Thursday, January 30, 2020

Gimme your money, I'm a tech company


Não tem muito tempo que a WeWork tentou lançar seu IPO. A empresa do controverso Adam Neumann, capitalizada pelo não menos controverso Softbank, tinha ambições de vir a público precisando justificar seu gordo valuation de 50 bilhões de dólares. E a verdade é que a WeWork tinha alguns dos principais ingredientes pra conseguir um gordo valuation nesse nosso mundo atual, quais sejam, um rápido crescimento de receitas (quase 90% ano contra ano) e muito prejuízo (perdas de 1.5 bilhão em receitas de pouco menos de 2 bilhões). Faltava só uma coisa.

Adam Neumann e seus consultores sabiam o que faltava. Então, para não faltar mais, eles fizeram questão de posicionar a WeWork no prospecto da oferta como uma empresa de tecnologia. A palavra tecnologia apareceu mais de 100 vezes, como se a WeWork fosse alguma espécie de Google. Acontece que a WeWork nada mais é do que uma empresa que aluga grandes espaços por longos períodos e subloca como espaço de co-working por pequenos períodos. Nada tão tecnológico assim, apesar dos esforços dos publicitários.

Por razões variadas a oferta pública da WeWork não foi para a frente. Mas a questão da tecnologia marcou. Porquê a WeWork acha que é uma empresa de tecnologia? Porquê as empresas buscam ser vistas como empresas de tecnologia? Porquê ser vista como uma empresa de tecnologia aumentaria o valuation? Aliás, se formos honestos, vamos perceber que não sabemos nem que diabos é ser uma empresa de tecnologia.




O QUE É UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA?

Definir uma empresa de tecnologia é mais complicado do que parece. Fique a vontade para tirar cinco minutos e pensar no assunto. Pega um papel, escreva sua definição e pense nas pontas soltas.

“É uma empresa que busca inovar!” E qual empresa não busca?

“É uma empresa que usa tecnologia para o seu negócio.” E qual empresa não usa? Talvez apenas o artesão de rua.

“É uma empresa que vende tecnologia!” Mas e a Tesla, por exemplo? A Tesla vende carro. Carro é tecnologia? Se sim, a Ford é uma empresa de tecnologia? Se não, a Tesla não é uma empresa de tecnologia? A Tesla é apenas uma fabricante de carros e fabricantes de carros não são empresas de tecnologia? E os softwares escritos pela Tesla?

“Capex é o melhor caminho! Capex tem que ser em pesquisa e desenvolvimento.” A Bayer é uma tech company? Ninguém gasta tanto em P&D quanto as farmacêuticas... 

Detalhes, definições e especificações são inimigos da superficialidade. E aos poucos vamos percebendo que existe uma zona cinzenta na definição de uma empresa de tecnologia. Não é preto ou branco.

Eu lembro que lá pra década de 70 e 80 o que se entendia por empresa de tecnologia era a IBM e ponto final. A IBM fazia hardware, software e vendia serviços também. Todo o resto além da IBM não era tecnologia. Ninguém ousava chamar a Ford ou a GE de empresa de tecnologia só porque suas máquinas e motores iam ficando mais potentes e eficientes com o tempo.

Os anos foram passando, houve a expansão do PC, novas empresas surgiram e nomes como Microsoft e Dell foram se juntando a IBM. E o grupo inflou de vez com a internet. Qualquer catálogo online era uma empresa de tecnologia. E de lá pra cá a tecnologia foi avançando de maneira que hoje em dia ela é peça central de qualquer negócio, por mais simplório que este seja.

Como um amigo diz brincando, “saber se uma empresa é de tecnologia é simples. Todas são.”

Existe um toque de verdade nessa frase apesar do tom jocoso. E é se aproveitando desse toque de verdade, por menor que possa ser, que empresas como o WeWork tentam nos convencer de que são uma empresa de tecnologia.


MAS PORQUE TODO MUNDO QUER SER UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA?

Mais um pouco de história aqui. Todo mundo já ouviu falar no Vale do Silício. O que nem todo mundo ouviu falar é sobre a origem do nome, dado por conta do extenso uso do silício nos produtos desenvolvidos naquela região. Em especial os chips.

