Thursday, December 31, 2020

Armas comuns para anos extraordinários

 Alguns anos são marcantes e 2020 foi um deles.  Nossa experiência agora parece um pouco irrelevante mas é apenas porque estamos todos no mesmo barco. Ninguém perguntava como era viver a Gripe Espanhola em 1918 mas eu tinha um conhecido do centro-oeste americano que virou uma celebridade local nos anos 2000 apenas por ter nascido antes da Gripe Espanhola. Saiu em jornal de bairro e tudo. É razoável pensar que se você viver tempo suficiente o Coronavirus também vai te fazer famoso de alguma forma.

Enfim, posto que ninguém mais por ali havia vivido a Gripe Espanhola a palavra do meu conhecido foi tomada como grande verdade. Toda a cidade então passou a achar que a Gripe Espanhola não foi lá essas coisas todas porque, afinal, foi com esse desdém que o sujeito narrou os fatos. Pouca gente se perguntou o que alguém que tivesse a época apenas 5 anos de idade se lembraria de verdade da Gripe Espanhola. É engraçado como narrativas bem contadas fazem fatos serem ignorados.

Bom, de acordo com os fatos a Gripe Espanhola matou 50 milhões ao redor do mundo e durou bem uns dois anos. O coronavirus ainda sequer completou um ano, matou pouco menos de 2 milhões de pessoas mas afetou, de uma forma ou de outra, a vida de todas. É certo que a essa altura todos daquela pequena cidade do centro-oeste americano já se deram conta de que as narrativas do meu velho conhecido não eram assim tão confiáveis.

O problema dos anos marcantes é que eles são marcados por tragédias. Não que coisas boas estejam em falta. Para nossa felicidade, coisas boas são abundantes. Tão abundantes que passam despercebidas. Um filho abraça o pai no shopping e todos seguem sua vida. Ninguém diminui o passo para admirar, ninguém se lembra disso depois. Mas basta um filho dar um pontapé no velho pai no meio do shopping e uma multidão se aglomera. Vira vídeo do Youtube e assunto da mesa de jantar. A dinâmica do mundo é tal que a tragédia marca e a beleza é deixada de lado.

Que em 2021 mudemos um pouco essa dinâmica.

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Anos marcantes são laboratórios para um intensivo estudo do comportamento humano.

A Grande Peste de Londres aconteceu em 1666 e dizimou a cidade. Cem mil pessoas morreram, naquilo que significava 25% da população da cidade. Tudo isso em apenas 18 meses. Olhar para o lado e pensar que a cada 4 pessoas uma vai morrer no próximo ano e meio é duro.

Nesse cenário começou a pipocar anúncios de remédios milagrosos. E, claro, muitos interessados. Daniel Defoe, famoso por Rubinson Crusoé, escreveu bom informativo sobre a época onde narra esses acontecidos.

Esse comportamento não chega a surpreender. Mais de três séculos depois da Grande Peste de Londres, vimos falsos remédios serem alardeados e adotados em massa. A tiracolo tivemos também profecias, racionalizações esotéricas, rezas e folclores.

No final das contas cada pessoa trava sua busca. Nessa busca, uma estória é tão verossímil quanto é nossa depedência de que ela seja verdade.

Me diga o que você precisa que seja verdade e eu te digo no que você acredita.

 

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2020 foi sim um ano atípico para os mercados.

Seu impacto na minha vida é que vivi minha maior perda absoluta em março/abril, terminei o ano com uma das melhores performances da minha história e estou envolvido em situações que achei que não mais me envolveria, como ativismo e conselhos. Nós nunca sabemos o que nos espera.

Durante o ano cometi alguns grandes erros de avaliação. Os principais aconteceram na primeira metade do ano. Penso que iniciei a pandemia com o pé esquerdo tanto como investidor como quanto amigo. Mas penso também que me recompus.

A maneira que encontrei para crescer à ocasião foi me armar com velhos conhecidos. Conhecidos bobos como:

- Saúde é prioritário e pode ser conduzido com boa dieta, sono, exercício físico e ricas interações sociais.

- Eliminação de ruido e independência de julgamento baseado em fatos e dados

- Considerações de retorno sobre o tempo

- Agir em escala nas poucas e necessárias vezes. Não fazer nada o resto do tempo

- Comprar empresas que gosto quando estão baratas

Nada que eu já não tenha falado por aqui, não é mesmo?

 

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Meus amigos, vou deixar agora meu último conselho do ano.

É verdade que nosso mercado em 2020 trouxe lições. Mas lembre-se que 2020 é apenas UM ano. Um único ano. E que um único ano não significa tanta coisa assim quando investimos.

Ao longo da sua vida de investidor você vai passar por vários ciclos de mercado. Você vai notar, a exemplo do que vos digo agora, de que diferentes ciclos transmitem diferentes lições. E em muitos casos as lições são conflitantes.

Isso quer dizer que algumas lições que você acredita ter aprendido esse ano podem vir a te causar problemas se extrapoladas para os anos futuros. As coisas são desse jeito porque o mercado é dinâmico em seus ajustes finos.

Como investidores e seres humanos temos a tendência de atribuir grande peso para as experiências mais recentes. Então é importante separar as lições de 2020 que merecem sim um grande peso das lições que são mais particulares de um ciclo específico.

Da minha parte, eu acabo por me armar sempre com os velhos conhecidos de sempre, lembra? 

E sim, eles funcionaram também em 2020.

Armas comuns para anos extraordinários.


Um feliz 2021,

Don Black

Thursday, December 24, 2020

Como está o seu vaso?

 

Olá meus amigos!

O fim de 2020 está próximo. Infelizmente nossos problemas não vão embora apenas porque o calendário está chegando no dia 31 de dezembro. Os aspectos da vida não poderiam ligar menos para nossos ciclos temporais. Seja como for as pessoas tendem a ser mais reflexivas nessa época do ano. Vou portanto me aproveitar desse estado de espírito para começar com uma anedota:

Certo dia a professora chegou na sala de aula com um grande vaso de vidro.

