Thursday, June 27, 2019

Fontes de Moat


Esse post vai ser o segundo da sequência que falo sobre moats. No primeiro, que pode ser lido aqui, o foco foi na definição do conceito. Já nesse post de hoje vou listar as diferentes fontes de moat. É justo dizer que essa lista varia de investidor para investidor, mas também é verdade que todas as listas são muito parecidas. Pode ter uma diferença na forma como se agrupam os diferentes atributos ou nos nomes dados aos atributos mas no fim é tudo igual.

Para refrescar a memória, moats são atributos estruturais que permitem que um negócio tenha altos retornos sobre capital por um longo período de tempo. Esses atributos protegem a empresa da concorrência por que são muito difíceis de serem replicados e atacados. Indo ao ponto, esses atributos são:

1. GOVERNO

Licenças governamentais e concessões públicas são fontes de moat a medida que criam grandes barreiras para a concorrência.

Imagine a cena: chegou o tão aguardado feriado e você pega o carro para viajar com sua família. Quando chega a hora de pagar pedágio você vê que cada cabine de pagamento cobra um valor diferente. Como o serviço é simplesmente passar por uma cancela e seguir na mesma estrada, todo mundo resolve ir para a cabine mais barata. Em determinado momento a cabine mais barata tem muita fila e passa a valer mais a pena pagar um pouco mais e ir pra outra cabine. A essa altura a diferença de preço já não é mais tão grande assim, já que todas as cabines estão em guerra para atrair clientes.

Enfim, esse é um cenário que não acontece. Não acontece por que todas as cabines pertencem a uma mesma empresa; empresa esta que ganhou alguma licitação lá atrás e por isso o governo se assegura de que nenhuma outra concorrente vai poder explorar aquela estrada pelo tempo da concessão.

A mão do governo também aparece em uma série de licenças e certificações que são exigidas para atuar em determinadas indústrias. Como a obtenção dessas permissões gastam tempo e dinheiro, a barreira para novos entrantes aumenta.


2. PATENTES

As patentes são barreiras legais que bloqueiam a participação da concorrência. Muito comum nas indústrias farmacêutica e de tecnologia, a patente garante à empresa exclusividade na exploração de um produto ou idéia por um determinado tempo.

Existe uma velha crítica social envolvendo as patentes. O que se argumenta é que elas evitam a concorrência e, consequentemente, evitam também preços mais baratos para os consumidores em produtos essenciais. Ainda que tenha algum mérito, a verdade é que as inovações sequer chegariam ao mercado sem as patentes. Isso por que elas permitem que o inovador ganhe um retorno adequado sobre o capital investido em pesquisa e desenvolvimento. Sem as patentes, as empresas não teriam incentivos para inovar. 

3. NETWORK EFFECTS

Ou efeitos de rede. É um dos meus favoritos! O efeito de rede existe quando o valor do serviço/produto cresce a medida que mais pessoas utilizam o serviço/produto. É o caso de empresas como Visa, Uber, iFood e Facebook.

A beleza do efeito de rede é que cada novo nó faz com que o número de potenciais conexões na rede cresça exponencialmente. Uma vez alcançada a massa crítica, o crescimento de uma empresa que conta com efeito de rede é vertiginoso, tornando-a dominante em sua indústria. 

O efeito de rede é uma fonte de moat por que uma empresa concorrente, com suas poucas conexões, não consegue gerar o mesmo valor para quem usa. E como já existe alternativa, fica mais difícil para essa concorrente atrair clientes ou usuários. Pense no seguinte: você acha que seria fácil atrair um usuário do Instagram para a sua recém-criada e desconhecida rede social de postagem de fotos?

4. CUSTO

A vantagem de custo é uma das fontes de moat mais comum. Significa ter a capacidade de operar a um menor custo de forma a poder vender a preços mais baixos do que os concorrentes e, assim, eliminar a competição.

Vantagens de custo podem vir desde eficiências operacionais até economias de escala. Na crônica sobre o Sam Walton eu falei sobre como o Walmart avançou nas pequenas cidades americanas até eventualmente atingir os grandes centros. O alto número de lojas e vasta rede de distribuição deram grande poder de barganha para o Walmart negociar com fornecedores e repassar os descontos para seus clientes. Não foi a toa que, sem poder competir em preço, muitos varejistas menores acabaram quebrando nas cidades onde o Walmart chegou.

5. MARCAS



“nós nunca vamos criar alguma coisa valendo 2 trilhões de dólares a partir da venda de uma bebida genérica. Sendo assim, nós temos que fazer do seu nome, “Coca-Cola”, uma marca forte e legalmente protegida.” – Charlie Munger

Marca é uma outra fonte de moat que explorei em post anterior, dessa vez quando falei sobre a Disney. Quem nunca esteve em dúvidas na hora da compra e acabou escolhendo um produto apenas por que era de uma marca conhecida?

