets now called “financial derivatives.”
Many people, particularly foreigners with savings to invest, regarded this situation as disgraceful. After all, they reasoned, it was just common sense for lenders to avoid gambling addicts. As a result, almost all foreigners avoided holding Basicland’s currency or owning its bonds. They feared big trouble if the gambling-addicted citizens of Basicland were suddenly faced with hardship.
And then came the twin shocks. Hydrocarbon prices rose to new highs. And in Basicland’s export markets there was a dramatic increase in low-cost competition from developing countries. It was soon obvious that the same exports that had formerly amounted to 25 percent of Basicland’s GDP would now only amount to 10 percent. Meanwhile, hydrocarbon imports would amount to 30 percent of GDP, instead of 15 percent. Suddenly Basicland had to come up with 30 percent of its GDP every year, in foreign currency, to pay its creditors.
How was Basicland to adjust to this brutal new reality? This problem so stumped Basicland’s politicians that they asked for advice from Benfranklin Leekwanyou Vokker, an old man who was considered so virtuous and wise that he was often called the “Good Father.” Such consultations were rare. Politicians usually ignored the Good Father because he made no campaign contributions.
Among the suggestions of the Good Father were the following. First, he suggested that Basicland change its laws. It should strongly discourage casino gambling, partly through a complete ban on the trading in financial derivatives, and it should encourage former casino employees—and former casino patrons—to produce and sell items that foreigners were willing to buy. Second, as this change was sure to be painful, he suggested that Basicland’s citizens cheerfully embrace their fate. After all, he observed, a man diagnosed with lung cancer is willing to quit smoking and undergo surgery because it is likely to prolong his life.
The views of the Good Father drew some approval, mostly from people who admired the fiscal virtue of the Romans during the Punic Wars. But others, including many of Basicland’s prominent economists, had strong objections. These economists had intense faith that any outcome at all in a free market—even wild growth in casino gambling—is constructive. Indeed, these economists were so committed to their basic faith that they looked forward to the day when Basicland would expand real securities trading, as a percentage of securities outstanding, by a factor of 100, so that it could match the speculation level present in the United States just before onslaught of the Great Recession that began in 2008.
The strong faith of these Basicland economists in the beneficence of hypergambling in both securities and financial derivatives stemmed from their utter rejection of the ideas of the great and long-dead economist who had known the most about hyperspeculation, John Maynard Keynes. Keynes had famously said, “When the capital development of a country is the byproduct of the operations of a casino, the job is likely to be ill done.” It was easy for these economists to dismiss such a sentence because securities had been so long associated with respectable wealth, and financial derivatives seemed so similar to securities.
Basicland’s investment and commercial bankers were hostile to change. Like the objecting economists, the bankers wanted change exactly opposite to change wanted by the Good Father. Such bankers provided constructive services to Basicland. But they had only moderate earnings, which they deeply resented because Basicland’s casinos—which provided no such constructive services—reported immoderate earnings from their bucket-shop systems. Moreover, foreign investment bankers had also reported immoderate earnings after building their own bucket-shop systems—and carefully obscuring this fact with ingenious twaddle, including claims that rational risk-management systems were in place, supervised by perfect regulators. Naturally, the ambitious Basicland bankers desired to prosper like the foreign bankers. And so they came to believe that the Good Father lacked any understanding of important and eternal causes of human progress that the bankers were trying to serve by creating more bucket shops in Basicland.
Of course, the most effective political opposition to change came from the gambling casinos themselves. This was not surprising, as at least one casino was located in each legislative district. The casinos resented being compared with cancer when they saw themselves as part of a long-established industry that provided harmless pleasure while improving the thinking skills of its customers.
As it worked out, the politicians ignored the Good Father one more time, and the Basicland banks were allowed to open bucket shops and to finance the purchase and carry of real securities with extreme financial leverage. A couple of economic messes followed, during which every constituency tried to avoid hardship by deflecting it to others. Much counterproductive governmental action was taken, and the country’s credit was reduced to tatters. Basicland is now under new management, using a new governmental system. It also has a new nickname: Sorrowland.
Escrito por Charlie Munger em 19/02/2010

Thursday, November 28, 2019

Via Varejo, um contágio de narrativas em um case de paciência


Desde que comecei no twitter que não vejo outra empresa ser tão falada quanto a Via Varejo. O Banco Inter chegou perto em determinada época mas logo perdeu força. Enquanto isso a Via Varejo seguiu o seu ritmo de citações. Aventureiros, alunos estudiosos, perfis anônimos dedicados à marca e gestores renomados já se aventuraram pelo campo minado do fintwit dando opinião sobre a empresa. Como eu não quero passar 2019 excluído dessa festa vou deixar aqui meu rabisco sobre a Via Varejo.