O desenvolvimento dos chips tem dinâmica de fluxo de caixa muito comum nas rodas de conversa atuais. É muito caro desenvolver o primeiro chip mas, uma vez desenvolvido, fica barato construir chips adicionais.  E a Intel foi pioneira em navegar por essa realidade econômica de uma forma que originou a indústria dos VCs.

A Intel começou com um investimento inicial de 10 mil dólares do Arthur Rock. Em pouco tempo Rock teve que levantar outros $ 2.5 milhões com amigos e investidores. Era muito dinheiro mas era o que a Intel precisava para fazer a roda girar. E girou. Três anos depois a Intel lançou seu IPO por mais de 8 milhões de dólares.

Assim a Intel plantou a semente da prática de injetar dinheiro em uma empresa que exige muito financiamento inicial mas que depois, com seu baixo custo marginal, é capaz de crescer em um ritmo frenético. Um ritmo que modelos de negócios tradicionais jamais sonhariam. Quem consegue servir toda a população de um país com menor custo marginal, a Microsoft distribuindo software ou o Walmart construindo lojas? Exatamente!

A internet e a conectividade foram um campo fértil para os vencedores desse modelo de negócios. O custo marginal diminuiu ainda mais, o mercado potencial aumentou, exponenciais efeitos de rede ampliaram em muito a capacidade de escala. Empresas como Google e Facebook são os grandes baluartes dessa fantástica dinâmica. E o que elas tem em comum? São empresas de tecnologia pura.

A possibilidade de atingir essa dinâmica de negócio moldou as expectativas em torno desse tipo de empresa. Ficou mais aceitável injetar muito capital em uma empresa recém nascida e também passou a dar pra engolir os altos múltiplos de negociação. E é para se beneficiar desse nível de expectativa que todas as empresas buscam o rótulo de empresas de tecnologia hoje em dia. É um nível de expectativa que permite:

1- Receber muito aporte
2- Gastar muito dinheiro
3- Ter grandes avaliações

Quem não quer?


O INVESTIDOR NO MEIO DISSO TUDO

No texto "Minha própria National Geographic" eu expliquei a diferença entre valoradores e precificadores. Vou colar aqui para refrescar a memória:

O processo de valorar uma empresa depende dos fundamentos da empresa e da forma como você vê esses fundamentos se desenvolverem no futuro. É um processo que acontece sem “olhar para os outros jogadores”. O que você precisa é endereçar coisas como expectativa de crescimento, geração de caixa e qualidade dos ativos da companhia.

No jogo da precificação pouco importa o valor intrínseco. Mas aqui é preciso olhar para os outros jogadores e entender as forças atuantes de oferta e demanda. É uma busca por antecipar o movimento do mercado em fatores como fluxo, humor e momentum.

Essa distinção define como você lida com a questão da tecnologia. Nada como um exemplo da vida real para ilustrar, não é mesmo? Então vamos a um:

Essa semana um gestor famoso fez o seguinte comentário sobre uma varejista (da qual seu fundo é grande acionista):

“Se a empresa passar a ser vista como uma empresa de tecnologia ela deveria ser tradada a um preço 4x o atual”

Então eu fiz a seguinte pergunta:

“E porque ela deveria ser vista como uma empresa de tecnologia?”

Sendo sincero, eu não estava muito interessado na empresa propriamente dita. Eu estava interessado em forçar a reflexão e observar as reações. Eu estava ligando na minha National Geographic. Eu queria ver a interação entre os valoradores, os precificadores e os perdidos (aqueles que não sabem o que são). Essa distinção muda a forma como cada um encara tanto o comentário do gestor quanto a minha pergunta.  

O gestor falou como um precificador. E está certo! No momento em que o mercado começar a ver uma varejista como uma empresa de tecnologia, ele vai ajustar as expectativas para aquilo que eu expliquei lá em cima. Isso quer dizer que a varejista virou tech? Não! Mas não importa. Vai importar o humor, vai importar o mercado, vai importar a oferta e a demanda. É isso que interessa para o precificador e é por isso que não me surpreendi quando vi respostas comentando sobre empresas supostamente comparáveis. Múltiplos são ferramentas clássicas do precificador.