Um dos investimentos mais icônicos de Buffett e Munger foi a See's Candies. A See's Candies é uma famosa marca de chocolates americana, uma espécie de Kopenhagen da Califórnia. Segundo Buffett, na Califórnia todo mundo tem alguma lembrança especial sobre a See's Candies. Então não é surpresa que quando chega uma data como o Dia dos Namorados ninguém deixa de comprar uma caixa da See's Candies para comprar o chocolate de uma marca genérica.

É importante que o investidor não caia na armadilha de achar que basta uma marca ser famosa para ela ser um moat. Ser conhecida é uma condição necessária porém não suficiente para uma marca ser um moat. É preciso que a marca tenha força para afetar o comportamento do consumidor, tornando-o um cliente cativo ou um cliente que esteja disposto a pagar mais pela marca. Sem isso, não há um moat em torno da marca.

6. SWITCHING COSTS

Outro dos meus favoritos! É quando o custo de trocar de produto excede o valor que o consumidor vai receber ao efetuar a troca. O switching cost pode ser financeiro - como uma multa em caso de quebra de contrato - mas nem sempre é assim. As vezes o switching cost pode estar relacionado ao esforço que o cliente terá que fazer para trocar de produto. Exemplo? Software corporativo!

Pense num empresário que possui várias lojas de material de construção. Ele utiliza um sistema que o ajuda a controlar o seu estoque e fluxo de caixa. O sistema ainda emite nota fiscal e se comunica direto com o contador. Além disso ele gera automaticamente relatórios que ajudam o empresário nas tomadas de decisão e que alertam para riscos no negócio. O software pode não ser perfeito mas é bom o suficiente e custa apenas 200 reais por mês. Além disso o empresário e os funcionários já estão acostumados com a usabilidade e já tiveram o trabalho de cadastrar os centenas de clientes e produtos no sistema.

Como você convence esse empresário a usar outro sistema? Como você convence ele a trocar e recadastrar todos os produtos e todos os clientes, reeducar todos os funcionários para o novo sistema, se readaptar a um novo layout e criar novamente os relatórios que ele quer? Isso sem falar nos bugs que aparecem quando passamos a usar um software novo. Ainda que você cobre 50% a menos, dificilmente esse empresário vai trocar de sistema. A simples idéia de passar pelo transtorno da troca já é dolorosa por si só.  É por isso que uma empresa como a Linx tem uma taxa de retenção tão alta.

Para poder identificar o switching cost é importante ter um bom entendimento da experiência do cliente, o que pode ser difícil quando se está de fora. Por isso o investidor deve sempre procurar ser cliente daquela empresa que está sendo avaliada ou, caso não seja possível, se conectar com um bom número de clientes.


O PREÇO DA RENTABILIDADE É A ETERNA VIGILÂNCIA

É possível – e preferível - que uma empresa tenha mais de um moat. A Coca-Cola tem não só uma marca forte como também economia de escala a partir de uma ampla rede de  engarrafadores. Além disso, a Coca-Cola também possui fórmula proprietária. Uma empresa que apresenta uma combinação de moats tem proteções extras no seu negócio.

Antes de finalizar esse post, é importante deixar claro uma coisa: um moat não é uma armadura de invencibilidade! A Sears já representou 1% de todo o PIB dos Estados Unidos, a Kodak era uma marca reconhecida e o Orkut tinha efeito de rede. Todos eles evaporaram.

Isso acontece por que um moat pode se expandir ou encolher ao longo do tempo. Por isso é importante que o investidor afaste a complacência e esteja constantemente reavaliando as empresas. É importante que o investidor reavalie se o moat está se deteriorando ou se fortalecendo. Uma dica? Observe o pricing power da empresa. Ou seja, a capacidade que a empresa tem de aumentar preços sem perder clientes. Uma empresa com muito pricing power é uma empresa que tem um moat.

Mais pra frente pretendo entrar em mais detalhes sobre como medir moats mas, por enquanto, é só.

Stay cool,
Don Black

Monday, June 17, 2019

Banco Inter: digital, mas ainda um banco




Verdade seja dita, bancos são mal vistos. No imaginário popular está aquele império da ganância que enche os próprios cofres não só quando o país vai bem mas também quando o país vai mal. Filas e mais filas para conseguir ser atendido por algum funcionário ineficiente e no final ter que pagar taxas exorbitantes para manter uma estrutura que, caso dê errado, vai ser socorrida pelo governo. 