Um pouco de perspectiva

A história da Via Varejo é uma confusão dos diabos. Para ajudar no meu entendimento resolvi separar as peças:

1) Casas Bahia:

A Casas Bahia começou no fim dos anos 50 pelas mãos do imigrante polonês Samuel Klein. Samuel Klein foi um sobrevivente do holocausto que imigrou para o Brasil com sua mulher e seu primogênito, Michael Klein. No Brasil, Samuel passou cinco anos vivendo como mascate até juntar dinheiro e abrir sua primeira loja Casas Bahia.

Com foco nas classes C e D e fazendo vendas a prazo no carnê, a Casas Bahia foi crescendo ao longo dos anos enquanto fazia aquisições pelo caminho. Comprou as antigas rede Columbia, Tamakavi e Casas Garson.

Hoje a Casas Bahia é uma gigante com mais de 750 lojas, 50 mil funcionários e foco na comercialização de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis e utilidades domésticas.

2) Ponto Frio:

A Ponto Frio também nasceu das mãos de um imigrante. Dessa vez de um imigrante romeno, Alfredo João Monteverde, que começou importando pneus para o Rio de Janeiro ainda nos anos 40. A Ponto Frio estabeleceu seu nome e sua marca poucos anos depois, graças a importação de geladeiras dos Estados Unidos.

Assim como a Casas Bahia, a Ponto Frio ganhou alcance nacional com aquisições de redes pelo país, casos da Casas Buri (SP), Kit Eletro (MG) e Disapel (região Sul do Brasil). Foi uma das primeiras empresas brasileiras a explorar a internet, ainda nos anos 90.

Hoje possui mais de 250 lojas e vende eletroeletrônicos, eletrodomésticos, móveis e utilidades domésticas.

3) Grupo Pão de Açúcar (GPA)

O GPA foi fundado em 1948 pelo imigrante (sempre eles!) português Valentim Diniz. Valentim é pai de Abílio Diniz, figura conhecida e parte importante do que vem pela frente. O GPA já era um gigante nacional quando Abílio assumiu os negócios no início dos anos 90 e continuou crescendo sob seu comando.

Hoje o GPA é controlado pelo grupo francês Casino (Abílio Diniz já não comanda e nem tem nenhum direito no grupo), possui mais de mil pontos de venda, quase cem mil funcionários e inclui empresas conhecidas no seu portfólio como Extra Supermercados, Assaí, Comprebem e o próprio mercado Pão de Açúcar.

Fusões, Aquisições & Confusões

Para felicidade de banqueiros e consultores, muitos negócios foram feitos e desfeitos até a Via Varejo chegar no seu estado atual. Alguns bem resolvidos, outros nem tanto. Vamos aos mais importantes.

1. Casino/Abílio Diniz (GPA):

O relacionamento Casino e Pão de Açúcar existe desde 1999, que foi quando os franceses se tornaram acionistas do grupo brasileiro. A participação era de 24% até maio de 2005 quando os franceses resolverem ampliar a presença. E assim foi feito quando, em um negócio onde o grupo francês desembolsou 900 milhões de dólares, Casino e Abílio Diniz criaram uma joint venture (Wilkes Participações) para controlar o GPA.

Segundo o acordo, Abilio Diniz seguiria presidente do Conselho e da holding controladora do grupo. Mas a Casino teria o direito de aumentar gradativamente sua participação na holding e, a partir de 2012, teria também o direito de nomear o presidente da holding mediante cumprimento de algumas exigências.  As exigências foram sendo cumpridas e 2012 foi chegando.

Em meados de 2011, Abilio Diniz se juntou aos sempre presentes BTG Pactual e BNDES para arquitetar uma nova operação. A idéia era fundir o GPA com a operação brasileira do Carrefour via participação de uma empresa nacional chamada Gama, pertencente ao BTG Pactual e capitalizada pelo BNDES.

