Friday, July 19, 2019

O Modelo SaaS - p.1


Esse vai ser o primeiro post de uma série sobre o modelo de negócios de uma empresa software as a service (SaaS). Antes de tudo, o que é uma empresa SaaS? Vamos ao Wikipedia, grande oráculo virtual:

“Software como serviço, do inglês Software as a service (SaaS), é uma forma de distribuição e comercialização de software. No modelo SaaS, o fornecedor do software se responsabiliza por toda a estrutura necessária à disponibilização do sistema, e o cliente utiliza o software via internet, pagando um valor pelo serviço.

Tomemos um exemplo simples e prático. Antigamente, para usar o Excel era necessário até um certo planejamento familiar. Era preciso juntar um dinheiro e comprar o CD do Microsoft Office, que não era nada barato. Se você ia usar apenas uma vez ou todo santo dia era problema seu, já que o preço era o mesmo. Hoje em dia já não é assim. Eu pago uns 30 reais por mês pelo pacote Office e posso cancelar a hora que eu quiser. Então uma forma de pensar é que as empresas de software migraram de um modelo de transação para um modelo de assinatura.

UM ÚNICO CLIENTE

Essa mudança de modelo de negócio parece simples para o consumidor mas traz algumas diferenças relevantes para a empresa. Imagine que no modelo de transação a empresa venda o software por R$ 18 mil e tenha gastos de R$ 6 mil para atrair um cliente. Esse seria o fluxo de caixa dessa transação:




Nessa transação, o fluxo de caixa se torna positivo tão logo o cliente compre o software. E o que vai acontecer se essa empresa migrar para o modelo de assinatura e se tornar uma empresa SaaS? Ela não vai mais cobrar os mesmos R$ 18 mil de uma vez mas vai passar a cobrar R$ 500 por mês na expectativa de que o cliente vai ficar tempo suficiente pagando esse valor de forma a compensar os 6 mil que foram gastos para atrai-lo. Nesse caso, o fluxo de caixa da empresa para esse único cliente vai ser o seguinte:


Essa mudança de modelo traz uma revolução para dentro da empresa por que cria muita pressão no caixa de curto prazo. Isso é o que acontece quando uma empresa gasta muito dinheiro antecipadamente para conseguir atrair um cliente cuja receita vem muito diluída ao longo do tempo. 

No nosso modelo, que é extremamente simplificado, a empresa só atinge o break-even se o cliente ficar por um ano. A imagem abaixo mostra o fluxo de caixa acumulado (net entre despesa e receita) que a empresa tem para um único cliente:





VÁRIOS CLIENTES

E o que acontece quando a empresa cresce sua base de clientes, adicionando um pouco a cada mês? Naturalmente, nenhuma empresa pode crescer sua base de clientes em 50% ao mês indefinidamente. Então o que essa simulação considera é que a base de clientes aumenta de forma mais representativa no início até que eventualmente atinge um estado de equilíbrio.

Nesse caso, o fluxo de caixa da empresa para os vários clientes vai ter o seguinte desenho:




De novo: esse é um exemplo simplificado com a única finalidade de mostrar o efeito do modelo de assinatura no fluxo de caixa de uma empresa. Peço que por enquanto você não se preocupe muito com os números e apenas tente entender a dinâmica do caixa.

Dito isto, vamos ver como fica o fluxo de caixa da empresa para vários clientes, mas dessa vez de forma acumulada. Ou seja, somando a despesa (CAC) com a receita (Pagamento de assinatura) para ver o efeito net.




Esse é um gráfico esclarecedor. Repare que enquanto a base de clientes vai crescendo de forma mais acelerada (início), o fluxo de caixa vai ficando cada vez pior por causa do efeito do custo de aquisição para vários clientes. A partir do momento em que a adição de novos clientes vai se estabilizando e sendo menos representativa em relação à base de clientes já formada, o fluxo de caixa vai melhorando pois as receitas de assinatura passam a compensar os custos de aquisição.

Quando boa parte da base de clientes já ultrapassou o break-even e a adição de novo clientes já é pouco representativa em relação à base já formada, a vida da empresa vira o paraíso pois os custos já ficaram pra trás enquanto ainda existe todo um fluxo de receitas futuras (considerando que os clientes continuam na empresa).

O CUSTO DO CRESCIMENTO

O mais interessante de uma empresa SaaS é que quanto mais rápido for o seu crescimento, pior será o seu fluxo de caixa no curto prazo. Ron Gill, CFO da Netsuite, empresa californiana de SaaS, resumiu da seguinte forma:

“O que surpreende muitos investidores e conselheiros a respeito do modelo SaaS é que, mesmo com uma execução perfeita, uma aceleração do crescimento normalmente acompanha um aperto na rentabilidade e no fluxo de caixa.”

Isso acontece por que quanto maior o crescimento, mais o CAC vai se acumular. Para entender melhor, vamos ver o que acontece se a empresa crescer 2 clientes por mês, 5 clientes por mês e 10 clientes por mês:



Como podemos ver, a curva é mais inclinada quanto maior for o crescimento da empresa. Em outras palavras, o gráfico mostra que é preciso mais dinheiro para crescer mais rápido, mas o resultado é um payback muito superior uma vez que o fluxo de caixa fique positivo.

Ron Gill foi além na sua explanação e deixou as coisas um pouco mais complexas quando disse o seguinte:

“Assim que o produto começa a ganhar tração, a expectativa dos investidores é que as perdas e o consumo de caixa diminuam, certo?

No entanto, essa é a hora perfeita para aumentar os investimentos no negócio, fazendo com que as perdas aumentem de novo.”

Ron Gill está sugerindo então que o sucesso de uma SaaS normalmente tem a seguinte cara:





E AGORA?

De um lado nós temos muitos investidores caçando lugar para colocar dinheiro em um mundo de juros baixos. Do outro, temos modelos de negócios que são super escaláveis mas que, como vimos, precisam de muito dinheiro para sustentar tanto crescimento. Quando os dois se encontram, acontece o que estamos presenciando: bilhões de dólares financiando empresas que queimam dinheiro em uma velocidade assustadora.

Agora vamos lá, em um mundo assim nós vamos ver o seguinte:

1) raivosos que condenam todas essas empresas ao abismo por que, afinal, elas não passam de máquinas de queimar dinheiro e;

2) cegos do crescimento que defendem que esse é um modelo de negócios incompreendido e que, afinal, toda empresa nova queima dinheiro mesmo.

A verdade está no meio. Empresas novas realmente tendem a queimar dinheiro mas é preciso também ter uma visão clara e realista de lucratividade. Ou seja, a empresa precisa realmente estar gerando valor, ainda que seja um valor postergado.

A pergunta que fica é: como dizer que o negócio vai vingar se eles estão queimando dinheiro a taxas cada vez mais altas? E foi pra responder essa questão que passamos a procurar entender essas empresas a partir do unit economics.

Unit economics esse que será tema do próximo post!

Stay cool,
Don Black


* Esse texto foi amplamente influenciado e contou com trechos de apresentações e declarações de David Skok, da Matrix Partners

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