Então não é surpresa que haja um frenesi quando alguém se propõe a ameaçar essas grandes instituições. É aí que entram as fintechs com seus discursos de disrupção apoiadas nos volumosos investimentos dos VCs. É aí que entram os bancos digitais e é aí que entra o Banco Inter, nosso tema de hoje.

Definir o Banco Inter é a coisa mais simples do mundo: o Banco Inter é um banco! Na sua forma mais básica, um banco faz dinheiro a partir do spread entre os depósitos recebidos e os empréstimos feitos a partir desses depósitos. É normal que um banco busque diversificar e aumentar as receitas através de serviços mas a verdade é que de nada vai adiantar se o processo “receber depósitos e emprestar” não for bem feito.  Então eu fui logo ver como estava essa situação do Banco Inter.

O Banco Inter teve um grande crescimento nos últimos anos, o que a princípio é bom. O problema de um banco que cresce rápido está no risco de originar operações ruins. Então para evitar um banco que caminha para o precipício enquanto cresce, fui ver o balanço do Inter.

A carteira de crédito teve um forte crescimento de 19% CAGR nos últimos três anos, com significativa alteração no  perfil. Crédito imobiliário e cartão de crédito hoje representam uma parte maior do mix, em detrimento de uma redução na participação do consignado. Apesar do citado crescimento do cartão de crédito, quem realmente está dominando o mix é o crédito imobiliário com quase 60% de participação. Na minha opinião, um nível de concentração muito alto. Bancos normalmente se encrencam quando começam a se aventurar em terrenos desconhecidos e por isso é interessante ver o histórico do Banco Inter no imobiliário. Pelo que observei, o banco começou na modalidade em 2007 e sua expertise se reflete nas baixas perdas que possui. Além disso, conta a favor do banco que os empréstimos representam um baixo valor dos imóveis, com um LTV na faixa de 42%.

Ainda sobre a carteira de créditos, tive alguma preocupação quando vi um índice de cobertura de 62%. Um número a princípio baixo, mas distorcido pela alta concentração de imobiliário na carteira. Como os empréstimos imobiliários são colateralizados e com garantias de rápido exercício, o banco provisiona menos. A melhor forma de acompanhar se a provisão faz sentido é observando o nível de recuperação, que até então vem saudável. Se a recuperação sofrer deterioração, as provisões devem aumentar. No mais, o Banco Inter vem alcançando uma boa redução de NPL, que hoje está em 4.3% acima de 90 dias, um número bem administrável.

No passivo, a gestão do Banco Inter tem feito um bom trabalho na redução do custo do funding, que hoje gira em torno de 75% do CDI (era 100% no IPO). O mais importante componente nessa redução de custo veio dos depósitos, que cresceram quase 30% CAGR nos últimos três anos. Outro componente foi o barateamente de funding externo a partir da eliminação de intermediários. Uma boa notícia é a maior participação dos depósitos se comparada ao funding externo. É importante que os depósitos não apenas cresçam – o que já vem acontecendo – como sejam cada vez mais permanentes.  E é aqui que o Banco Inter pode encontrar problemas.

MODELO DE NEGÓCIO

Quando eu digo que o Banco Inter é um banco, é normal torcerem o nariz. É normal ouvir que o Inter é digital e sem taxas. Acontece que um carro elétrico não deixa de ser um carro por causa disso. Tem outras características mas fundamentalmente continua um carro. E o Inter, fundamentalmente, continua um banco.

O público alvo do Banco Inter é o público que está na base da pirâmide, tem familiaridade com tecnologia e sofre com custos bancários. Uma vez cliente, essa pessoa passa a ter acesso a um ecossistema de produtos financeiros. O objetivo é não só monetizar o cliente como tentar fazer do Inter seu banco primário.

Em todo o processo o que se vende como diferencial é a facilidade e o baixo custo. Vamos ver esses diferenciais:

1. 100% Digital

Uma das razões pelas quais sempre houve uma fidelidade bancária estava em toda a dor de cabeça envolvida nos processos de abertura e fechamento de contas. Uma dor de cabeça que está sendo eliminada pelos bancos digitais. Hoje o processo de abertura de conta em um banco digital é rápido e simples, reduzindo um switching cost.

Mas se por um lado essa praticidade ajuda o banco digital a abrir uma nova conta, por outro ela deixa o próprio banco digital vulnerável. É ótimo para o cliente, que poderá migrar facilmente entre bancos, mas vai obrigar os bancos (inclusive os digitais) a brigar mais em outras frentes para manter uma base fiel de depositantes.