O Casino eventualmente soube do que estava acontecendo, classificou a movimentação como hostil e ilegal e vetou o negócio. Com medo da repercussão o BNDES saiu do jogo. E sem o BNDES os negócios entre grandes players no Brasil ficam mais difíceis.

Então no final das contas a fusão não saiu e a relação Casino/Abilio Diniz se tornou litigiosa. O executivo da Casino, Jean-Charles Naouri, passou a comandar o GPA em 2012 e, um ano depois, em 2013, Casino e Abilio Diniz encerraram o litígio. Em novo acordo, Abilio Diniz se retirou do conselho e se desligou de todas as atividades que ainda exercia no grupo.

2. GPA/Ponto Frio

Essa até que foi uma operação simples diante de todo o enredo. Quando o fundador Alfredo Monteverde faleceu, em 1969, ele deixou a Ponto Frio de herança para seu filho Carlos Monteverde e para sua esposa Lily Monteverde, com quem se casara em 1965.

Lily Monteverde – hoje mais conhecida como Lily Safra após seu posterior casamento com o banqueiro Edmond Safra – e Carlos Monteverde controlavam a Ponto Frio através de uma empresa chamada Globex.

A primeira tentativa de se desfazer dos negócios veio em 1999 mas não prosperou por divergências com Simon Alouan, então CEO e acionista minoritário da Ponto Frio. Eventualmente Alouan vendeu sua participação para a Investidor Profissional e, em 2009, Lily Safra voltou a ofertar sua participação na Ponto Frio com a ajuda da Goldman Sachs. Especula-se que entre os interessados na época estavam Lojas Americanas, Elektra, Walmart, fundos PE e, vejam só, Magazine Luiza.

Como era 2009 e a relação com a Casino ainda não estava devastada, Abilio avaliou que seria excelente idéia uma rede de supermercados virar dona de uma rede de eletroeletrônicos. Para isso usou os recursos que o grupo francês injetou no GPA e levou a Ponto Frio.

3. GPA/Casas Bahia

Aqui um pouco mais de confusão. Em fins de 2009, embalado pela recente aquisição do Ponto Frio e por meio da recém-controlada Globex, o GPA comprou a Casas Bahia. O desenho era o GPA manter todos os negócios de bens duráveis (como o Extra Eletro) debaixo da Globex (holding da Ponto Frio). Paralelamente a Casas Bahia criaria uma nova sociedade chamada Nova Casas Bahia, para onde ativos e passivos seriam migrados. Alguns negócios da Casas Bahia, como imóveis e participações societárias, ficariam de fora dessa nova sociedade. E então, por fim, a Nova Casas Bahia seria incorporada pela Globex.

O acordo original foi negociado por Michael Klein com o aval do seu pai e fundador das Casas Bahia, Samuel Klein. Acontece que por obra do destino a família Klein se arrependeu alguns meses depois. Dessa vez liderado por Samuel Klein, a família argumentou que a empresa havia sido subavaliada e portanto exigiam uma renegociação sob pena de judicializarem a questão.

Após algum tempo e nova negociação, GPA e Casas Bahia chegaram em um novo acordo. Dessa vez a família Klein teria maiores poderes, a Casas Bahia foi reavaliada (pra cima, claro), o GPA manteve o controle da Globex com 53% de participação (contra 47% da Casas Bahia) e Raphael Klein, filho do Michael Klein, se tornou presidente executivo da Globex.

Pouco mais de 2 anos depois, em 2012, a Globex mudou seu nome para Via Varejo.

A Via Varejo

Então a Via Varejo nasceu de uma sequencia de grandes fusões e aquisições onde uma rede de supermercados formada por uma sociedade litigiosa (Abílio Diniz e Casino) expande para fora do seu ramo de atuação se associando de forma também litigiosa (Abílio Diniz e Kleins) com empresas gigantes e de eficiência duvidosa. As vezes não é preciso complicar mais do que isso para saber se vai dar certo.

E não deu. Algumas mudanças societárias – como a redução da participação da família Klein – foram acontecendo aos poucos ao longo dos anos enquanto a Via Varejo seguia seu ritmo de pobre execução, muito discurso e pouca performance. Já em 2016, com Abílio Diniz fora de cena, o grupo Casino começou a manifestar o desejo de se desfazer da Via Varejo. E aqui eu pulo finalmente para o ano de 2019.

