Vejam só como as coisas se apresentam. Expliquei em um post recente sobre como eu acho chata a atividade de dar recomendações. Escrevi também que fico feliz que algumas boas pessoas não compartilhem dos meus gostos e então dediquem suas vidas a dar recomendações*. Fato é que lendo isso, o que alguns visitantes desse humilde blog fizeram? Me pediram recomendações de pessoas que dão recomendações de ações!! Esse, meus amigos, é o estado da coisa.
Eu raramente leio algum relatório de
sell-side. Sequer saberia dizer a última vez que li um. Casualmente folheio
algum em busca de dados primários como informações de indústrias. Fica claro
então que não sou dos mais gabaritados para recomendar alguém ainda que eu quisesse.
O que não me impede contudo de pensar um pouco nessa indústria das casas de
research e rabiscar sobre elas.
Olhando
para os clientes, a questão com as casas de análise é que ninguém está
interessado em análise. As pessoas querem saber o que fazer. Elas querem
recomendações. Qualquer casa de análise iria a falência caso sua clientela
fosse restrita aos interessados em análise e pesquisa.
É possível
argumentar que esse é um detalhe.
“Ora, se os
clientes querem recomendações é só a casa de research recomendar! Afinal de
contas, são profissionais do mercado que já fizeram a análise da empresa
mesmo.”
Pois bem, e
o que ela vai recomendar? Ela vai recomendar uma compra ou uma venda baseada em
um preço alvo? Qualquer investidor sabe que isso não é recomendação de nada.
A título de entendimento, entremos agora nos pormenores hipotéticos da vida de um recém assinante.
Suponhamos
que você receba um relatório da sua casa de research sobre uma empresa X. A
empresa X está sendo negociada a 5 reais e tem preço alvo de 15 reais.
“Ótimo, vou
comprar!”
Quanto
comprar? Você olha e o relatório não diz nada sobre isso.
Mas você
sabe que as últimas recomendações renderam bons frutos. Você lembra também daquele
anúncio no Youtube que te fez assinar os relatórios:
“Quem
seguiu nossa recomendação de Maio e comprou a ação Z, triplicou seu patrimônio
em apenas 6 meses!”
Como não
assinar, não é mesmo? Ainda mais quando a pessoa que triplicou o patrimônio é
uma bela e carismática loira de 20 anos.
De posse
dessas "conclusivas" informações você faz o que qualquer pessoa razoável faria no seu lugar e
compra tudo o que pode na ação X. Quem sabe você não vira o garoto propaganda
do vídeo que vai passar no Youtube daqui a seis meses?
Agora você
recebe todo dia algum relatório novo na sua caixa de mensagem. Um relatório,
uma notícia, uma live e por aí vai. É fantástico, os caras trabalham sem parar!
Você agora é parte desse mundo frenético que é o mundo dos investimentos.
Alheio a
ironia da coisa toda, só o que você consegue pensar é o seguinte:
“Essa
filosofia do tal Warren Buffett que essa casa de research fala que segue é boa
mesmo. Em apenas uma semana eu recebi 200 e-mails, não li nenhum balanço e
minha ação já está subindo 20%.”
“Eu não leio nenhum relatório de analista. Se eu li algum foi porque as páginas de humor não estavam disponíveis. Eu não sei porque alguém lê isso.”, Warren Buffett, 2003
Então alguns
dias depois você abre um relatório sobre uma nova empresa que chama sua atenção.
É sobre a empresa Y. Ela esta com preço atual de 10 e preço-alvo de 50.
Você olha
para a empresa X que você tem na carteira. Sim, ela está indo bem. Mas ela já
está mais perto dos 15 reais do que quando você comprou. O potencial da empresa
Y é muito maior!
“Esses
caras são demais, eles não erram! Todo dia eles mostram lá no Twitter o foguetinho 🚀,
sempre uma alegria. Não é por menos, eles seguem o velho bilionário Warren
Buffett!”