No mais, a digitalização é um ambiente sem barreiras. Eu vejo o alarde do 100% digital mais como marketing do que como diferencial competitivo. Isso porque qualquer banco pode criar um ambiente digital. E uma vez que exista o ambiente digital, todo o resto vem extra. Ou seja, é melhor ter um banco 10% digital do que 100% digital, contanto que o digital esteja lá.

2. Baixo custo

O “sem tarifas” é o “free trial” dos bancos digitais. Ou seja, é a maneira como os bancos digitais te convencem a abrir uma conta com eles porque, na pior das hipóteses, você não vai gastar nada. A diferença é que ser “sem tarifas” é o value proposition do banco digital e, por isso, não expira.

Um ponto interessante de buscar uma estratégia de baixo custo vai de encontro ao que sempre se soube da indústria bancária: é um business commoditizado. A guerra de negócios comoditizados normalmente é vencida pelos produtores de mais baixo custo. Em bancos, isso se traduz em um baixo custo de funding e em custos gerais da operação, que pode ser acompanhado pelo índice de eficiência do banco. No caso do Banco Inter, nenhum dos dois acompanha os grandes bancos.

Ao que me parece os diferenciais do Banco Inter são replicáveis não só pelos grandes bancos mas por qualquer novo postulante. E onde todo mundo tem o diferencial ninguém tem o diferencial.

A INDÚSTRIA

Reparem em como a indústria bancária é peculiar: ao mesmo tempo que é comoditizada, possui switching costs. No Brasil esse mix resultou em uma concentração bancária. Bancos de maior escala conseguiam ser os produtores de menor custo. Uma vez correntista, o cliente recebia alguns benefícios como custos mais baratos para operações onde a contraparte fosse do mesmo banco, por exemplo. Esse processo fez com que bancos com maior base de clientes fossem ainda mais atraentes para novos clientes. Adicione-se a isso a dificuldade de se trocar de bancos e está aí a receita da concentração bancária.

Os bancos digitais atacam alguns pilares da concentração  quando eliminam as tarifas e facilitam a abertura de contas. Eu acredito que a indústria como um todo vai convergir para uma realidade mais ágil e mais barata, e os grandes favorecidos serão os consumidores. A pergunta que não quer calar é como os grandes bancos vão participar desse processo.

A princípio não existe nada que um banco digital ofereça que um banco como o Itaú não tenha condições de oferecer. E não a toa o Itaú já declarou guerra com o anúncio do lançamento do ITI. É cedo para dizer se o ITI vai ser um sucesso ou não. Normalmente as soluções tecnológicas dão mais certo onde elas nascem como o conceito do negócio e não onde elas nascem como um braço de um negócio mais tradicional. Mas uma coisa é certa: o Itaú já está de olho no movimento dos bancos digitais. Se a solução caseira (ITI) não ganhar tração e os bancos digitais continuarem ganhando espaço, a tendência será o Itaú tentar - e conseguir - comprar um banco digital consolidado.

VALUATION

Voltando ao Banco Inter naquele que é o grande tema da discórdia: o preço!

Avaliar banco tem lá suas particularidades já que a dívida se mistura com o que seria a matéria prima do banco. Para facilitar o processo, analistas usam múltiplos de equity como PE e PB ratios.

Para minha felicidade, o amigo do twitter Jonathan Camargo (@j_camargo_nyc) compilou hoje uma lista com informações sobre vários bancos. Após uma breve editada que fiz no Paint para reduzir o número de informações, o que ficou foi isso:

Fonte: Twitter do @j_camargo_nyc


Idealmente comparamos bancos de características semelhantes. Para bancos com várias áreas de atuação, convém estimar o valor do equity ponderando o lucro pela contribuição de cada setor. Mas o Banco Inter, com seus ratios tão esticados, facilita nosso trabalho.

Quando observado em conjunto com o ROE, o que os ratios do Banco Inter nos dizem é que há uma expectativa enorme quanto ao seu crescimento de lucros. Na minha opinião uma expectativa fora da realidade e que de alguma forma se reflete no alto payout ratio de 60% (retirado do YahooFinance). Resumindo: acho que a ação está cara. E acho que o Banco Inter,  diante do seu último anúncio, concorda comigo.

PORQUE O BANCO INTER ESTARIA CARO?

Tentar explicar porquê a visão do mercado é diferente da sua visão é um exercício saudável.  Daqui a algum tempo, quando os fatos te derem ou não razão, você terá a oportunidade de reavaliar onde você achou que o mercado estava errado e com isso vai poder refinar o seu processo de investimento. Nosso objetivo enquanto investidores é maximizar a contribuição da nossa habilidade e minimizar a contribuição da sorte na busca por resultados bons e consistentes.