Em junho desse ano o GPA conseguiu sair do negócio vendendo sua fatia de 36% para a família Klein e mais um grupo de fundos. Hoje os maiores acionistas são a família Klein com 27.5% e a XP Asset com 7%. Ainda que seja um avanço, a nova configuração está longe de ser uma garantia de sucesso.

Histórico Operacional


O gráfico conta a história de uma empresa com margens fracas e tendência negativa. É a visualização de uma gestão desleixada, tal qual descrevi lá em cima.

A evolução no crescimento de vendas também não é lá grandes coisas mas de certa maneira é razoável considerando o estágio de vida das principais marcas da empresa. O volume de vendas em termos absolutos é realmente o que chama atenção e coloca a Via Varejo entre as maiores vendedoras do país (talvez a maior, não tenho certeza). Para muitos investidores essa é a prova da força das marcas da Via Varejo e também seu porto seguro.

Pessoalmente eu acho que “marca” é de forma geral uma vantagem competitiva muito superestimada. Além disso tem valor especialmente limitado no varejo com exemplos nacionais e internacionais nas figuras de Arapuã, Mesbla, Ultralar e Lazer, Sears, Macy’s, etc.

A grande vantagem do alcance da Via Varejo está na sua estrutura física como ferramental logístico para o desenvolvimento do e-commerce da empresa. Mas isso de nada vai adiantar se a Via Varejo não entrar de uma vez por todas no jogo do comércio online.

E-Commerce

Eu não vou gastar saliva pra explicar a importância do e-commerce. Todo mundo já sabe. Já é realidade, vai crescer, enfim, tem que existir. E esse é um nó que a Via Varejo tem que desatar.

Enquanto a Via Varejo passou os últimos três anos com uma participação do online estagnada em +- 20% das vendas, sua concorrente Magazine Luiza saiu de 20% para mais de 35% de participação do online no total. E isso a Magalu fez sem perder vendas nas lojas físicas. Isso mostra como a Via Varejo tem estrada pra percorrer.

A questão é como vai ser feito. A estrutura do comércio online já vinha saudável e bem desenhada internamente na Magalu mesmo quando a empresa ainda era um patinho feio. Era justamente a área comandada por Frederico Trajano, que mais tarde viria a mudar o patamar da companhia. Já a Via Varejo não tem essa base.

Na verdade o e-commerce é mais uma das confusas peças da história da Via Varejo. Tudo começou na época da compra do Ponto Frio pelo GPA e o surgimento da Nova Pontocom, empresa responsável pelo comércio online. Eventualmente a Nova Pontocom se tornou Cnova Brasil e, graças a uma infeliz idéia do Casino - que sonhava em unificar todas as operações globais de comércio eletrônico do grupo - era uma operação online separada da operação offline.

Em outras palavras, a Cnova Brasil operava as vendas online da Casas Bahia e do Ponto Frio sem integração com a operação física. A idéia era tão idiota que, com operações e incentivos segregados, os canais online faziam concorrência com as lojas físicas. A Cnova Brasil foi muito má administrada e sofreu até com fraudes na gestão de estoque. Dois anos de muito suplício se passaram e, em 2016, os envolvidos resolveram integrar a Cnova Brasil à Via Varejo. Ainda assim os resultados do e-commerce seguiram ruins nos anos seguintes, com muita instabilidade operacional.

Instabilidades essas que parecem continuar. Em relação ao último resultado trimestral da Via Varejo, o recém-empossado CEO Roberto Fulcherberguer disse o seguinte:

“No início de julho, quando incorporamos a parte fiscal da Cnova, vivemos problemas sistêmicos. A decisão então foi tirar a venda da empresa (1P) e acelerar o marketplace (3P)”

Eu sou um grande entusiasta de sacrificar resultados de curto prazo se for em prol de soluções de longo prazo. Mas o histórico da operação online da Via Varejo não transmite confiança. Então ainda que eu aprecie a transparência do CEO, o discurso do call de que o ‘problema sistêmico’ foi superado tem que ser traduzido em números.

E esse número do online é uma das principais coisas que vou acompanhar na companhia.