De frente para a turma, abriu um saco cheio de bolas de golfe e jogou todas as bolas de golfe dentro do vaso de vidro. Virou para a turma e perguntou:

“O vaso está cheio?”

E a turma foi unânime em dizer que sim.

Então ela abriu outro saco, desta vez um saco de areia. Virou a areia dentro do vaso e aos poucos a areia foi preenchendo todo o espaço entre as bolas de golfe.

“E agora? O vaso está cheio?”

Mais uma vez um unânime “sim”.

“Pois então, o que isso tudo quer dizer?”

Ninguém soube responder. Nenhuma das crianças pareceu entender a mensagem da professora. No que ela explicou:

“Pois bem. O vaso representa o nosso tempo, limitado em seu tamanho. As bolas de golfe são nossas prioridades na vida. Depende de cada um, mas normalmente coisas como as pessoas que amamos, o cuidado com nossa saúde e grandes objetivos profissionais que traçamos para nós mesmos. A areia representa as pequenas coisas da nossa vida como assistir televisão ou discutir nas redes sociais.

Se eu tivesse começado colocando a areia, o vaso não teria espaço para as bolas de golfe. E é assim que funciona na nossa vida. Se você encher sua vida com pequenas distrações você não vai ter espaço para as prioridades. Então comece sempre pelas bolas de golfe!”

 

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"Eu não sabia que gostava de ler até o dia em que tive medo de não poder ler mais. Ninguém ama respirar.", Scout em O Sol é para todos

Eu não sei se as crianças entenderam a mensagem da professora. Talvez tenham entendido mas vão ignorar assim mesmo. Crianças não enxergam o tempo como sendo limitado. Poucas pessoas pensam no tempo como sendo limitado. Ou pelo menos, como diria Scout, não pensam nisso até que a noção da ausência os atinja na cabeça. Até lá é como se nosso vaso fosse infinito.

É claro que é importante que as coisas sejam um pouco assim. Alguém que se preocupasse demais com o tamanho do seu vaso viveria em uma prisão psicológica. Ela passaria todos os dias se despedindo de todos seus entes queridos. Ninguém a suportaria. Ou então gastaria suas energias e economias em prazeres imediatos. O Jorginho Guinle, que nem foi tão radical assim nas estimativas do seu próprio prazo de validade, errou por uns 15 anos e passou 15 anos sofríveis. Compare isso com Munger, que do alto dos seus 95 anos ainda investe para o longo prazo. Fascinante, não é mesmo?

A verdade é que todas as maiores conquistas humanas vieram de um esforço concentrado de longo prazo e é improvável que esse esforço fosse feito se as pessoas vivessem obcecadas com a idéia de que podem morrer no dia seguinte. Mas ao mesmo tempo também não seria feito se as pessoas vissem seus tempos como infinitos e então os desperdiçassem jogando areia nos seus vasos.

Como é quase sempre o caso, a resposta está no caminho do meio.

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Eu sou sempre muito vigilante sobre como ocupo o meu tempo. Faço todo o possível para não me envolver em esperas e reuniões vazias por exemplo. São situações de tempo gasto com baixíssimo retorno. Situações como essas devem ser afastadas.

Há muitos anos sou assim, o que ocasionalmente me proporcionou uma má - e, diria, injusta - reputação. Não é difícil tomar praticidade por rudeza. Mas se quer saber, vale a pena. Se o preço a pagar por um melhor uso do meu limitado tempo é ser interpretado como rude por alguém que pouco me conhece, então que seja.

Hoje em dia vejo o mundo com mais distrações. É verdade que para alguém determinado a encher seu vaso de areia sempre existiram distrações suficientes, mas é como se hoje em dia a areia fosse entregada em delivery. O acesso às vias da procrastinação nunca foi tão grande e fácil. Com forças pró-inércia tão grandes, é importante que sejamos ainda mais vigilantes.

Espero que nesse período de reflexão o leitor olhe para como está o seu próprio vaso e que consiga dedicar mais espaço para suas bolas de golfe.

Assim como vou fazer agora, encerrando esse post para passar o Natal com minha família.

 

Merry Christmas,
Don Black

Wednesday, November 25, 2020

A grande força do invisível


Meu tio era um degenerado. Contanto que estivesse acordado, Tio Joseph estava ou fumando ou bebendo ou vadiando. Não raro fazia mais de um por vez. Mais do que um adepto, Tio Joseph era grande entusiasta dos seus hábitos e achava que não havia outra forma de um homem de verdade viver.

“Donzinho, você é o mais próximo que eu tenho de um filho. Não vá virar um desses maricas e arruinar nosso nome. Homem de verdade bebe, fuma e é mulherengo!”

Com um conceito de “homem de verdade” tão discutível não é de se surpreender que minha mãe desaprovasse minha proximidade com Tio Joseph. Para seu absoluto desalento, a verdade é que eu venerava o Tio Joseph. Aliás, exceto pela minha mãe, todo mundo o venerava. Se escrevo dele hoje é por que a morte recente do Sean Connery me fez relembrar o Tio Joseph. Esse era o patamar da classe do Tio Joseph, o Sean Connery dos anos 60.

Num dia qualquer o Tio Joseph foi me buscar na escola. Não que precisasse. Pode parecer entranho para a geração do transporte escolar mas naquela época era comum as crianças irem a pé para casa. Ainda assim eu gostava quando o Tio Joseph ia me buscar. A gente sempre passava no bar Simpatia e eu tomava um frapê de coco enquanto Tio Joseph bebia alguma coisa e jogava conversa fora com o seu Sica português. Tio Joseph estava sempre tricotando com alguém.