Voltando ao tema, vou contar uma breve estória. Em 2016 a Goldman Sachs resolveu desenvolver um banco digital voltado ao americano médio. O projeto não é muito diferente do que falamos aqui. Baixo custo, interface simples, oferta de um ecossistema de produtos financeiros, tudo digital e a promessa de abalar as estruturas dos grandes bancos que focam nesse tipo de cliente. Atualmente esse segmento, chamado Marcus, recebe US 1 bilhão de depósitos por mês e está lançando um cartão de crédito em parceria com a Apple. Apesar disso, os investidores não andam muito entusiasmados com a Goldman. Há duas semanas, o CEO da Goldman, David Solomon, falou o seguinte:

“Se nós estivessemos no Vale do Silício e tivéssemos feito 20% do progresso que fizemos, nós receberiamos muito mais crédito e as pessoas estariam jogando dinheiro em cima da gente pra ter uma fatia desse negócio” – disse se referindo ao Marcus

É muito interessante o que o Solomon falou. Me faz pensar: se o Banco Inter tivesse sido desenvolvido dentro do Itaú pelas mesmas pessoas e tivesse hoje os mesmo resultados que possui, o Itaú estaria precificado com sua contribuição digital nos mesmos níveis que está hoje precificado o Banco Inter? Eu acho que não.

Empresas que nascem digitais e prometem disrupções a partir de transformações digitais estão recebendo a benção automática dos investidores. Com o dinheiro tão barato quanto agora, investidores não só se vêem forçados a encontrar alternativas de investimentos como passam a valorizar intangíveis digitais em detrimento de ativos físicos que fazem parte de boa parte dos velhos negócios.

No caso do Banco Inter existe a - até aqui - boa execução dos operadores. Existe o discurso de transformação digital de uma empresa que “nasceu” digital. Existe a expectativa de ameaçar os vilões que são os grandes bancos. Existe um Softbank negociando aportes bilionários na Nubank. E existe sempre alguém disposto a pagar mais do que você pagou. É o jogo da precificação corroborando uma tese que pode ser facilmente digerida.

Essa é a diferença: eu acho que o mercado está jogando o jogo da precificação enquanto eu busco jogar o jogo do valor, e nem sempre eles convergem.

Pra mim, o Banco Inter continua sendo só um banco.

Stay cool,
Don Black







Sunday, June 9, 2019

Meu gestor de investimentos favorito


Eu não sou uma pessoa de investir em fundos de investimentos. Na verdade, eu não sou uma pessoa de  terceirizar a gestão do meu patrimônio. Então é justo dizer que minha experiência enquanto cliente é limitada. Por outro lado tive a sorte de conhecer gestores extraordinários, alguns dos quais são hoje verdadeiros amigos. A minha experiência observando o trabalho desses grandes gestores me fez ver alguns traços comuns entre eles. E vou usar esse post pra compartilhar alguns desses traços.

Peço que o leitor coloque em perspectiva que minha experiência é basicamente no mercado americano e europeu. Mas, sinceramente, não vejo porquê esses traços não seriam aplicáveis à gestores brasileiros.

Além disso, lembro que meu objetivo aqui não é ensinar ninguém a escolher fundo de investimento. Longe de mim ter essa pretensão. Pessoalmente, acho mais fácil escolher uma boa ação do que um bom gestor. Escolher um bom fundo de investimento não é simples e sugiro que você desconfie de qualquer pessoa que tente te convencer do contrário. Principalmente se for comissionado. Mas se eu tivesse que escolher um fundo, esses seriam os principais traços que eu buscaria nos seus gestores:

TRANSPARÊNCIA BRUTAL

Os grandes gestores são obcecados por transparência. Eles se esforçam para deixar claro qual é a filosofia, o processo de investimento, as taxas envolvidas e tudo o mais que possa esclarecer o que eles tem a oferecer. E eles começam fazendo isso antes de você investir.

Muitas das vezes a impressão que dá é que eles não querem seu dinheiro. E a verdade é que em muitos casos eles não querem mesmo. Eles não querem o dinheiro de alguém que questiona o processo o tempo inteiro. Eles não querem o dinheiro de alguém que resgata na primeira correção de mercado. É justo dizer que eles não querem o dinheiro de quem não entende o que eles estão fazendo. E é por isso que eles tentam deixar tudo claro desde o primeiro dia.

Alguns gestores incorporam um ar de Capitão Nascimento nesse processo de esclarecimento. Eles falam que os resultados demoram, que a performance vai sofrer e que você vai sofrer mais ainda. Mandam você imaginar seus investimentos caindo 50% só para ver sua reação. E se você hesitar, vão deixar claro que talvez seja melhor você procurar outro lugar pra investir.

