Wednesday, October 30, 2019

A falácia do investidor privado e um pouco sobre dedicação


O ZERO ESFORÇO, O POUCO ESFORÇO E O INVESTIDOR PRIVADO

Por alguma razão que me foge a compreensão tenho recebido algumas mensagens em busca de orientação profissional. O post portanto começa com um alerta: não é recomendado pedir orientação profissional para perfis anônimos da internet. 

Dito isto, ainda que eu apreciasse poder indicar o melhor caminho de vida para as pessoas, eu não posso. Verdade seja dita, eu mal sei o que fazer da minha própria existência e tem sido mais ou menos assim desde que eu comecei a tomar minhas próprias decisões.

Nutro a desconfiança de que as perguntas acontecem por que sou investidor privado. E como há certo entendimento de que um investidor privado é alguém que ganha muito e trabalha pouco, nada mais intuitivo do que pedir para que esse felizardo te indique o caminho da glória, qual seja, ficar rico sem fazer nada.

Até o mais primitivo dos seres humanos há de reconhecer que se hoje você é pobre então alguma coisa tem que acontecer para que você deixe de ser pobre. Tudo o mais costante você continuará sendo pobre, com o agravante de ir envelhecendo.

Como é de se esperar da natureza preguiçosa do ser humano as soluções ideais passam por mudanças que independem da nossa ação, daí o sonho de ficar rico sem fazer nada. Um exemplo seria a morte de um parente desconhecido que por obra do destino deixasse uma gorda herança. É um exemplo tão bom que nem o luto da perda existe.

Diante da dificuldade de fato semelhante acontecer o ser humano passa então ao próximo passo. No caso, o próximo passo é ficar rico fazendo muito pouco esforço. Aqui é onde entram as loterias, cassinos, corridas de cavalo, bolsa de valores e até casamentos. E é aqui também onde somos mais humilhados pelas artimanhas dos nossos cérebros, que nos fazem ignorar desde a improbabilidade dos eventos até os efeitos colaterais das decisões.

Na regra da fortuna pelo menor esforço entram também os trambiques. Não importando o quão impossível seja uma solução, sempre haverá um vendedor oferecendo o que um comprador se dispõe a pagar. É regra básica do comércio, da economia e da trambicagem em geral.

Veja que notável encontro comercial. De um lado, trambiqueiros que viram na arte da trapaça um atalho para a prosperidade. Do outro lado – note bem como existe certa ironia nisso – incautos dispostos a perder dinheiro suado para alimentar a ilusão de ganhar dinheiro fácil. É a manifestação plena do livre comércio, onde para muitos não há inocentes.

Para decepção de muitos e sob pena de deixar de ganhar dinheiro e seguidores, sempre alerto para as dificuldades de enriquecer sendo exclusivamente um investidor privado. Mesmo investidores famosos não buscam esse caminho. Ao invés disso se protegem atrás de uma estrutura de remuneração (taxa de administração, assinatura de conteúdo, etc) que garante um fluxo generoso o suficiente para manter um alto padrão de vida e construir o patrimônio à margem do que acontece na performance dos investimentos.

A pessoa comum que se aventura a ser um investidor privado não tem esse luxo. Ele é pressionado por necessidades de caixa e um patrimônio restrito. Investir sob esse estresse e insegurança é uma realidade completamente diferente que distorce o campo de jogo. Então se você  achou por um momento que ser um investidor privado fazia parte da categoria de ficar rico fazendo pouco esforço convém reavaliar.

Imagino que esse entendimento distorcido sobre investidores privados decorre naturalmente do fato de que muitos dos auto intitulados investidores privados são ricos e não fazem muita coisa. E como diz o ditado, “só acredito naquilo que vejo”. Mas daí a acreditar em tudo que vemos também não é boa medida já que boa parte do iceberg se esconde debaixo d'água. Anote esse segredo: boa parte dos auto intitulados investidores privados são ricos apesar de serem investidores e não porque são investidores.