Acontece que quando foi nesse dia nós não fomos no Simpatia. Ao invés disso Tio Joseph me levou em uma alfaiataria onde o funcionário me mediu dos pés a cabeça. Não era o tipo de programa que eu apreciasse muito. Quando então Tio Joseph me deixou em casa, eu fui bem direto:

“Tio, hoje a tarde muito chata!”

“É assim mesmo Don, nem sempre dá pra ter o bom sem ter o ruim antes.”

“Sei, e cade o bom?”

“Você vai ver no fim de semana. Sua roupa já vai estar pronta até lá.”

“E por que não posso usar a roupa que eu tenho?”

“Porque ninguém há de levar um maltrapilho a sério.”

“Tio, eu sou uma criança!” - e como toda criança há de testemunhar, crianças não costumam ser levadas a sério pelos adultos, estejam elas de pijama ou de traje de gala

“Pois bem, uma criança maltrapilha”

Chegado o fim de semana e Tio Joseph apareceu na loja do papai. Era lá onde eu passava a maior parte do tempo quando não estava na escola.

“Tudo bem se o Don passar o dia comigo?”, perguntou Tio Joseph

Fiquei na expectativa de que papai se apiedasse, mas sem maiores esperanças já que ele apreciava minha ajuda no trabalho. Para minha surpresa ele não fez objeções:

“Pode ser. Onde é que vocês vão?”

“No Jockey”, respondeu meu tio

 Fiquei radiante com a resposta mas me pareceu à época que Tio Joseph teria feito melhor em mentir. Largar o trabalho para ir no Jockey? Vi tudo ir por água abaixo.

Acontece que para minha felicidade o papai não tinha a mesma resistência ao Tio Joseph que mamãe tinha (nem ao Tio Joseph e nem ao Jockey, diga-se). Acho que em parte porque era seu irmão, mas em parte porque todo mundo adorava o Tio Joseph mesmo. Tio Joseph era magnético pra burro.

Só o que papai disse foi:

“E ele vai vestido assim?”

Mas que diabos! Qual é o problema com minha roupa???

“Meu alfaiate está nos esperando. Ele se troca lá.”

“Tudo bem então” - disse papai. E para minha absoluta surpresa completou: - “Aqui garoto, toma isso e não conta pra sua mãe.”

Papai pegou um tanto de dinheiro que guardava no bolso da camisa e me deu alguns merréis.

E eu, um péssimo avaliador da natureza humana, vi como as vezes as pessoas nos surpreendem.

***

Eu devo que confessar o quão bem me senti ao vestir meu terno. Era como se eu fosse um cidadão de primeira classe, como o filho do presidente ou coisa parecida. Se por algum viés de confirmação ou não, achei mesmo que os adultos estavam a me levar mais a sério. É possível que estivessem mesmo, já que adultos são sempre muito sensíveis a aparências.

Uma vez no Jockey compreendi o problema com minha velha roupa. Nunca antes houvera visto tamanho número de gente tão bem apanhada. Tal é a força do relativo que àquela altura eu já nem me sentia mais tão importante assim com o meu terno.

Tio Joseph acenava e falava com deus e o mundo. Mais parecia político em campanha já que até bebê ele pegava no colo. Meu pai dizia que esse era o trabalho do Tio Joseph, falar com os outros. Minha mãe dizia que ele era um vagabundo com sorte. É engraçado como podemos construir versões tão diferentes de uma mesma realidade. Tudo o que importa é que a narrativa se encaixe naquilo que acreditamos.

O fato é que o Tio Joseph era abastado. Olhando assim de longe parecia mesmo que ele não fazia muita coisa. Eu por outro lado vivia ocupado. Entre escola e a loja do papai lá se ia 90% do meu tempo. Apesar disso eu não conseguia juntar muito dinheiro. Vá lá que eu ainda era muito jovem mas ainda assim me parecia um terrível equilíbrio entre esforço e recompensa.   

Não é de se admirar que eu visse no Tio Joseph um modelo de trabalho, ainda que não soubesse bem qual trabalho era esse.

***

Tio Joseph pareceu concentrar suas atenções em um sujeito de uma tremenda força de presença. Parecia mesmo o dono do mundo. Eu da minha parte não estava disposto a ficar parado por horas falando com o dono do mundo, fosse ele quem fosse. Então sob a benção do meu tio eu fui passear pelo clube. Tudo muito bonito e grandioso, eu estava impressionado.

Quando finalmente voltei Tio Joseph ainda estava no mesmo lugar e conversando com a mesma pessoa, o dono do mundo. Nem minha tia viveu tempos de tanta exclusividade assim. Então o dono do mundo virou pra mim e perguntou:

“E você garoto, que tal uma aposta no próximo páreo?”

“Sério?! Eu posso apostar?”, e olhei para o meu tio

“Sozinho você não poderia mas comigo tudo bem.”

E então ele me passou um papel com os páreos:

“Em quem você vai apostar?”, perguntei meio perdido

“Vou apostar no cavalo do Nélio” - respondeu e fez com a cabeça na direção do dono do mundo - “O nome do cavalo é Old Apollo.”

O papel com os páreos era complicado. Eu não entendia muita coisa. Quando finalmente me dei conta, vi que o Old Apollo não ia mudar muita a minha vida ainda que ganhasse.

“Não é melhor apostar em um que me dê mais dinheiro se ganhar?”

“Don, o problema de apostar contra os melhores é que os que ganham sempre arrumam um jeito de seguir ganhando. As vezes é melhor ganhar menos ao lado do melhor do que colocar suas esperanças em um pangaré.”

Não lembro se as palavras foram exatamente essas mas a mensagem foi. E Tio Joseph passou essa mensagem com muita propriedade, para felicidade do Sr. Nélio e minha absoluta confusão.