Parece brutal mas a verdade é que é um grande favor que eles te fazem. Se você é vegano, existem lugares que vão te fazer mais feliz do que uma churrascaria. Invista com gestores que possuem filosofia e processo de investimento alinhados com suas expectativas.

ALINHAMENTO

Os grandes gestores comem a própria comida. Todos os grandes gestores que conheço tem pelo menos 90% do próprio patrimônio investido no próprio fundo. Além disso, fazem a gestão de parte considerável do patrimônio de familiares e amigos. Isso acontece principalmente porque 1- eles confiam no próprio trabalho, 2- eles acreditam que vão tomar melhores decisões se estiverem no mesmo barco que os clientes e 3- eles se sentem na obrigação moral de manter esse alinhamento com os clientes.

FOCO

Os grandes gestores focam em performance e não em captação. Eles não ficam alardeando o número de clientes que possuem ou quanto de patrimônio eles estão gerindo. Eles sequer ligam pra isso. Na verdade, boa parte dos grandes gestores se esforça para evitar o que chamo de elefantíase patrimonial. A elefantíase patrimonial acontece quando o gestor fica responsável por um volume tão grande de recursos que passa a comprometer a performance. É por isso que muitos grandes gestores colocam um alto valor de investimento mínimo, fecham o fundo ou até mesmo retornam dinheiro para os cotistas.

LOW PROFILE

Os grandes gestores não fazem fila para aparecer em matéria de jornal, não fazem canal de youtube e sequer fazem propaganda. Enquanto o gestor comum se esforça para aparecer, divulgar seu fundo e captar, o grande gestor evita holofotes, entrega o prometido e, por causa disso, acaba captando.

Como não quero escrever um livro do tipo “100 coisas que você deve procurar em um gestor antes de investir”, vou parar por aqui. Mas vou fechar o post com algumas observações caso você queira sair por ai avaliando os gestores com base nesses traços. Vou fazer isso por um simples motivo: muito gestor comum tenta enganar o investidor fingindo ter os traços dos grandes gestores. Ainda que não seja possível ter certeza de que você não será enganado, convém tomar algumas medidas por precaução. Vamos lá:

- O grande gestor tem grandes retornos. Vejo muito gestor comum dizendo que seu fundo é de longo prazo para justificar retornos medíocres e, quando vamos ver, o longo prazo nunca chega. É verdade que o grande gestor passa por períodos ruins, mas se o fundo não apresentar grandes retornos anualizados em períodos de 3-5 anos, é melhor ficar de fora.

- O grande gestor é consistente com seu processo. Outra coisa que vejo é, por exemplo, o gestor dizer que gosta de manter grandes empresas por longos períodos e, quando vamos ver, tem um alto turnover de posições. A melhor forma de ver se o gestor faz o que promete é lendo suas cartas. Dá trabalho mas vale a pena. Aprende-se muito sobre um gestor por suas cartas. E se o gestor for bom, aprende-se muito sobre investimentos também.

- O grande gestor é o grande gestor e não um time que muda a cada dois anos. Assim como o fundo do grande gestor é o fundo e não uma prateleira de vários fundos com várias estratégias para satisfazer vários perfis de investidores. O fundo deve ter um responsável, e o responsável deve ter um fundo. Como diria Charlie Munger, ninguém quer consultar um proctologista que além de proctologista também trabalha como dentista.

Resumindo, o grande gestor é transparente com o investidor, consistente em seu processo, focado em performance, tem grandes resultados pra mostrar, não faz gestão de vários fundos diferentes, não é popstar e coloca seu dinheiro junto com o dinheiro do cotista.

Se depois de ter feito sua pesquisa você encontrou um gestor e resolveu investir com ele, então chegou a sua hora de fazer sua parte: deixe ele trabalhar! Deixe seu dinheiro investido por um tempo ao invés de sair por aí resgatando por qualquer solavanco. Se você não está preparado pra ficar casado, então não se case.

Stay cool,
Don Black

Tuesday, June 4, 2019

Crônica: O modelo do professor e o direito de vencer




Trechos de Charlie Munger:

"Então você entra nessas oportunidades ocasionais de ter um negócio maravilhoso que está sendo tocado por um gestor maravilhoso. E, claro, é como o paraíso! Se você não se entupir quando tiver uma dessas oportunidades, é um grande erro"

"Ocasionalmente você vai encontrar um ser humano que é tão talentoso que é capaz de fazer coisas que mortais com habilidades comuns não conseguem. E Sam Walton era esse tipo de homem."