Estrutura de Capital


A Via Varejo tem uma alavancagem considerável e explicada em parte pelo formato do negócio, já que atua como interveniente em muitas operações de financiamento, sendo a maioria delas de até 12 meses. Apesar desse desenho ser uma marca da empresa, é uma estrutura de capital que requer melhoria. Uma variação no capital de giro que melhore a geração de caixa operacional e reduza a dívida, melhorando a estrutura de capital, é uma coisa que eu gostaria de ver e também pretendo acompanhar.

Management

Até hoje a Via Varejo é um grande ciclo de ilusão seguida de desilusão. Poucos anos, muitos executivos, infinitas promessas e nenhum resultado. Já prometeram crescimento do e-commerce, corte de custos, melhoria de margem, etc. Para dar credibilidade às promessas criaram vários planos de ação com nomes como “Crescer Mais”, MOVVE e MOVVE 2.0, que tenho certeza que garantiram muitas horas de reunião, deram dinheiro para consultores e não retornaram nada para os acionistas.

Agora o grande vilão GPA foi embora e Michael Klein chega montando seu cavalo branco como o grande salvador. Claro, enquanto divide seu tempo com seus negócios do grupo CB – imobiliário, aviação e comercialização de automóveis. Então para ajudar na tarefa, Michael colocou Roberto Fulcherberguer no comando da Via Varejo.

Segundo consta, Roberto Fulcherberguer fez carreira na Arapuã, migrou para o GPA e ganhou a confiança da família Klein em um relacionamento que começou quando Raphael Klein comandava a Globex. Fulcherberguer passou anos como VP até passar a conselheiro do grupo. Ou seja, Fulcherberguer e Via Varejo já se conhecem há muitos anos.

Imagino que ele tenha DNA comercial. Pelo menos foi o que me pareceu pelo último call da empresa. Muito discurso motivacional, papo de novela da Globo, futebol, menção à “música chiclete” e ênfase em compra de cadeira e ar condicionado. Nada que me anime muito.

Em sua defesa, falou também sobre pontos sensíveis da empresa como a instabilidade do e-commerce, gestão de estoque e logística. Ainda assim sinto falta de uma visão clara do que se almeja para a companhia e um tratamento mais objetivo das métricas de interesse. Por ora parece que o que se quer é cortar um pouco da despesa, aumentar um pouco a venda online e pronto. Boas medidas, vão destravar algum valor se forem alcançadas, mas não são uma “visão”.

Ainda sobre o management, parece que andaram contratando bons executivos. Alguns vindos da concorrência – leia-se Magazine Luiza. Como não os conheço fica difícil opinar. Mas uma coisa é certa: grandes executivos tem resultados diferentes quando sob diferentes condições. E é aí que seria bom ter uma visão pra empresa, assim como a Magalu criou a sua em torno da tecnologia.

Valuation

O primeiro desafio de uma avaliação da Via Varejo é jamais citar a Magazine Luiza. Aliás, vou reformular. A Magazine Luiza deve ser levada em consideração nas premissas da Via Varejo no sentido de que é uma grande concorrente, já em outro nível de atuação e bem capitalizada. Mas pára por aí. A idéia de que a Via Varejo está subavaliada via múltiplos para a Magalu, ou de que a Via Varejo vai ter recuperação comparável à da Magalu é um misto de preguiça com wishful thinking.

Seja lá o valuation que você fizer, é importante que os números façam sentido com a história que você enxerga. Para o meu valuation eu enxerguei uma empresa madura cuja reorganização e menor complexidade societária  vai trazer um pequeno ganho operacional construído ao longo dos próximos 4 anos. O atual tamanho da empresa, nível da concorrência e meu incômodo/desconfiança com a atual gestão ainda não me permitem atribuir maiores vôos à Via Varejo.

A cotação atual não me daria entrada com margem de segurança para um investimento nesse momento. Duas coisas ainda podem acontecer para que um investimento na empresa fosse reavaliado: (1) o mercado se frustrar com eventuais resultados negativos que porventura a empresa venha a divulgar (e que é natural em uma reestruturação) ou (2) resultados que aumentassem minha confiança em relação à capacidade de execução e visão para a companhia da atual gestão.