Até cinco minutos atrás eu achava que não poderia apostar e estava tranquilo com isso. De repente fiquei muito feliz ao saber que poderia apostar. A felicidade durou dez segundos e agora lá estava eu, consumido pela ansiedade por ter que escolher um cavalo e sem fazer idéia de como. Uma montanha russa de emoções.

Acontece que o Tio Joseph ia todo santo dia no Jockey, então achei que seria boa idéia seguir seus ensinamentos e apostei o dinheiro que papai me deu no Old Apollo.

A corrida durou uns 2 minutos e apostar no Old Apollo foi a melhor coisa que eu fiz, por aproximadamente 1 minuto e 50 segundos. Isso porque nos 10 segundos finais um cavalo escuro que passou a corrida toda na mediocridade do pelotão de trás achou que era boa idéia assumir a liderança. Eu acho que nunca vi um animal correr tanto. O infeliz parecia estar fugindo de um leão. Disparou, ganhou a prova e com isso levou meu dinheiro.

Levou um tempo até eu parar de ter raiva desse cavalo. Aliás, eu fiquei com muita raiva de todos que estavam torcendo por ele também. Até do Old Apollo eu estava com raiva, o que é muito interessante porque por 1 minuto e 50 segundos ele foi o centro das minhas atenções e o ser vivo que eu mais amei no mundo.

Outro problema é que eu ia ficar ali no Jockey por mais umas duas horas e como eu tinha perdido meu dinheiro, seriam duas longas horas. Me pareceu muito desagradável ficar no meio de tanta gente chique, em um ambiente com tantas apostas e emoções, e não ter nenhum tostão furado. Então eu surgi com uma idéia muito boa, que era a de ganhar a próxima aposta. A única questão era arrumar dinheiro para fazer isso:

“Tio, você pode me emprestar um dinheiro?”

“Pra que?”

“Pra eu apostar no próximo páreo.”

“Pois aposte com o dinheiro que seu pai te deu, oras.”

“Isso não vai dar.”

“Por que?”

“Por que eu já apostei no Old Apollo.”

“Tudo??”

“Claro, você mandou apostar!” – falei isso na maior sinceridade do mundo. Eu estava mesmo magoado com meu tio e convicto de que a culpa era dele.

“Eu nunca disse isso”

“Tanto faz. Você vai me emprestar?”

“E você vai me pagar?”

“Vou.”

“Como?”

“Quando eu ganhar eu te pago e fico com o resto.”

“Ah Deus, que bom plano!”

“E então?”

“Eu acho que por hoje está bom, Don”

“A culpa foi sua que mandou eu apostar no melhor!”

“Eu não estava falando do cavalo.”

O Tio Joseph não me emprestou mais dinheiro para apostar.

Mas foi gentil o suficiente para pagar pelo meu consumo no clube. Então eu comi e bebi o máximo que pude, para puni-lo.

A noite eu passei mal por conta desses excessos. Por causa disso a verdade sobre minha ida ao Jockey veio a tona para mamãe. Apesar de ter ficado muito irritada, ela estava muito mais preocupada com minha saúde. Mães são assim.

Apesar disso, mamãe nunca soube que papai me deu dinheiro e que Tio Joseph me deixou apostar. Achei por bem omitir. Pais e tios são assim.

Antes de me deixar em casa Tio Joseph perguntou quanto papai havia me dado, eu respondi sem mentir e ele me devolveu até um pouco a mais.

Três meses depois do episódio Tio Joseph abriu um estabelecimento na Praça Mauá em sociedade com o Sr. Nélio. Fez muito sucesso.

Demorou até eu entender mas a verdade é mesmo que Tio Joseph nunca esteve falando de cavalos.

***

Me lembro de algum material sobre Buffett que detalhava sobre sua rotina diária. Talvez tenha sido uma matéria ou talvez o livro Snowball. Eu já li muitas coisas de Buffett então é difícil saber ao certo.

Nesse material Buffett fala sobre seu vício em leitura. Entre livros, jornais e relatórios está a noção de que Buffett ocupa cerca de 80% do seu tempo lendo. Talvez tenha sido daí que surgiu a idéia de que ele lê 500 páginas por dia.

As pessoas se apegaram muito nessa questão da leitura. Ler é sem dúvidas transformador.

Mas um outro ponto importante da matéria passou em branco dos olhos desatentos. O outro ponto é sobre a quantidade de tempo que Buffett passa ao telefone. São algumas horas por dia. Como Buffett é muito consciencioso com seu tempo – evitando reuniões e encontros bobos – é se de supor que o tempo que passa ao telefone é com um seleto grupo de pessoas.

O público prestou menos atenção a essa faceta de Buffett do que deveria. Ninguém constrói nada sozinho. A constante interação com um seleto grupo de pessoas próximas paga muitos dividendos, não apenas financeiro. É um excelente retorno sobre o tempo investido.

Tio Joseph entendia bem disso. Talvez até demais.

***

O Twitter é interessante. Pessoas me fazem diferentes perguntas, muitas das quais não relacionadas com investimentos. Dia desses fui perguntado sobre a mais dura lição que aprendi. Aceitação é o nome da lição.

O Tio Joseph foi minha primeira classe em aceitação. Ele partiu cedo demais. Eu nunca tinha perdido alguém até ali. Eu era novo então essa conversa sobre fragilidade da vida nem passava pela minha cabeça.

A verdade é que são muitas as coisas que não podemos mudar. E das que podemos, se realmente queremos mudar, precisamos nos focar em poucas. Então a aceitação é uma condição para a felicidade.

Aprender a aceitar o que está fora do nosso controle é uma escolha que requer dedicação. É difícil. Mas a opção, a não-aceitação, é grande fonte de angústia e frustração.

Como diz o ditado: “hard choices, easy life”. Ou ao menos “easier”.