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O sujeito só podia estar desmiolado. Já era operador de 16 lojas Ben Franklin quando veio com essa idéia de mudar. “Deve estar falando em se mudar de casa”, foi o que pensei. Mas o sujeito queria mudar de negócio mesmo. Vendia quase um milhão e meio de dólares por ano com suas lojas Ben Franklin mas vivia numa paranóia de dar dó. Dizia que o futuro era daqueles que vendiam a preço de banana, os chamados discounters. Agora veja, como pode o vendedor ganhar o pão de cada dia vendendo seus produtos a preço de banana? Mas o sujeito era irredutível - que tinha visitado todos os concorrentes possíveis e uma coisa era certeza: se suas lojas não mudassem de conceito acabariam dizimadas pelos discounters.




Levou sua histeria para os irmãos Butler, donos da marca Ben Franklin. Queria que os irmãos Butler fossem seus parceiros nesse novo conceito de loja, a tal do preço de banana. Falou tudo aquilo que já falei pra vocês. E porque não fazia sentido mesmo, os irmãos Butler rejeitaram a idéia.  Então o sujeito ficou enfurecido e disse que não queria mais saber de Ben Franklin e que ia seguir com sua idéia de preço de banana sozinho. Mais tarde falou o seguinte:

“A verdade é que quando esses irmãos Butler recusaram minha idéia do preço baixo eu fiquei um pouco irritado, e talvez isso tenha me ajudado a nadar rio acima sozinho. Eu acho que todo mundo que sabia que eu ia seguir em frente sozinho com minha idéia dos preços baixos realmente achava que eu tinha perdido a cabeça”

Eu ainda não tinha certeza que ele tinha perdido a cabeça. Pode ser que tivesse algum mérito naquele negócio de preço de banana. Se ele falou que visitou toda a concorrência então é porque visitou. Era um obcecado. O sujeito levava até o filho neném pra conhecer loja da concorrência durante viagem de família. Então quando ele disse que o tal do Sol Price estava ganhando 2 milhões anuais por loja lá na Califórnia, devia ser verdade mesmo. Eu achei que ele ia abrir o conceito da loja de banana dele lá pela Califórnia então. Mas ai ele disse que ia abrir em Rogers. Rogers, uma cidadela de um punhado de moradores, lá em Arkansas!



Foi então que tive certeza que ele tinha perdido a cabeça. Parece que o glamour da movimentada NY não seduzia sua esposa, que preferia viver em cidade pequena. Nobre é o homem que zela pela harmonia familiar, mas tudo no seu limite. Acontece que eu conhecia o sujeito, era ambicioso e competitivo! Tão logo pudesse e abriria uma loja no grande centro, eu podia apostar. Foi quando soube do seu plano de oferecer os preços de banana para a população rural dos Estados Unidos. Dizia que era bom porque as outras lojas de banana que existiam não atendiam essa população. Iria crescendo, um passo de cada vez, nas pequenas cidades do país; e então, quando a concorrência se desse conta, já seria tarde demais. Foi assim que ele me explicou sua idéia.

E dessa idéia eu não entendi nada. Fui perguntar ao meu primo se aquilo ali fazia sentido. O Bob, meu primo, era o orgulho da família. Já era gente importante em Wall Street e se graduou com honras em business numa Ivy League. Se alguém podia me explicar, era o Bob. Perguntou sobre a idade do sujeito, onde tinha se formado, por quais empresas tinha trabalho e tudo o mais que um banqueiro com honras acadêmicas de primeira grandeza julga ser importante. Respondi tudo e ele não ficou impressionado. Explicou que as grandes varejistas como Sears e Kmart já estavam nesse segmento armazém (que eu, ignorante, venho chamando de loja de banana) e que um senhor de 44 anos não teria como competir contra eles. Explicou também que se esses gigantes não atendem cidade pequena é porque não vale a pena atender cidade pequena – uma obviedade, segundo o Bob. 

Rabiscou seu modelo em um papel, com números e tudo! Os números diziam que as chances do sujeito prosperar eram tão baixas que só um tolo insistiria naquilo. E por fim lamentou a ignorância do tal senhor de meia idade que estava prestes a dilapidar seu patrimônio em uma tragédia anunciada. Bob, meu primo, foi tão acadêmico na explicação que eu entendi tudo a ponto de voltar pra casa apiedado daquele sujeito tão trabalhador que seguia, bovinamente, para o seu abate.

Eu nunca contei praquele sujeito a conversa que eu tive com meu primo Bob. Se tem coisa que não gosto é de ser estraga prazeres. Mas tivesse eu contado e acredito que nada mudaria. Eu já disse que o sujeito era um obcecado? Eis o que ele disse:

“Nunca me ocorreu que eu pudesse perder; pra mim, era quase como se eu tivesse o direito de vencer. Pensar desse jeito geralmente parece criar uma espécie de profecia auto-realizável”

Taí um sentimento que não tem como entrar nos cálculos do Bob...

