O EMPREENDEDORISMO E A RAZÃO
Na semana
passada o amigo @uorrembife (twitter) do site abacusliquid.com postou o seguinte:
Ele está
certo, muito certo! Abrir um negócio para trabalhar pouco e ficar rico é um dos
maiores descolamentos entre realidade e expectativa que existem. E ainda assim muita
gente faz. Uma explicação pra isso vem da combinação do viés de sobrevivência
com a romantização da história dos sobreviventes. Ou seja, não apenas nos
concentramos nos poucos casos que prosperam como vemos esses casos de sucesso
como um caminho suave de paz e prosperidade.
Longe
disso, o caminho do empreendedor de sucesso é melhor descrito da seguinte forma:
“Na verdade, o meio é extremamente volátil – uma sequencia contínua de subidas e descidas, expansões e contrações. Assim que a lua de mel de começar uma nova jornada acaba, a realidade te dá um soco na cara. Forte. Você vai se sentir perdido e depois vai encontrar uma nova direção; você vai progredir e depois vai andar pra trás.”, Scott Belsky
É fácil
olhar para a Berkshire e se imaginar no lugar de Buffett, ganhando bilhões enquanto
se empanturra de hamburger e coca cola. Mas não é tão fácil virar as noites estudando
ação por ação no manual da Moody’s. O Buffett que está hoje na CNBC só existe
graças ao Buffett que vivia uma vida muito menos glamourosa e mais estressante há
60 anos atrás. O Buffett que todo mundo quer ser só existe graças ao Buffett que quase ninguém quer ser.
A vida dos
empreendedores é cheia de obstáculos. Obstáculos que acabam esquecidos e obstáculos
que acabam virando lendas romanceadas quando a empresa cresce. Mas obstáculos
que, no momento em que aparecem, são questões de vida ou morte. A narrativa que
Phil Knight faz no livro Shoe Dog sobre sua caminhada e a criação da Nike é
espetacular. Recomendo que todos leiam. É uma narrativa honesta sobre sua caótica
jornada. Sobre essa experiência, Knight diz o seguinte:
“Para o empreendedor, todo dia é uma crise.”, Phil Knight
Acho que
vocês já pegaram a idéia. Abrir um negócio é, de forma geral, uma manifestação irracional.
O interessante é que no nosso ecossistema nós temos uma espécie forjada para
lidar com essa irracionalidade: o missionário.
O MISSIONÁRIO
"Nunca tenha pena dos missionários; inveje-os. Eles são onde a verdadeira ação está - onde vida e morte, pecado e graça, Paraíso e Inferno convergem.", Robert C. Shannon
O
missionário é a pessoa que ri diante das estatísticas. Sabe aquelas manchetes do
tipo “90% das pessoas que tentam fazer determinada atividade falham”? Pois bem,
os missionários não estão nem ai pra elas. Eles não pensam nos 90% que falham.
Nem nos 10% que vencem. Nem no 1% dos mais bem sucedidos. Eles pensam apenas
naquilo que eles e somente eles estão construindo.
Ou seja, a
estatística não vale nada porque aquilo que ele vai fazer jamais foi feito
mesmo. Esse é o missionário, um sujeito que atravessa a linha de tiro com um
alvo na testa e tem a convicção de que vai prosperar.
Nem todos
prosperam, é claro. Assim como vários outros que não são missionários acabam
encontrando sucesso. Mas os missionários tem um arcabouço emocional para
enfrentar dificuldades que ninguém mais tem. Isso porque, entre outras coisas,
os missionários tem senso de propósito e fé no sucesso. E como diz Laurence Gonzales em
Deep Survival, “a fé é uma coisa muito importante no desejo de sobreviver”.
Tomemos Ayrton
Senna por exemplo. Você sabe qual é a chance de uma criança do kart virar um
ídolo da fórmula 1? Eu não sei mas imagino que não seja grande. E acredito que
Senna também nunca se perguntou sobre isso. Na verdade Senna avaliava suas
chances dessa maneira pouco científica:
“Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.” Ayrton Senna
Quando
colocamos essa declaração no contexto da vida de Senna é muito claro que estamos
diante de um missionário. É direito de cada um se perguntar se o “modo Senna”
valeu a pena diante da morte precoce mas essa é uma pergunta que um missionário
jamais faria. Jamais faria, porque o missionário já nasceu com a resposta no
sangue.
O
MISSIONÁRIO E O MERCENÁRIO NO MUNDO DOS NEGÓCIOS
Peter
Thiel, primeiro investidor do Facebook, contou uma estória interessante sobre
Zuckerberg. Ele contou que quando o Facebook tinha apenas 10 milhões de
usuários - hoje tem mais de 2 bilhões - a Yahoo! fez uma oferta de aquisição no
valor de 1 bilhão de dólares. A parte de Zuckerberg, então com 22 anos, era de 250
milhões de dólares.