 ***

Tio Joseph morreu por complicações de uma cirurgia de apêndice. Até hoje tenho calafrios com essa questão de cirurgia de apêndice. Quando um afilhado meu teve uma crise de apendicite recente e teve que fazer uma cirurgia as pressas eu fiquei apreensivo pra burro. Eu fiquei mais apreensivo do que os próprios pais. É difícil superar velhos traumas.

É claro que as cirurgias hoje avançaram muito em relação ao que foi a época do Tio Joseph. Assim é o mundo, ele anda para frente. A questão é que esse caminhar não é rápido o suficiente para fazer manchetes diárias de jornais.

No dia seguinte a morte do Tio Joseph as condições cirúrgicas eram as mesmas de quando ele ainda estava vivo. E no dia seguinte também. E no outro também. Ou pelo menos assim nos parecia.

Mas a verdade é que longe dos holofotes do grande público um batalhão de profissionais dedicava a vida a melhorar isso tudo. E décadas depois cá estamos, com tecnologias que levaram a procedimentos mais seguros. Tudo construido no esforço imperceptível do passo a passo.

Eu acho isso tudo fantástico. Com a idade que tenho hoje é provável que já estivesse morto se tivesse nascido há tão somente duas gerações atrás. A expectativa de vida era muito mais baixa, mesmo ajustando para a questão da redução da mortalidade infantil. Aposentadoria é um luxo recente. As pessoas saiam do trabalho para o cemitério, sem esse lance de curtir a vida na terceira idade. Apenas mais um luxo criado pela força do esforço compounded.

Seja onde for, nunca subestime a força do compounding. Nas relações pessoais ou nos investimentos. No avanço tecnológico e científico.

A grande transformação acontece longe da televisão e dos jornais. A grande transformação acontece sem você ver.

O mundo nunca foi tão bom quanto hoje.

O mundo será muito melhor amanhã.

Be grateful!

 

Happy Thanksgiving,

Don Black

 

Wednesday, November 11, 2020

Analisando os analistas: as recomendações e as casas de Research

Vejam só como as coisas se apresentam. Expliquei em um post recente sobre como eu acho chata a atividade de dar recomendações. Escrevi também que fico feliz que algumas boas pessoas não compartilhem dos meus gostos e então dediquem suas vidas a dar recomendações*. Fato é que lendo isso, o que alguns visitantes desse humilde blog fizeram? Me pediram recomendações de pessoas que dão recomendações de ações!! Esse, meus amigos, é o estado da coisa.

Eu raramente leio algum relatório de sell-side. Sequer saberia dizer a última vez que li um. Casualmente folheio algum em busca de dados primários como informações de indústrias. Fica claro então que não sou dos mais gabaritados para recomendar alguém ainda que eu quisesse. O que não me impede contudo de pensar um pouco nessa indústria das casas de research e rabiscar sobre elas.

Olhando para os clientes, a questão com as casas de análise é que ninguém está interessado em análise. As pessoas querem saber o que fazer. Elas querem recomendações. Qualquer casa de análise iria a falência caso sua clientela fosse restrita aos interessados em análise e pesquisa.

É possível argumentar que esse é um detalhe.

“Ora, se os clientes querem recomendações é só a casa de research recomendar! Afinal de contas, são profissionais do mercado que já fizeram a análise da empresa mesmo.”

Pois bem, e o que ela vai recomendar? Ela vai recomendar uma compra ou uma venda baseada em um preço alvo? Qualquer investidor sabe que isso não é recomendação de nada. A título de entendimento, entremos agora nos pormenores hipotéticos da vida de um recém assinante.

Suponhamos que você receba um relatório da sua casa de research sobre uma empresa X. A empresa X está sendo negociada a 5 reais e tem preço alvo de 15 reais.

“Ótimo, vou comprar!”

Quanto comprar? Você olha e o relatório não diz nada sobre isso.

Mas você sabe que as últimas recomendações renderam bons frutos. Você lembra também daquele anúncio no Youtube que te fez assinar os relatórios:

“Quem seguiu nossa recomendação de Maio e comprou a ação Z, triplicou seu patrimônio em apenas 6 meses!”

Como não assinar, não é mesmo? Ainda mais quando a pessoa que triplicou o patrimônio é uma bela e carismática loira de 20 anos.

De posse dessas "conclusivas" informações você faz o que qualquer pessoa razoável faria no seu lugar e compra tudo o que pode na ação X. Quem sabe você não vira o garoto propaganda do vídeo que vai passar no Youtube daqui a seis meses?

Agora você recebe todo dia algum relatório novo na sua caixa de mensagem. Um relatório, uma notícia, uma live e por aí vai. É fantástico, os caras trabalham sem parar! Você agora é parte desse mundo frenético que é o mundo dos investimentos.

Alheio a ironia da coisa toda, só o que você consegue pensar é o seguinte:

“Essa filosofia do tal Warren Buffett que essa casa de research fala que segue é boa mesmo. Em apenas uma semana eu recebi 200 e-mails, não li nenhum balanço e minha ação já está subindo 20%.”


“Eu não leio nenhum relatório de analista. Se eu li algum foi porque as páginas de humor não estavam disponíveis. Eu não sei porque alguém lê isso.”, Warren Buffett, 2003

 

Então alguns dias depois você abre um relatório sobre uma nova empresa que chama sua atenção. É sobre a empresa Y. Ela esta com preço atual de 10 e preço-alvo de 50.

Você olha para a empresa X que você tem na carteira. Sim, ela está indo bem. Mas ela já está mais perto dos 15 reais do que quando você comprou. O potencial da empresa Y é muito maior!

“Esses caras são demais, eles não erram! Todo dia eles mostram lá no Twitter o foguetinho 🚀, sempre uma alegria. Não é por menos, eles seguem o velho bilionário Warren Buffett!”

Agora você analisa suas possibilidades. A ação que você tem vai triplicar e a que você não tem vai quintuplicar. Moleza! E dessa maneira você vai e troca tudo para a ação Y.