Agora você
analisa suas possibilidades. A ação que você tem vai triplicar e a que você não
tem vai quintuplicar. Moleza! E dessa maneira você vai e troca tudo para a ação
Y.
Um mês
depois e a ação Y é o foguetinho da vez. Já dobrou! Até que um desacorçoado
investidor de uma gestora resolve escrever quinhentas páginas falando mal da
empresa Y. O desgraçado praticamente escreveu “Os Lusiadas” do short em Y!
Você
poderia ler as quinhentas páginas. Ou você poderia simplesmente abrir os
relatórios anuais para aprender sobre a empresa.
“Bobagem,
pra que eu ia fazer isso? Seria como contratar uma faxineira e eu mesmo limpar
a minha casa. Além do mais os caras não erram uma. Eles seguem o velho Buffett.
Vou ver o que eles estão falando.”
Você lê o
relatório atualizado da sua casa de análises e mergulha no poço de sabedoria
que é o Twitter. Pronto! Em uma hora e você já entendeu tudo: a ação Y é
maravilhosa e o gestor é apenas um invejoso que está vendido na ação e precisou
praticamente reescrever o Novo Testamento cheio de abobrinhas para tentar
influenciar todo o mercado e reduzir a perda do seu short.
Não há
então outra coisa a fazer a não ser manter a empresa Y (que agora tem upside
muito maior do que 5x) e, pudera, comprar um pouco mais.
Seis meses se passam e a ação Y agora já caiu uns 80%. Parece uma boa hora de questionar a turma que te vendeu as recomendações. E então você é confrontado com duas informações na resposta recebida:
- Investimos para o longo prazo, assim
como Buffett.
- Não era para comprar a carteira toda em ações da empresa Y.
A essa
altura sua paciência com Warren Buffett já não está lá grandes coisas.
“Não
satisfeito em vir com esse papo de longo prazo esse velho sem vergonha ainda
fez a gentileza de escrever para o mundo inteiro ver que não tinha nenhum
interesse na minha ação.”
E sobre a
segunda questão só o que você consegue é se lembrar daquelas propagandas no
Youtube que fazem questão de interromper todos os seus vídeos até hoje.
“Se não é
pra comprar tudo da recomendação como então essa loira desgraçada conseguiu
triplicar o patrimônio em seis meses seguindo a tal recomendação?”
Você está
transtornado!
Você olha para a loira e só pensa no canto da sereia. Você ouve o termo "longo prazo" e só pensa que é uma justificativa barata.
Você pode não saber na hora mas tem uma coisa boa nisso tudo.
Na verdade tem uma coisa
muito boa.
Você está
começando a entender o que é investir.
***
Investir é sobre dimensionar as posições dentro de uma carteira orientada por uma estratégia que reflete as necessidades e visões do investidor. Em outras palavras não existe recomendação de investimento sem:
- Composição da carteira
- Comunicação clara sobre a estratégia da carteira
Quem quer
recomendação tem que fazer questão desses dois ai de cima. Não existe meio termo
aqui. Relatório com preço alvo jogado ao vento não é recomendação. É pra ação
entrar no portfólio? É pra sair? No lugar de quem? Com qual peso?
Casas de
análises usam do dimensionamento seletivo para atrair clientes e se livrar de
responsabilidades. Quando
a ação é dizimada, o investidor deveria ter diversificado. Quando a ação dispara,
é apenas nossa recomendação que triplicou.
Quantos
clientes eles ganhariam se o vídeo do Youtube fosse assim:
“Quem
seguiu nossa recomendação de Maio e colocou a ação Z na carteira, viu a ação
contribuir com 3% para o portfólio em apenas 6 meses!”
Afinal de
contas a ação Z era uma ação de alto risco e o dimensionamento escolhido foi modesto.
Pode ser esta uma mensagem honesta e profissional.
Mas é também o
maior inimiga do publicitário!
***
Só existe uma maneira de dar recomendações e comunicar o valor da casa de análise de forma honesta, profissional e que não dificulte tanto assim a vida dos publicitários.