Fechamento

A Via Varejo é hoje um caso de reestruturação. Não é uma empresa a beira da falência mas é uma reestruturação no sentido de que se busca destravar um potencial de venda e rentabilidade. Um potencial que está hoje subaproveitado em uma empresa que vem parada no tempo e com números cada vez menos animadores.

De forma geral uma companhia em reestruturação precisa de gestão com visão e capacidade de execução, geração de caixa para reinvestimento e força de balanço. Os dois últimos proporcionam tempo e condição para que a reestruturação aconteça enquanto o primeiro é o responsável pela condução do processo. Sobre a Via Varejo, ainda me sinto relativamente confortável com os dois últimos e um pouco desconfiado do primeiro.

Seja como for, lembre-se que reestruturações são processos longos e cheios de incerteza. Ter esse entendimento vai ajudar a controlar suas expectativas em relação aos resultados (tempo e magnitude) e vai ajudar também a fazê-lo dimensionar a posição da empresa no seu portfólio com responsabilidade.

Happy Thanksgiving,
Don Black

Wednesday, November 13, 2019

Uma ode ao short-seller



"A função mais importante que short-sellers trazem para o mercado é que eles são detetives financeiros em tempo real.", Jim Chanos

Há mais ou menos uns dois anos que uma das minhas posições é alvo preferido de short-sellers. Muitos short-sellers. Como a empresa não é fraudulenta e tem bons resultados, os short-sellers tem perdido a guerra até agora. Mas eventualmente eles vencem algumas batalhas. Quando é assim eu aproveito e compro um pouco mais. Eu jogo na ponta comprada e com minha convicção aproveito as oportunidades que o fluxo dos vendedores proporciona. Mas a queda de braço entre longs e shorts é muito mais estressante para a maioria dos participantes.
Houve uma época em que resolvi me aventurar no short-selling naquilo que para mim teria sempre um desfecho inescapável: fraudes. Meu racional era de que uma empresa fraudulenta só valia alguma coisa até o ponto em que a fraude passava despercebida. E por conclusão tautológica uma fraude não estava mais despercebida se eu a encontrasse. Então bastava eu estar certo sobre uma fraude para ganhar dinheiro, certo?
Foi aí que aprendi os pormenores das grandes disputas entre longs e shorts. Grandes bancos promovem empresas fraudulentas, empresas maiores compram empresas fraudulentas menores, CEOs processam short-sellers como intimidação, empresas espionam e assediam short-sellers, brokers vazam informações sobre short-sellers vulneráveis para clientes hedge funds, órgãos reguladores ignoram denúncias de reconhecidos short-sellers e por aí segue a lista.
Com o tempo eu ajustei meu processo de investimento e shortear ações deixou de fazer parte do repertório. Mas considero a presença dos short-sellers sempre bem vinda. Em nada me incomoda. Acredito que grandes empresas vão sempre escalpelar os short-sellers e que empresas fraudulentas merecem ser expostas. Eu gosto tanto do equilibrio que short-sellers trazem ao mercado que regularmente faço uma lista das empresas mais shorteadas e avalio as teses dos vendedores uma a uma.
É por esse reconhecimento aos short-sellers que escrevo o post de hoje.
BALDWIN, UMA EMPRESA DE PIANO. OU NÃO.
Anúncio da Baldwin, 1905
Fundada em 1862 a Baldwin era uma humilde loja de pianos de Cincinnati criada pelo professor de música Dwight Hamilton Baldwin. Quando Baldwin e sua esposa faleceram a loja passou para o comando de um veterano de guerra, Lucien Wulsin, e três outros acionistas minoritários.