Um mês depois e a ação Y é o foguetinho da vez. Já dobrou! Até que um desacorçoado investidor de uma gestora resolve escrever quinhentas páginas falando mal da empresa Y. O desgraçado praticamente escreveu “Os Lusiadas” do short em Y!

Você poderia ler as quinhentas páginas. Ou você poderia simplesmente abrir os relatórios anuais para aprender sobre a empresa.

“Bobagem, pra que eu ia fazer isso? Seria como contratar uma faxineira e eu mesmo limpar a minha casa. Além do mais os caras não erram uma. Eles seguem o velho Buffett. Vou ver o que eles estão falando.”

Você lê o relatório atualizado da sua casa de análises e mergulha no poço de sabedoria que é o Twitter. Pronto! Em uma hora e você já entendeu tudo: a ação Y é maravilhosa e o gestor é apenas um invejoso que está vendido na ação e precisou praticamente reescrever o Novo Testamento cheio de abobrinhas para tentar influenciar todo o mercado e reduzir a perda do seu short.

Não há então outra coisa a fazer a não ser manter a empresa Y (que agora tem upside muito maior do que 5x) e, pudera, comprar um pouco mais.

Seis meses se passam e a ação Y agora já caiu uns 80%. Parece uma boa hora de questionar a turma que te vendeu as recomendações. E então você é confrontado com duas informações na resposta recebida:

  1. Investimos para o longo prazo, assim como Buffett.

  2. Não era para comprar a carteira toda em ações da empresa Y.

A essa altura sua paciência com Warren Buffett já não está lá grandes coisas.

“Não satisfeito em vir com esse papo de longo prazo esse velho sem vergonha ainda fez a gentileza de escrever para o mundo inteiro ver que não tinha nenhum interesse na minha ação.”

E sobre a segunda questão só o que você consegue é se lembrar daquelas propagandas no Youtube que fazem questão de interromper todos os seus vídeos até hoje.

“Se não é pra comprar tudo da recomendação como então essa loira desgraçada conseguiu triplicar o patrimônio em seis meses seguindo a tal recomendação?”

Você está transtornado!

Você olha para a loira e só pensa no canto da sereia. Você ouve o termo "longo prazo" e só pensa que é uma justificativa barata.

Você pode não saber na hora mas tem uma coisa boa nisso tudo. 

Na verdade tem uma coisa muito boa.

Você está começando a entender o que é investir.

 

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Investir é sobre dimensionar as posições dentro de uma carteira orientada por uma estratégia que reflete as necessidades e visões do investidor. Em outras palavras não existe recomendação de investimento sem:

  1. Composição da carteira

  2. Comunicação clara sobre a estratégia da carteira

Quem quer recomendação tem que fazer questão desses dois ai de cima. Não existe meio termo aqui. Relatório com preço alvo jogado ao vento não é recomendação. É pra ação entrar no portfólio? É pra sair? No lugar de quem? Com qual peso?

Casas de análises usam do dimensionamento seletivo para atrair clientes e se livrar de responsabilidades. Quando a ação é dizimada, o investidor deveria ter diversificado. Quando a ação dispara, é apenas nossa recomendação que triplicou.

Quantos clientes eles ganhariam se o vídeo do Youtube fosse assim:

“Quem seguiu nossa recomendação de Maio e colocou a ação Z na carteira, viu a ação contribuir com 3% para o portfólio em apenas 6 meses!” 

Afinal de contas a ação Z era uma ação de alto risco e o dimensionamento escolhido foi modesto.

Pode ser esta uma mensagem honesta e profissional.

Mas é também o maior inimiga do publicitário!

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Só existe uma maneira de dar recomendações e comunicar o valor da casa de análise de forma honesta, profissional e que não dificulte tanto assim a vida dos publicitários.

Essa maneira é ter uma carteira sugerida tão boa que não fique nada a dever nas propagandas.

O vídeo do Youtube agora é o seguinte:

“Quem seguiu nossa carteira desde maio triplicou seu patrimônio em apenas 6 meses.”

Não precisa ser um gênio para ver que uma casa de análise capaz de recomendar uma carteira tão vistosa mudaria de ramo em um piscar de olhos.

Porquê? Porque o economics de uma boa gestora é muito superior ao de uma casa de análise!

E olha que nem precisa ter um fundo tão vistoso a ponto de triplicar o patrimônio em 6 meses.

As pessoas mais capazes de dar uma boa recomendação de investimentos estão ocupadas gerindo fundos de alta performance. Ou investindo seus próprios recursos, também com alta performance.

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Eu me lembro da história de um garoto que era um jogador de basquete tremendamente habilidoso. Foi bem no basquete universitário e hoje em dia é uma estrela do basquete de rua. Ele passa a vida viajando pelo mundo, desafiando todo tipo de gente para 1v1 em quadras de rua. Dá espetáculo e ganha de todo mundo, um atrás do outro.

Um dia perguntaram para um treinador famoso por que o rapaz não estava na NBA. A resposta do treinador foi essa:

“Quem é bom o suficiente para estar na NBA, está na NBA.”

O nosso caso não é muito diferente. Quem é bom o suficiente para ter uma carteira escalável de alta performance vira gestor.

Existem exceções, claro. O LAPB por muito tempo teve apenas sua carteira exclusiva. Mas foi puramente uma política de vida. O LAPB não passava os dias fazendo propaganda e escrevendo relatórios. O LAPB não era um caçador de assinaturas.

Por mais duro que possa soar, penso que se você busca recomendações de investimentos você fará melhor uso do seu tempo e dinheiro se simplesmente investir em um bom fundo.

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Isso não quer dizer que as casas de análise não sirvam para nada. Eu não sou tão radical quanto Buffett nessa questão. Acho mesmo que elas podem ser úteis se o assinante tiver o mindset adequado.