Com a
perspectiva de colocar toda essa grana no bolso e poder curtir a vida adoidado sendo quase um adolescente, o que Zuckerberg fez? Rejeitou a oferta sem hesitar! Segundo Peter
Thiel, Zuckerberg sequer ponderou a proposta imaginando como seria sua nova
vida. Zuckerberg simplesmente rejeitou seus 250 milhões de dólares como se aquilo
fosse uma banalidade cotidiana. Ele gostava do que fazia e tinha planos para
sua empresa. Nada mais importava.
Decisões
como essa contrastam muito com as decisões tomadas por um outro grupo do nosso
ecossistema, esse mais comum: os mercenários. Apesar de soar pejorativo, não há
nada de errado em ser mercenário. Os mercenários tem espaços e oportunidades no
ecossistema, não estão fazendo nada ilegal e em muitos casos são competentes.
Mas os
mercenários não tem o senso de propósito dos missionários. Eles são mais preocupados
com suas carreiras, seus bens e suas reputações pessoais. Quase todos os
executivos carreiristas são mercenários. Assim como são mercenários aqueles
fundadores que já começam a empresa pensando em uma estratégia de saída,
sonhando com o dia em que vão receber uma oferta de 1 bilhão de dólares do Yahoo!.
Até onde
vai meu conhecimento a primeira pessoa a formalizar a diferença do mercenário para
o missionário foi John Doerr, famoso venture capitalist americano da
californiana Kleiner Perkins. A diferenciação que ele faz é a seguinte:
“Os mercenários são movidos pela paranóia; os missionários pela paixão.
Os mercenários pensam oportunisticamente; os missionários pensam estrategicamente.
Mercenários vão para o sprint; missionários vão para a maratona.
Os mercenários se concentram em seus concorrentes e demonstrações financeiras; os missionários se concentram em seus clientes e em demonstrações de valor.
Mercenários são chefes de matilhas de lobos; missionários são mentores e treinadores de uma equipe.
Os mercenários se preocupam com seus direitos; os missionários são obcecados em contribuir.
Mercenários são motivados pelo desejo de ganhar dinnheiro; os missionários, embora reconheçam a importância do dinheiro, são fundamentalmente motivados pelo desejo de deixar um legado.”
Eu não acho
que um missionário tenha necessariamente que preencher todos esses requisitos daí.
Steve Jobs foi inegavelmente um missionário mas há controvérsias sobre ter sido um grande mentor e treinador de equipe. Mas de forma geral eu acho a
definição de Doerr bem razoável.
Do ponto de
vista de investidor, já investi tanto em mercenários quanto em missionários. Na
verdade, já investi muito mais em mercenários pela simples razão de que eles
constituem ampla maioria. Mas se me perguntarem eu vou dizer que prefiro
investir em missionários. Missionários tem qualidades incomparáveis e inalcançáveis
pela pessoa comum. Possuem personalidade extrema e produzem
resultados extremos. Mas como em tudo na vida, cobram seu preço.
Elon Musk fundou
Paypal, SpaceX e Tesla. Com 32 anos, Musk era um sujeito que já tinha desafiado
instituições financeiras e agora se via pronto para engolir não só a Ford como
também a NASA. Ao mesmo tempo! Agora se pergunte, que espécie de ser humano faz
isso? A mesma espécie que vai enlouquecer os investidores no twitter com
declarações pouco convencionais.
Os
missionários são pensadores independentes, de muita ação e pouco apego a
convenções. Lidar com
alguém assim pode ser muito difícil e estressante. Mas não é possível ter a
parte do missionário que você gosta sem levar junto a parte que te desagrada. É
o trade-off da personalidade extrema.
Enquanto
investidor, demorei algum tempo para aprender a conviver com executivos
missionários. E enquanto ser humano, nunca deixei de admirar o missionário. O
sujeito que não pode ser comprado, que não pode ser intimidado. O sujeito que
incomoda e faz a pessoa comum se sentir desconfortável. O sujeito que faz o
impensável e debocha da estatística. O sujeito que nunca se contenta. O sujeito
cuja personalidade é graça. E cuja personalidade as vezes é desgraça. Como foi
em um dia de maio de 1994.
Mas quem há
de dizer que não valeu a pena?
"Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou vilipendiá-los, mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los, porque eles mudam as coisas... eles empurram a raça humana para frente, e enquanto alguns podem vê-los como loucos, nós os vemos como gênios, porque aqueles que são loucos o suficiente para pensar que podem mudar o mundo, são os que o fazem.", campanha "Think Different" da Apple em 1997
Stay hungry, stay foolish,
Don Black
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