Para o valorador as coisas não funcionam assim. O valorador é indiferente ao comentário que o gestor fez. O importante é a pergunta que eu fiz. Porque a pergunta que eu fiz vai nos fundamentos da companhia. Eu quero saber como a empresa vai escalar. Quero saber como vai ser o custo marginal da empresa. Quero saber a necessidade de reinvestimento da empresa. Quero saber como vai ser a margem da empresa. E quero saber como isso vai acontecer. Ou seja, eu quero saber como os fundamentos que são diferenciais em uma empresa de tecnologia pura vão se mover na varejista que quer ser vista como uma empresa de tecnologia. Fundamentos!


O MR. MARKET, O VALORADOR E O PRECIFICADOR

A parábola do Mr Market, criada por Graham e popularizada por Buffett, já é bem conhecida. E o Mr. Market é o camarada que bate na sua porta com uma tabela de preços indicando por quanto ele está disposto a comprar suas posses e a te vender as dele. Você pode aceitar ou não. No dia seguinte o Mr. Market bate de novo na sua porta para fazer tudo de novo, só que dessa vez com uma nova tabela de preços. E assim ele faz todo o santo dia.

O valorador e o precificador tem relacionamentos diferentes com o Mr. Market. O precificador quer antecipar a tabela de preços que o Mr. Market vai trazer no dia seguinte. Já o valorador apenas age sobre a tabela de preços que lhe é apresentada. O Mr. Market é previsão para um e fato para outro.

O precificador segue o Mr. Market pelas ruas para descobrir se ele vai estar feliz ou triste na próxima visita. O valorador abre a porta na hora da visita e olha para o Mr. Market. Se ele estiver deprimido, o valorador compra. Se ele estiver em êxtase, o valorador vende.

O Mr. Market é senhor do precificador e servo do valorador.


COLOCANDO TUDO JUNTO

Os pontos principais do texto são o seguinte:

  • Ser ou não uma empresa de tecnologia é mais uma área cinzenta do que um preto ou branco.
  • Empresas de tecnologia de referência tem atributos de negócios únicos como pouca necessidade de ativo físico, gigantesco potencial de escala, custo marginal baixo e margens altas.
  • Reconhecer que é possível para uma empresa se aproximar da dinâmica de uma empresa de tecnologia de referência altera a resposta do mercado, que fica mais tolerante com funding, gastos e avaliações.
  • Valorador: (1) fundamentos da empresa; (2) Mr. Market = servo
  • Precificador: (1) participantes do mercado; (2) Mr. Market = senhor


Ok, mas como eu lido com tudo isso?  Vamos lá:

  1. Eu sou um valorador, então pouco me importa como o mercado vai ver ou deixar de ver uma empresa.
  2. Eu entendo que o aspecto tecnológico de uma empresa é um grande intervalo (uma área cinzenta). Em uma ponta está o artesão da rua sem nenhuma tecnologia envolvida. Na outra ponta está o Google, pura tecnologia. A maioria das empresas está no meio. Por exemplo, o Uber está mais próximo do Google do que uma cooperativa de táxi.
  3. Busco entender a contribuição dos aspectos tecnológicos da empresa para os seus fundamentos (crescimento, margem, etc). Ainda sobre Uber/Cooperativa, é muito claro que o componente tecnológico permite que o Uber escale muito mais do que uma cooperativa. Por outro lado, o mesmo modelo tecnológico-disruptivo aumenta os riscos regulatórios do Uber em relação à uma cooperativa.
  4. Quando o Mr. Market chega depressivo eu compro e quando chega animado demais eu vendo.


E é assim que lido com esse debate tecnológico. No final das contas nada muito diferente do que com qualquer outro tipo de empresa, não é mesmo? Uma questão de entender a dinâmica dos fundamentos, ponderar as incertezas e se servir do Mr. Market. 

Stay cool,
Don Black

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