Acontece que quando chegou no início dos anos 70 o cálculo do Bob parecia ter mudado. Percebi quando conversamos durante a única reunião de família que o Bob apareceu em cinco anos:

- Fala primo!

- Bob! Como você tem andado?!

- Comigo tudo bem! Um pouco ocupado só... Me diz uma coisa, queria te perguntar se você ainda tem contato com aquele seu amigo do varejo de armazém.

- Varejo de armazém? Ah, dos preços de banana! Tenho sim! Quer dizer, ele mora perto de mim e de vez em quando vejo ele por ai na sua camioneta mas parece que ele tem viajado bastante.

E então o Bob me atualizou sobre as tais viagens. Me disse que o sujeito estava abrindo uma loja de banana atrás da outra e que todas davam muito dinheiro, por isso tantas viagens. Que já eram mais de 50 lojas e que agora o sujeito ia colocar a empresa toda na bolsa de valores, seja lá o que isso for. E que ele, Bob, como homem importante de Wall Street, precisava falar com o sujeito sobre esse lance de bolsa de valores.

- Mas Bob, não é perigoso? E o modelo?

- Que modelo?

- O que dizia que ele era boi indo pro abate, ué!

- Então, o modelo dizia que as chances eram baixas mas não que era impossível. Tem que saber interpretar os números, é complicado de explicar.

Bom, números complicados o Bob não ia conseguir me explicar mas o lance da bolsa de valores eu entendi mais ou menos. Entendi que eu podia ser sócio do sujeito no negócio das lojas de banana e que eu poderia deixar de ser sócio depois se eu quisesse. Mas quem não vai querer ser sócio de um sujeito que vai contra as chances do modelo Ivy League/Wall Street, abre mais de 50 lojas, se sente no direito de vencer e continua andando de camioneta? 

Então eu peguei uma boa parte do dinheiro que tinha guardado e virei sócio dele.

ANOS DEPOIS

Muito tempo se passou sem que eu falasse com o Bob ou com meu sócio da loja de banana. Talvez o Bob tenha conseguido falar com ele, mas eu não acredito muito nisso não. Dizem que o sujeito não é chegado em ficar falando com gente como o Bob e que prefere ficar enfurnado nas próprias lojas. Aliás, ele mesmo já disse coisa parecida:

“A medida que as empresas crescem, com um maior número de investidores acompanhando, passa a ser muito tentador entrar em um avião e ir pra Detroit ou Chicago ou Nova Iorque e falar com banqueiros e com acionistas.  Mas já que nossas ações deram um salto desde o início, eu sinto que nosso tempo é melhor usado com nosso próprio pessoal nas lojas, ao invés de sair por aí vendendo a empresa para outsiders. Eu não acho que qualquer quantidade de especialistas em relações públicas ou que discursos em Nova Iorque ou Boston significam alguma coisa para o valor das ações no longo prazo”

O Bob continua vivendo lá por NY. Mora numa casa bonita e cada hora está com uma namorada nova, dessas que fazem foto pra revista de moda. Dia desses vi no jornal que o Bob tinha se metido em encrenca, que tinha feito negócio com coisa chamada derivativo e que por isso tinha perdido muito dinheiro. Liguei preocupado pro Bob e ele me disse que estava tudo bem, que estava começando um novo ciclo. Falou que ia dar umas aulas na sua Ivy League pra ensinar um pouco de tudo aquilo que tinha aprendido de finanças em Wall Street, e que também já estava sendo requisitado pra dar palestras pelo país. O Bob é fantástico! Sujeito educado, bem vestido, inteligente e de boas maneiras. É o orgulho da família!

Ah, antes de desligar o Bob perguntou se eu ainda era sócio nas lojas de banana. Ora, é claro que eu era! Só que agora eu acho que já sou sócio grande porque nos últimos 20 anos o dinheiro que coloquei na sociedade já valia 512 vezes mais. Quando eu contei dessa multiplicação toda, matemática simples pro meu primo, o Bob pareceu meio chateado. Mas acreditei quando ele disse que estava feliz por mim. Disse que tinha que ir preparar sua aula mas que me adiantaria o tema da aula com um conselho: “Primo, não deixa todo esse dinheiro numa sociedade só. É muito arriscado!”


Sam Walton, com seus cachorros e sua camioneta


Eu entendi. Mas quem não vai querer ser sócio de um sujeito que vai contra as chances do modelo do professor, vira o maior varejista do país, abre mais de 1.400 lojas, vende mais de 25 bilhões de dólares, dança o hula em Wall Street, se sente no direito de vencer e continua andando de camioneta?

Quem não vai querer ser sócio de um Sam Walton?