Para o iniciante interessado em aprender os relatórios tem valor educacional. Eles servem como bons pontos de partida para entender como os profissionais navegam pelos números ou até para aprender sobre um nova classe de ativos. 

Para outros pode servir como fonte de dados primários, já que as casas tem acesso a dados que não estão facilmente disponíveis para o investidor comum.

Quem especula também pode encontrar oportunidades nos serviços das casas de análise. Há alguns anos atrás fundos quantitativos perceberam a oportunidade de operar as recomendações assim que elas eram publicadas. Como era de se esperar, essa oportunidade foi arbitrada e já não existe mais. No Brasil talvez ainda exista oportunidades assim. De preferência dentro da legalidade.😂

Mas seja como for é importante alinhar as expectativas. Não espere por recomendações de investimentos. Analistas não são investidores. Ainda que tenham boa intenção, eles não vão poder te ajudar. A distância entre analisar e investir é a mesma entre ler o manual da auto-escola e pegar o carro para dirigir. Por isso não é incomum vermos bons analistas que são péssimos investidores. Mesmo assets tem grandes analistas que são péssimos investidores.

No final das contas você vai precisar dirigir seu próprio carro. Você vai ser o responsável por avaliar o risco/retorno das ações e dimensionar a posição no portfólio. Isso vai muito além de analisar uma empresa.

Você vai ser o responsável por desenvolver o impulso da atividade quando alguma coisa precisar ser feita e a quietude da inatividade quando o melhor a se fazer for ficar parado. Isso também vai muito além de analisar uma empresa.

Você vai precisar desenvolver as habilidades que nem os analistas tem. Você vai precisar se esforçar.

E se você não está disposto a fazer isso, apenas procure por um bom fundo.

Stay cool,

Don Black


*eu deveria ter escrito isso de forma diferente, passando a mensagem de análise no lugar de recomendação. 

Friday, October 23, 2020

WEGsla, o foguete brasileiro

 Sextou!

É assim que a moçada fala quando chega na sexta-feira. Aprendi no twitter. Falando em twitter, ocorre que postei uma opinião sobre a WEG por lá. Foi uma ligeira opinião porque afinal de contas o propósito do twitter é ser ligeiro. Um tuite é um rabisco do rabisco.

Eis que alguns gatos pingados me enviaram mensagem pedindo para eu escrever sobre a empresa. Eu achei merecido porque a WEG é um bela empresa e tudo o que é belo merece ser compartilhado para apreciação. Ou quase tudo.

Enfim, tudo começou no início da década de 60 quando três amigos da pequena cidade de Jaraguá do Sul em Santa Catarina resolveram unir forças. Os fundadores são importantes demais para não terem seus nomes citados. São eles Werner Ricardo Voigt, Eggon João da Silva e Geraldo Werninghaus. Com habilidades complementares (eletricista, mecânica e administrador) tocaram a produzir motores elétricos.

Ainda nos anos 70 e os motores WEG já estavam espalhados pelo mundo. Escritório na Alemanha, construção do novo parque fabril, hum milhão de motores vendidos para mais de vinte países ao todo. Essa era a WEG nos anos 70, quando o Pelé ainda jogava bola!

Na década de 80 a WEG diversificou seus negócios e passou a fornecer soluções completas para sistemas elétricos industriais. Criou as áreas de Acionamentos, Energia, Transformadores, Química e Automação. Nos anos 90 a WEG internacionalizou de vez com a criação de múltiplas filiais ao redor do mundo. A essa altura a WEG já era uma empresa brasileira com boa parte das suas receitas fora do país.

Nos anos 2000 a internacionalização da WEG deixou de ser apenas nas representações comerciais, e fábricas foram abertas na China, Argentina e México. Tudo isso além de uma intensa atuação no mercado de aquisições ao redor do mundo.

Hoje em dia a WEG está empenhada no seu ecossistema WEG Digital Solutions.

“WEG Digital Solutions é um ecossistema que conecta e integra equipamentos e sensores, capaz de coletar e armazenar dados e transformá-los em informações que tornam possível monitorar, controlar e automatizar operações, realizando análises em tempo real.”

A WEG Digital Solutions é a WEG na fundição de digitalização com processos industriais tradicionais. É a WEG na Indústria 4.0, que une colheita e análise de dados para integrar máquinas industriais em processos inteligentes.

As vantagens potenciais da Indústria 4.0 são várias e vão de ganhos de eficiência para a empresa até melhoria das práticas de sustentabilidade. É disso que a WEG quer fazer parte.

Como minha narrativa até aqui se assemelha com um encarte promocional, aproveito para deixar um videozinho corporativo mostrando como funciona essa tal de Indústria 4.0:

https://youtu.be/GPXuY0NjaHM

Agora antes de nos iludirmos com as maravilhosas possibilidades que a Revolução Industrial dos Jetsons vai trazer, vamos nos concentrar no que a WEG é hoje.

A WEG faz parte do seleto rol dos tupiniquins que conquistaram o mundo. Global, vende para mais de 130 países e conta com mais de 90 distribuidores ao redor do mundo


Hoje uma boa parte da sua receita vem da Europa e dos Estados Unidos. A maior parte ainda vem do Brasil mas essa contribuição nacional diminuiu bastante ao longo da década.



Uma explicação decepcionante seria se a receita brasileira estivesse caindo mas para  a felicidade dos Weggers (que é como me refiro com carinho ao fã clube da companhia) não foi isso o que aconteceu. A WEG cresceu suas receitas internas a 10% aa nos últimos dez anos.


Uma explicação alternativa seria um crescimento explosivo nas vendas externas. Isso teria deixado os Weggers em polvorosa! Muito embora a WEG tenha crescido lá fora não foi nada tão explosivo assim. Um 8% aa nas vendas em dólares nos últimos dez anos.


