Esse vai
ser o primeiro post de uma série sobre o modelo de negócios de uma empresa software
as a service (SaaS). Antes de tudo, o que é uma empresa SaaS? Vamos ao
Wikipedia, grande oráculo virtual:
“Software
como serviço, do inglês Software as a service (SaaS), é uma forma de
distribuição e comercialização de software. No modelo SaaS, o fornecedor do
software se responsabiliza por toda a estrutura necessária à disponibilização
do sistema, e o cliente utiliza o software via internet, pagando um valor pelo
serviço.”
Tomemos um
exemplo simples e prático. Antigamente, para usar o Excel era necessário até um
certo planejamento familiar. Era preciso juntar um dinheiro e comprar o CD do Microsoft
Office, que não era nada barato. Se você ia usar apenas uma vez ou todo santo
dia era problema seu, já que o preço era o mesmo. Hoje em dia já não é assim.
Eu pago uns 30 reais por mês pelo pacote Office e posso cancelar a hora que eu
quiser. Então uma forma de pensar é que
as empresas de software migraram de um modelo de transação para um modelo de
assinatura.
UM ÚNICO CLIENTE
Essa
mudança de modelo de negócio parece simples para o consumidor mas traz algumas
diferenças relevantes para a empresa. Imagine que no modelo de transação a
empresa venda o software por R$ 18 mil e tenha gastos de R$ 6 mil para atrair
um cliente. Esse seria o fluxo de caixa dessa transação:
Nessa
transação, o fluxo de caixa se torna positivo tão logo o cliente compre o
software. E o que vai acontecer se essa empresa migrar para o modelo de
assinatura e se tornar uma empresa SaaS? Ela não vai mais cobrar os mesmos R$
18 mil de uma vez mas vai passar a cobrar R$ 500 por mês na expectativa de que
o cliente vai ficar tempo suficiente pagando esse valor de forma a compensar os 6 mil que foram gastos para atrai-lo. Nesse caso, o fluxo de caixa
da empresa para esse único cliente vai ser o seguinte:
Essa
mudança de modelo traz uma revolução para dentro da empresa por que cria muita
pressão no caixa de curto prazo. Isso é o que acontece quando uma empresa gasta
muito dinheiro antecipadamente para conseguir atrair um cliente cuja receita
vem muito diluída ao longo do tempo.
No nosso modelo, que é extremamente
simplificado, a empresa só atinge o break-even se o cliente ficar por um ano. A
imagem abaixo mostra o fluxo de caixa acumulado (net entre despesa e receita) que a empresa tem para um único cliente:
VÁRIOS CLIENTES
E o que
acontece quando a empresa cresce sua base de clientes, adicionando um pouco a
cada mês? Naturalmente, nenhuma empresa pode crescer sua base de clientes em 50%
ao mês indefinidamente. Então o que essa simulação considera é que a base de
clientes aumenta de forma mais representativa no início até que eventualmente
atinge um estado de equilíbrio.
Nesse caso,
o fluxo de caixa da empresa para os vários clientes vai ter o seguinte desenho:
De novo:
esse é um exemplo simplificado com a única finalidade de mostrar o efeito do
modelo de assinatura no fluxo de caixa de uma empresa. Peço que por enquanto
você não se preocupe muito com os números e apenas tente entender a dinâmica do
caixa.
Dito isto,
vamos ver como fica o fluxo de caixa da empresa para vários clientes, mas dessa
vez de forma acumulada. Ou seja, somando a despesa (CAC) com a receita
(Pagamento de assinatura) para ver o efeito net.
Esse é um
gráfico esclarecedor. Repare que enquanto a base de clientes vai crescendo de
forma mais acelerada (início), o fluxo de caixa vai ficando cada vez pior por
causa do efeito do custo de aquisição para vários clientes. A partir do momento
em que a adição de novos clientes vai se estabilizando e sendo menos
representativa em relação à base de clientes já formada, o fluxo de caixa vai
melhorando pois as receitas de assinatura passam a compensar os custos de
aquisição.
Quando boa
parte da base de clientes já ultrapassou o break-even e a adição de novo
clientes já é pouco representativa em relação à base já formada, a vida da
empresa vira o paraíso pois os custos já ficaram pra trás enquanto ainda existe
todo um fluxo de receitas futuras (considerando que os clientes continuam na
empresa).
O CUSTO DO CRESCIMENTO
O mais
interessante de uma empresa SaaS é que quanto mais rápido for o seu
crescimento, pior será o seu fluxo de caixa no curto prazo. Ron Gill, CFO da Netsuite,
empresa californiana de SaaS, resumiu da seguinte forma:
“O que
surpreende muitos investidores e conselheiros a respeito do modelo SaaS é que,
mesmo com uma execução perfeita, uma aceleração do crescimento normalmente
acompanha um aperto na rentabilidade e no fluxo de caixa.”
Isso
acontece por que quanto maior o crescimento, mais o CAC vai se acumular. Para
entender melhor, vamos ver o que acontece se a empresa crescer 2 clientes por
mês, 5 clientes por mês e 10 clientes por mês:
Como
podemos ver, a curva é mais inclinada quanto maior for o crescimento da
empresa. Em outras palavras, o gráfico mostra
que é preciso mais dinheiro para crescer mais rápido, mas o resultado é um
payback muito superior uma vez que o fluxo de caixa fique positivo.
Ron Gill
foi além na sua explanação e deixou as coisas um pouco mais complexas quando
disse o seguinte:
“Assim que
o produto começa a ganhar tração, a expectativa dos investidores é que as
perdas e o consumo de caixa diminuam, certo?
No entanto,
essa é a hora perfeita para aumentar os investimentos no negócio, fazendo com
que as perdas aumentem de novo.”
Ron Gill
está sugerindo então que o sucesso de uma SaaS normalmente tem a seguinte cara:
E AGORA?
De um lado
nós temos muitos investidores caçando lugar para colocar dinheiro em um mundo
de juros baixos. Do outro, temos modelos de negócios que são super escaláveis mas
que, como vimos, precisam de muito dinheiro para sustentar tanto crescimento.
Quando os dois se encontram, acontece o que estamos presenciando: bilhões de
dólares financiando empresas que queimam dinheiro em uma velocidade
assustadora.
Agora vamos
lá, em um mundo assim nós vamos ver o seguinte:
1) raivosos
que condenam todas essas empresas ao abismo por que, afinal, elas não passam de
máquinas de queimar dinheiro e;
2) cegos do crescimento que defendem que esse é um modelo de negócios incompreendido e
que, afinal, toda empresa nova queima dinheiro mesmo.
A verdade
está no meio. Empresas novas realmente tendem a queimar dinheiro mas é
preciso também ter uma visão clara e realista de lucratividade. Ou seja, a
empresa precisa realmente estar gerando valor, ainda que seja um valor
postergado.
A pergunta
que fica é: como dizer que o negócio vai vingar se eles estão queimando
dinheiro a taxas cada vez mais altas? E foi pra responder essa questão que
passamos a procurar entender essas empresas a partir do unit economics.
Unit
economics esse que será tema do próximo post!
Stay cool,
Don Black
* Esse texto
foi amplamente influenciado e contou com trechos de apresentações e declarações
de David Skok, da Matrix Partners
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