Essa
maneira é ter uma carteira sugerida tão boa que não fique nada a dever nas
propagandas.
O vídeo do
Youtube agora é o seguinte:
“Quem
seguiu nossa carteira desde maio triplicou seu patrimônio em apenas 6 meses.”
Não precisa
ser um gênio para ver que uma casa de análise capaz de recomendar uma carteira
tão vistosa mudaria de ramo em um piscar de olhos.
Porquê?
Porque o economics de uma boa gestora é muito superior ao de uma casa de
análise!
E olha que
nem precisa ter um fundo tão vistoso a ponto de triplicar o patrimônio em 6
meses.
As pessoas mais capazes de dar uma boa recomendação de investimentos estão ocupadas gerindo fundos de alta performance. Ou investindo seus próprios recursos, também com alta performance.
Eu me
lembro da história de um garoto que era um jogador de basquete tremendamente
habilidoso. Foi bem no basquete universitário e hoje em dia é uma estrela do
basquete de rua. Ele passa a vida viajando pelo mundo, desafiando todo tipo de
gente para 1v1 em quadras de rua. Dá espetáculo e ganha de todo mundo, um atrás
do outro.
Um dia
perguntaram para um treinador famoso por que o rapaz não estava na NBA. A
resposta do treinador foi essa:
“Quem é bom
o suficiente para estar na NBA, está na NBA.”
O nosso
caso não é muito diferente. Quem é bom o suficiente para ter uma carteira
escalável de alta performance vira gestor.
Existem
exceções, claro. O LAPB por muito tempo teve apenas sua carteira exclusiva. Mas
foi puramente uma política de vida. O LAPB não passava os dias fazendo
propaganda e escrevendo relatórios. O LAPB não era um caçador de assinaturas.
Por mais
duro que possa soar, penso que se você busca recomendações de investimentos você
fará melhor uso do seu tempo e dinheiro se simplesmente investir em um bom
fundo.
Isso não
quer dizer que as casas de análise não sirvam para nada. Eu não sou tão radical
quanto Buffett nessa questão. Acho mesmo que elas podem ser úteis se o
assinante tiver o mindset adequado.
Para o iniciante interessado em aprender os relatórios tem valor educacional. Eles servem como bons pontos de partida para entender como os profissionais navegam pelos números ou até para aprender sobre um nova classe de ativos.
Para outros pode servir como fonte de dados primários, já que as casas tem acesso a dados que não estão facilmente disponíveis para o investidor comum.
Quem
especula também pode encontrar oportunidades nos serviços das casas de análise.
Há alguns anos atrás fundos quantitativos perceberam a oportunidade de operar
as recomendações assim que elas eram publicadas. Como
era de se esperar, essa oportunidade foi arbitrada e já não existe mais. No
Brasil talvez ainda exista oportunidades assim. De preferência dentro da
legalidade.😂
Mas seja
como for é importante alinhar as expectativas. Não espere por recomendações de
investimentos. Analistas não são investidores. Ainda que tenham boa
intenção, eles não vão poder te ajudar. A distância entre analisar e investir é
a mesma entre ler o manual da auto-escola e pegar o carro para dirigir. Por
isso não é incomum vermos bons analistas que são péssimos investidores. Mesmo
assets tem grandes analistas que são péssimos investidores.
No final
das contas você vai precisar dirigir seu próprio carro. Você vai ser o
responsável por avaliar o risco/retorno das ações e dimensionar a posição no
portfólio. Isso vai muito além de analisar uma empresa.
Você vai
ser o responsável por desenvolver o impulso da atividade quando alguma coisa
precisar ser feita e a quietude da inatividade quando o melhor a se fazer for
ficar parado. Isso também vai muito além de analisar uma empresa.
Você vai
precisar desenvolver as habilidades que nem os analistas tem. Você vai precisar
se esforçar.
E se você
não está disposto a fazer isso, apenas procure por um bom fundo.
Stay cool,
Don Black
*eu deveria ter escrito isso de forma diferente, passando a mensagem de análise no lugar de recomendação.
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