O que aconteceu então? Aconteceu que essa receita externa tem uma outra cara quando transformada para a moeda da peble, o real brasileiro. Em reais o crescimento no mesmo período foi um generoso 18% aa.


Existem infinitas maneiras de lidar com empresas que tem receitas espalhadas pelo mundo. A maioria delas complicadas. A praxe de toda indústria é complicar porque é complicando que valorizamos nosso ofício, não é mesmo? Imagine o jurídico sem o juridiquês!

Não obstante o meu ofício é investir meus recursos. E para isso eu preciso simplificar. Imagine ser acionista da Coca Cola e contabilizar cada moeda onde se vende uma garrafa? Isso sem falar nos custos, que também são espalhados em diferentes moedas. Então se você quiser ir por um caminho sombrio do tipo calcular peso de equity risk premium por país de operação para usar em custo de equity e blábláblá, fique a vontade!

O que eu vou fazer? Eu vejo que o crescimento de 10% é razoável para uma industrial desse porte e sigo em frente. Me sinto confortável com esse nível para uma empresa no estágio da WEG mesmo sabendo que parte do crescimento não foi orgânico. O crescente goodwill nos dá uma idéia da atividade da WEG no mercado das aquisições.



Aquisições devem sempre ser vistas com alguma atenção. Elas fazem parte do pacote de alocação de capital onde tantos executivos fracassam. Alguns por incompetência, outros por prioridades pessoais. Industrials requerem cuidados adicionais pois muitas empresas apelam para grandes aquisições no afã de compensar o baixo crescimento característico da indústria.

Mas aquisições não são ruins por definição. Um caso brasileiro que tenho acompanhado de longe é o da Magazine Luiza que vem fazendo interessantes aquisições pontuais. E esse também parece ser o caso da WEG que fez boas aquisições de pequenas empresas em nichos de mercado e com linhas de atuação coerentes com o big picture da WEG. As recentes aquisições na direção da Indústria 4.0 são bons exemplos.

A WEG me pareceu bastante consciente em relação a importância dos resultados em relação a base investida então não é surpresa que sejam criteriosos com aquisições. Além disso e apesar de ser uma industrial, também sempre manteve níveis confortáveis de endividamento.



Há algum tempo que leio sobre a WEG entre os colegas do twitter. Se demorei para olha-la foi em razão de, entre outras coisas, eu não me sentir atraido por industrials. Contudo, o caso da WEG não é dos piores. Muito embora seja uma industrial, a WEG faz parte de um setor onde é possível almejar uma maior diferenciação nos seus produtos. E eu não tenho dúvidas de que a WEG conseguiu. Na indústria em que está, seus retornos só são alcançados com consistente eficiência de operação e produto superior.

Para os mais céticos, uma última mostra da eficiência da WEG está nas receitas geradas pelo seu imobilizado líquido. Empresas como a WEG são muito dependentes da sua base de ativo tangível para produzir seus produtos. São as típicas empresas da velha economia. Por isso gosto de observar esse número. E de novo a WEG não decepcionou.



Agora vou observar a gestão do capital de giro da WEG. Eu quero saber a idade do estoque da WEG porque não é raro ver industrials, em face dos seus altos custos fixos, produzirem mais do que são capazes de vender apenas para manter as fábricas ocupadas. E estoque empilhando nunca é bom sinal.

Além do mais vou ver também se a WEG não está aumentando suas vendas as custas de prazos longos para seus clientes. Um aumento no prazo médio de recebimento para 2020 seria aceitável. Estamos em um ano atípico onde muitos contratos foram revisados e flexibilizados. Mas não quero ver nenhuma forte aceleração de tendência.


Aqui também nada alarmante. A verdade é que esse rabisco já está ficando grande demais e para onde eu olho eu vejo na WEG uma boa empresa. Política de aquisição, retornos sobre capital investido, níveis de endividamento, margem do negócio, crescimento da receita, gestão do capital de giro, níveis de utilização et cetera. Tudo no seu lugar.

A empresa tem uma belíssima operação. Quem diria que uma empresa de capital intensivo e tecnologia nasceria de uma pequena cidade brasileira e ganharia o mundo? No minimo é improvável. Para aqueles mais patriotas dá para dizer que é um motivo de orgulho para os brasileiros. A WEG é sem dúvidas uma empresa superior dentro da sua indústria.

A execução ao longo dos anos foi muito bem feita com a entrada em novos mercados e a ampliação na oferta de produtos. Não só ampliação como também evolução dos produtos. A WEG direciona 2.5% da receita para pesquisa e desenvolvimento, o que hoje dá uns 350 milhões de reais. É um custo que tem que ser visto como investimento para uma empresa como a WEG. Tudo feito com propósito, dentro de um plano coerente e com atenção nas métricas de rentabilidade.

Olhando para a frente, a Indústria 4.0 pode sim abrir novas possibilidades para a WEG. Até pelo potencial de substituição que isso traria para a própria base instalada dos produtos WEG. Mas por agora essa é uma realidade ainda longe de uma adoção em massa. Muito longe.

O grande porém da WEG então fica apenas no seu preço. Pois é, sou do grupo que acha que a WEG está cara. Na verdade eu acho que a WEG está muito cara. Merece um prêmio para seus pares, disso não há dúvidas. Mas é uma empresa com limitado potencial de crescimento e expansão de margem, em uma indústria ruim. Com uma dose de generosidade e seu preço justo seria na casa dos 50 reais.

Eu sei que isso não agrada aos Weggers. É possível que eles apontem para o quão errado eu estive daqui a um ano. Um lado de mim ficaria feliz se isso acontecesse porque a WEG é uma boa empresa e gosto de ver a prosperidade das boas empresas. Mas ainda que eu esteja errado na minha avaliação de preço justo, é improvável que eu esteja errado quando digo que não há margem de segurança em uma entrada a 80 reais.

E no final das contas, isso é o que importa.


Stay cool, Weggers!

Don Black