Sunday, April 21, 2019

A psicologia da riqueza

Grace Groner nasceu em uma pequena cidade a pouco menos de uma hora de Chicago. Aos 12 anos ela ficou orfã e passou a ser criada por uma família da comunidade onde vivia. Era ano de 1935 quando Grace, aos 25 anos, conseguiu um emprego como secretária na farmacêutica Abbott. Neste emprego ela permaneceu pelos próximos 43 anos, quando finalmente se aposentou. Como muitas pessoas que viveram a Grande Depressão, Grace era uma pessoa simples. Vivia em uma pequena residência, comprava roupas de segunda mão e não tinha carro. Morreu em 2010 aos 100 anos, tendo deixado um montante de 7.2 milhões de dólares para a universidade onde se formou, Lake Forest College. Sua intenção era que sua doação fosse usada em um programa de bolsas para que pessoas humildes pudessem estudar. Para quem se interessar, a Fundação Grace Elizabeth Groner na Lake Forest College existe até hoje**.

A primeira pergunta que vem a mente é como Grace conseguiu acumular tanto dinheiro. Não, não foi herança.  Quando começou a trabalhar na Abbott, Grace comprou três ações da empresa. Comprou, nunca mais vendeu e reinvestiu os dividendos. Grace viveu o fim da Grande Depressão, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra da Coréia, a Guerra do Vietnã, a Guerra do Iraque, a Guerra do Afeganistão, a super inflação americana dos anos 70, três bear markets e treze recessões. E nunca vendeu NENHUMA ação! Para a felicidade de Grace, as ações que ela manteve por mais de 70 anos se valorizaram a uma taxa anualizada de mais de 15%. Sim, Grace também teve sorte.

Ainda em 2010, pouco tempo depois de Grace deixar uma fortuna para a caridade, um sujeito chamado Richard Fuscone admitiu para o juíz que estava completamente falido: "Eu fui devastado pela crise financeira... Minha única fonte de liquidez é aquilo que minha mulher conseguir vender do mobiliário que ainda nos resta". Entre outras coisas, Fuscone alegou não possuir nenhuma fonte de renda. Tudo para evitar que sua mansão de quase 2.000 metros quadrados avaliada em mais de 10 milhões de dólares fosse tomada pelos credores.

Enquanto Grace teve sua educação na modesta Lake Forest College, Fuscone passou pela Harvard Business School e pela Universidade de Chicago. Fuscone chegou a ser vice chairman da divisão LatAm da Merrill Lynch e teve uma carreira tão meteórica na indústria de investimentos que se aposentou aos 40 anos para "buscar seus interesses pessoais e filantrópicos". E lá estava Fuscone, lutando para manter sua casa de dois elevadores e duas piscinas.

Eu não quero usar esse espaço para comparar as estratégias financeiras de Grace e Fuscone. Eu sequer sei o bastante sobre as estratégias do Fuscone (exceto que ele se alavancava, coisa que eu não faço). Quero só observar a relação que diferentes pessoas tem com o dinheiro. É óbvio que Grace estava satisfeita com a vida dela. Talvez ela não pudesse comprar a mansão do Fuscone, mas ela podia comprar muito além daquilo que ela tinha. E se ela não o fazia, é porque estava feliz do jeito que estava. Por outro lado, por alguma razão que eu desconheço, Fuscone fazia questão de uma casa com 11 banheiros...

A primeira vez que pensei sobre esse assunto foi há anos atrás, no meu primeiro e último emprego. Já era quase madrugada quando meu chefe se levantou pra ir embora e perguntou o que de tão urgente eu estava fazendo para ainda estar ali. A verdade é que eu não estava fazendo nada urgente. Eu estava apenas absorvido em uma análise. Quando ele soube, sua resposta foi: "Então vai embora logo. Você não vai ganhar mais por isso mesmo". Acontece que eu também não estava fazendo aquilo para ganhar mais e, achando que ele entenderia, fiz questão de explicar. Foi quando ele me disse que, nesse caso, eu estava no lugar errado. E estava. Passei uma semana pensando nisso e, então, pedi demissão. Ele foi honesto, eu fui honesto. Bom para todo mundo.

Que isso tenha acontecido cedo na minha carreira foi uma grande felicidade. Desde então eu sigo minha vida como investidor. Desde então eu não invisto por dinheiro e, talvez por isso, tenha sido tão lucrativo. É apenas o que eu gosto de fazer. Eu gosto de revirar as pedras, procurar as empresas e encontrar uma que me pareça boa. Eu gosto ainda mais quando vejo uma dessas empresas prosperando com uma grande execução. Eu gosto de aperfeiçoar o meu método. E eu gosto das amizades que essa filosofia me trouxe: gente que, coincidentemente ou não, são mais Grace e menos Fuscone. O reconhecimento da minha relação com o dinheiro foi o que me trouxe riqueza ao me colocar no lugar certo: um lugar onde faço o que gosto, da maneira que gosto, me relacionando com gente que gosto.

E você? Qual é a sua relação com o dinheiro? Qual é a sua riqueza?

Stay cool,
Don Black

* Esse texto tem como inspiração parte do texto do brilhante Morgan Housel. Leia a íntegra: https://www.collaborativefund.com/blog/the-psychology-of-money/

** Site da fundação Grace Elizabeth Groner: https://www.lakeforest.edu/offices/groner/

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