Os novos sócios promoveram alterações na Baldwin e eventualmente transformaram a pequena loja em uma empresa que vendia mais de 30 milhões de dólares anuais em pianos, ainda nos anos 50. E foi também nos anos 50 que entrou na empresa um jovem vendedor chamado Morely Thompson.
Thompson passou pouco mais de 10 anos como vendedor até virar tesoureiro. Seis anos depois se tornou vice-president e, três anos depois disso, em 1970, era o novo CEO da Baldwin.
Uma vez CEO, Thompson teve a idéia de expandir os negócios da Baldwin para serviços financeiros. A idéia veio naturalmente do fato de que a Baldwin já financiava a venda de pianos para seus clientes. O objetivo de Thompson era movimentar o dinheiro das operações financeiras entre diferentes subsidiárias para reduzir impostos e liberar caixa. No início dos anos 80 a Baldwin já controlava mais de 200 instituições financeiras, para deleite de Wall Street.
O grande auge da Baldwin veio por um produto conhecido como SPDA (single premium deferred annuity). No SPDA o cliente depositava um grande montante de uma única vez no início (prêmio) e o rendimento acruava em uma conta isenta de impostos até o momento em que o cliente fosse começar a receber os pagamentos (normalmente na sua aposentadoria).
O rendimento prometido sobre os depósitos chegava a até 14.5% ao ano e para estimular a força de venda a Baldwin pagava uma gorda comissão de 5% para os brokers. Então, simplificando, as coisas funcionavam assim:
  • Cliente deposita $23,000 para seu SPDA
  • Broker embolsa $1,150 (5% de comissão)
  • Baldwin precisa reinvestir os $ 21,850 restantes a taxas suficientes para honrar o prometido 14.5% ao ano sobre os $ 23,000 depositados pelo cliente quando este começasse a receber os pagamentos

O olhar treinado já está alerta para o que é potencialmente uma construção Ponzi clássica. O caso em si tem outras complexidades – como o financiamento de aquisições de forma irregular - que vou evitar nesse post a título de simplificação. Mas basta saber que a Baldwin não gerava o suficiente para pagar as anuidades que vendia e que reguladores já contestavam a empresa.
Apesar disso, Wall Street seguia maravilhada. Thompson aparecia em capas de revistas e os grandes bancos de investimento aplaudiam esse novo e revolucionário produto financeiro da Baldwin. Muitos profissionais seguiam aplaudindo a empresa apesar dos red flags.
O jovem Jim Chanos não era um deles.
O INÍCIO DE UM NOTÁVEL SHORT-SELLER
Jim Chanos e sua especialidade, um Castelo de Cartas

Jim Chanos era um jovem analista de ações que havia desistido de uma carreira como banqueiro porque, nas suas próprias palavras, “tinha que existir algo mais interessante do que fazer recomendações erradas com fatos distorcidos apenas para gerar comissões.” Bom ponto.