Veja só, a maioria dos investidores privados são ricos buscando rentabilizar um patrimônio que não foi construido investindo organicamente. Normalmente o patrimônio vem da família ou da venda de um negócio anterior. Com o patrimônio já garantido para algumas gerações essa pessoa passa a se intitular um investidor privado e assim ela passa a frequentar eventos exclusivos, conhecer outras pessoas ricas e poderosas e ser bajulada por gestores famosos e vendedores atraentes. Sexo, dinheiro e poder, o tridente motivador do comportamento humano. Quem pode resistir?

Enfim, para esse auto-intitulado investidor privado o valor investido é alto em termos absolutos, o nível de investimento é conservador em relação ao % do patrimônio e com essa combinação ele aparenta ser um grande investidor sem precisar ter resultados. Pura mágica!

A rigor esse sujeito realmente é um investidor privado mas é importante que o investidor comum veja a fotografia inteira. E a fotografia inteira é que generosa parcela dos investidores não existiria se houvesse alguma lei divina que impedisse aqueles que não ascenderam organicamente como investidores do próprio patrimônio de serem denominados investidores.

Então se você pensa em ficar rico organicamente sendo um investidor privado, vá devagar. Esteja seguro  com seu fluxo de caixa e o tamanho do seu patrimônio em um cenário onde seus investimentos perdem 50% do valor antes de fazer alguma idiotice só porque um bando de ricos posta foto ostentando uma auto-intitulada vida de investidor privado.

O MUITO ESFORÇO

Ok, acho que até agora venho fazendo um bom trabalho nesse texto. O trabalho da desilusão. Já levantei as dificuldades de ganhar dinheiro sem fazer nada e de ganhar dinheiro fazendo muito pouco. Já joguei também um balde de água fria naqueles que almejam jogar tudo para o alto e começar a ser um investidor privado na próxima segunda-feira. Com todos esses sonhos destruidos vamos para o que resta: ganhar dinheiro se esforçando.

O interessante de se esforçar para ganhar dinheiro é a quantidade de pessoas que impõem como regra um auto-flagelo. São pessoas que trabalham 16 horas por dia em alguma atividade insuportável em troca do que convencionou-se chamar realização profissional. Eu sempre achei essa lógica estúpida. É uma lógica tão estúpida que os próprios participantes precisam criar uma narrativa que justifique tamanho absurdo. Investment bankers se promovem como uma seita exclusiva, estagiários de backoffice fingem que estão passando por algum teste de grandeza, e por aí vai. Tudo bobagem.

Uma regra que faz sentido é se livrar logo daquilo que faz sua vida insuportável. Steve Jobs transmitiu essa idéia de uma forma um pouco diferente quando disse:

“Eu me olhava no espelho todas as manhãs e me perguntava: “Se hoje fosse o último dia da minha vida, eu ia querer fazer o que eu estou para fazer?” E sempre que a resposta era “Não” por muitos dias seguidos, eu sabia que precisava mudar alguma coisa.”, Steve Jobs

O valor de fazer uma atividade que você gosta está nos bons comportamentos que brotam naturalmente. Somos mais curiosos e nos esforçamos mais e por mais tempo em atividades que nos dão prazer. E coincidentemente as chances de sucesso são maiores para pessoas curiosas e que se dedicam com intensidade e consistência. Resumindo, fazer o que gosta tem consequencias naturais que aumentam a chance de sucesso. E o melhor, sem precisar viver uma vida de penitência.

Puro papo de coach, eu sei. Mas é como foi pra mim, é o que acho que faz sentido e é a melhor forma que consigo responder a famigerada pergunta: “Don, o que você acha que eu devo fazer?”

Stay cool,
Don Black

1 comment:

  1. Muito bom. Penso da mesma forma, se não gosta do que faz, não faça, busque uma atividade que lhe seja agradável e lucrativa. Pessoas que se "matam" de trabalhar ou ficam contando os dias para aposentar, com certeza, estão na atividade errada. Quanto ao que se deve fazer, consulte MMe. Lenormand, a maior vidente de todos os tempos.

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