Com apenas 24 anos, Chanos trabalhava em uma pequena firma de Chicago quando percebeu o que o mercado se recusava a ver em relação à Baldwin:
“Eles estavam emitindo anuidades a 12-14%, e eu não conseguia descobrir no que eles estavam investindo que pudesse gerar esse tipo de retorno. Tirando as aquisições, o portfolio deles era majoritariamente bonds comprados anos antes e que estavam basicamente underwater.”, Chanos
Então Chanos juntou todas as peças e emitiu uma recomendação de venda de oito páginas recheada de fatos e referências. A ação da Baldwin saiu de 24 para 50 dólares, a empresa em que Chanos trabalhava começou a receber pressões judiciais e a a cabeça do jovem Chanos esteve a prêmio.
“Timing nunca foi o meu forte mas eu ainda tenho muito orgulho daquele relatório.”, Chanos
Chanos foi acusado de inexperiente, de desconhecer a indústria, de nunca ter se reunido com os executivos da Baldwin, de não entender do que estava falando e muitas outras coisas. Nada mais comum do que atirar no mensageiro quando diante da incapacidade de desconstruir a mensagem.
Até que um belo dia a Forbes resolveu fazer uma nova publicação sobre a Baldwin, desta vez qualificando a empresa como um castelo de cartas, ou seja, uma estrutura que se mantém de pé de forma frágil e precária. Nesse momento Chanos começou a ser ouvido.
Após a matéria da Forbes um importante analista da Merrill Lynch emitiu novo relatório reforçando a recomendação de compra. Chanos leu o relatório e viu que o analista não tinha se dado ao trabalho de pesquisar a empresa a fundo, tendo inclusive negado fatos que a própria Baldwin já havia admitido. Fazer vista grossa é comportamento corriqueiro diante de apropriados incentivos.
“Quando eu vi o relatório aquilo me atingiu: tantas pessoas haviam comprado ações da Baldwin baseadas na recomendação desse analista e ele sequer olhou as declarações de Arkansas (regulador) que eu havia mencionado poucos meses antes. Aquilo realmente abriu meus olhos em como vozes dissonantes eram esmagadas, como fatos sérios podem ser ignorados por meses a fio, e o quão acolhedor pode ser o relacionamento entre banqueiros/analistas/empresa.”, Chanos
Chanos sabia que sua tese estava certa. O relatório da Merrill mostrou para Chanos que muita gente no mercado simplesmente se recusava a enxergar a verdade, fosse por ingenuidade ou interesse. Afinal, os bancos de investimentos faturavam 5% de comissão sobre cada SPDA vendida. E a essa altura a Baldwin já havia emitido quase 4 bilhões de dólares em SPDA.
Para Chanos, a implosão da Baldwin era questão de tempo. Ainda mais com os reguladores no cangote da empresa. E o fato de que parte do mercado negava a realidade só traria mais drama quando a hora da verdade chegasse. Só havia uma coisa racional a fazer: dobrar o short. Os executivos da empresa onde Chanos trabalhava - Gilford Securities – concordaram, dobraram o short e receberam uma bolada quando, um ano depois, em 1983, a Baldwin se viu obrigada a aderir ao capítulo 11 da lei das falências. A ação despencou 91% naquela que foi a até então maior falência da história americana.
CONCLUINDO
O caso da Baldwin foi a primeira fraude descoberta por Jim Chanos, um dos mais notáveis short-sellers cujo maior feito foi desmascarar a farsa da Enron.
Pessoalmente meu grande problema com fraudes – das maiores até as menores – é que elas não são acidentes isolados. Elas são um organismo vivo dentro do sistema. Ninguém gosta de reconhecer mas existe uma indústria da fraude em constante funcionamento. São farsantes que ganham a vida fazendo falsas recomendações, lançando produtos fraudulentos, executando um pump and dump... 
E quando os astros se alinham e o produto da fraude é suficiente para encher o bolso de todo mundo, todos esses farsantes se unem em cadeia para espoliar um aposentado de boa-fé que trabalhou por 40 anos e passa seus dias jogando xadrez nas mesinhas da praia. São os short-sellers que vão pra guerra contra esses farsantes, apostando contra a indústria da fraude.
"Para seus críticos, os short-sellers de Wall Street são piores do que advogados perseguidores de ambulância. Eles não apenas buscam lucrar com o infortúnio dos outros, mas, segundo os críticos, uma nova geração de short-sellers ativista tenta ajudar a fazer a má notícia se concretizar.", Wall Street Journal, 1985
Sim, alguns short-sellers tem comportamento desonesto. Divulgam inverdades e tentam promover um caos que não existe. Mas sempre que alguém criticar o comportamento desonesto de um short-seller, faça a gentileza de lembra-lo sobre os comportamentos desonestos dos comprados, que não são poucos.
Se a campanha for contra o comportamento desonesto, pode me chamar. Mas se for contra os short-sellers, estou fora. Mesmo sendo long. E aliás, que os short-sellers fiquem à vontade shorteando minhas posições. É sempre um prazer emprestar meus papéis a 30% ao ano enquanto assisto minha empresa continuar executando.
Stay cool,
Don Black


PS: Estamos nos aproximando do final do ano, época onde viajo com maior frequencia. A tendência então é uma diminuição no ritmo das postagens. Vou me esforçar para seguir publicando coisas interessantes e desde já agradeço sua audiência. Manter esse blog e interagir com os leitores tem sido uma experiência fantástica! Muito obrigado! 

Referências:
The Big Win: Learning from the Legends to Become a More Successful Investor de Stephen L. Weiss  http://www.amazon.com/The-Big-Win-Learning-Successful/dp/0470916109
The Most Dangerous Trade: How Short Sellers Uncover Fraud, Keep Markets Honest, and Make and Lose Billions de Richard Teitelbaum https://www.amazon.com/Most-Dangerous-Trade-Billions-Bloomberg/dp/1118505212/ref=tmm_hrd_swatch_0?_encoding=UTF8&qid=1573670485&sr=8-1
NYT, 1983 - BALDWIN, A CASUALTY OF FAST EXPANSION, FILES FOR BANKRUPTCY - https://www.nytimes.com/1983/09/27/business/baldwin-a-casualty-of-fast-expansion-files-for-bankruptcy.html
Barry Ritholts entrevista Chanos: Masters in Business https://soundcloud.com/bloombergview/barry-ritholtz-interviews-6