Tuesday, June 4, 2019

Crônica: O modelo do professor e o direito de vencer




Trechos de Charlie Munger:

"Então você entra nessas oportunidades ocasionais de ter um negócio maravilhoso que está sendo tocado por um gestor maravilhoso. E, claro, é como o paraíso! Se você não se entupir quando tiver uma dessas oportunidades, é um grande erro"

"Ocasionalmente você vai encontrar um ser humano que é tão talentoso que é capaz de fazer coisas que mortais com habilidades comuns não conseguem. E Sam Walton era esse tipo de homem."



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O sujeito só podia estar desmiolado. Já era operador de 16 lojas Ben Franklin quando veio com essa idéia de mudar. “Deve estar falando em se mudar de casa”, foi o que pensei. Mas o sujeito queria mudar de negócio mesmo. Vendia quase um milhão e meio de dólares por ano com suas lojas Ben Franklin mas vivia numa paranóia de dar dó. Dizia que o futuro era daqueles que vendiam a preço de banana, os chamados discounters. Agora veja, como pode o vendedor ganhar o pão de cada dia vendendo seus produtos a preço de banana? Mas o sujeito era irredutível - que tinha visitado todos os concorrentes possíveis e uma coisa era certeza: se suas lojas não mudassem de conceito acabariam dizimadas pelos discounters.




Levou sua histeria para os irmãos Butler, donos da marca Ben Franklin. Queria que os irmãos Butler fossem seus parceiros nesse novo conceito de loja, a tal do preço de banana. Falou tudo aquilo que já falei pra vocês. E porque não fazia sentido mesmo, os irmãos Butler rejeitaram a idéia.  Então o sujeito ficou enfurecido e disse que não queria mais saber de Ben Franklin e que ia seguir com sua idéia de preço de banana sozinho. Mais tarde falou o seguinte:

“A verdade é que quando esses irmãos Butler recusaram minha idéia do preço baixo eu fiquei um pouco irritado, e talvez isso tenha me ajudado a nadar rio acima sozinho. Eu acho que todo mundo que sabia que eu ia seguir em frente sozinho com minha idéia dos preços baixos realmente achava que eu tinha perdido a cabeça”

Eu ainda não tinha certeza que ele tinha perdido a cabeça. Pode ser que tivesse algum mérito naquele negócio de preço de banana. Se ele falou que visitou toda a concorrência então é porque visitou. Era um obcecado. O sujeito levava até o filho neném pra conhecer loja da concorrência durante viagem de família. Então quando ele disse que o tal do Sol Price estava ganhando 2 milhões anuais por loja lá na Califórnia, devia ser verdade mesmo. Eu achei que ele ia abrir o conceito da loja de banana dele lá pela Califórnia então. Mas ai ele disse que ia abrir em Rogers. Rogers, uma cidadela de um punhado de moradores, lá em Arkansas!



Foi então que tive certeza que ele tinha perdido a cabeça. Parece que o glamour da movimentada NY não seduzia sua esposa, que preferia viver em cidade pequena. Nobre é o homem que zela pela harmonia familiar, mas tudo no seu limite. Acontece que eu conhecia o sujeito, era ambicioso e competitivo! Tão logo pudesse e abriria uma loja no grande centro, eu podia apostar. Foi quando soube do seu plano de oferecer os preços de banana para a população rural dos Estados Unidos. Dizia que era bom porque as outras lojas de banana que existiam não atendiam essa população. Iria crescendo, um passo de cada vez, nas pequenas cidades do país; e então, quando a concorrência se desse conta, já seria tarde demais. Foi assim que ele me explicou sua idéia.

E dessa idéia eu não entendi nada. Fui perguntar ao meu primo se aquilo ali fazia sentido. O Bob, meu primo, era o orgulho da família. Já era gente importante em Wall Street e se graduou com honras em business numa Ivy League. Se alguém podia me explicar, era o Bob. Perguntou sobre a idade do sujeito, onde tinha se formado, por quais empresas tinha trabalho e tudo o mais que um banqueiro com honras acadêmicas de primeira grandeza julga ser importante. Respondi tudo e ele não ficou impressionado. Explicou que as grandes varejistas como Sears e Kmart já estavam nesse segmento armazém (que eu, ignorante, venho chamando de loja de banana) e que um senhor de 44 anos não teria como competir contra eles. Explicou também que se esses gigantes não atendem cidade pequena é porque não vale a pena atender cidade pequena – uma obviedade, segundo o Bob. 

Rabiscou seu modelo em um papel, com números e tudo! Os números diziam que as chances do sujeito prosperar eram tão baixas que só um tolo insistiria naquilo. E por fim lamentou a ignorância do tal senhor de meia idade que estava prestes a dilapidar seu patrimônio em uma tragédia anunciada. Bob, meu primo, foi tão acadêmico na explicação que eu entendi tudo a ponto de voltar pra casa apiedado daquele sujeito tão trabalhador que seguia, bovinamente, para o seu abate.

Eu nunca contei praquele sujeito a conversa que eu tive com meu primo Bob. Se tem coisa que não gosto é de ser estraga prazeres. Mas tivesse eu contado e acredito que nada mudaria. Eu já disse que o sujeito era um obcecado? Eis o que ele disse:

“Nunca me ocorreu que eu pudesse perder; pra mim, era quase como se eu tivesse o direito de vencer. Pensar desse jeito geralmente parece criar uma espécie de profecia auto-realizável”

Taí um sentimento que não tem como entrar nos cálculos do Bob...

Acontece que quando chegou no início dos anos 70 o cálculo do Bob parecia ter mudado. Percebi quando conversamos durante a única reunião de família que o Bob apareceu em cinco anos:

- Fala primo!

- Bob! Como você tem andado?!

- Comigo tudo bem! Um pouco ocupado só... Me diz uma coisa, queria te perguntar se você ainda tem contato com aquele seu amigo do varejo de armazém.

- Varejo de armazém? Ah, dos preços de banana! Tenho sim! Quer dizer, ele mora perto de mim e de vez em quando vejo ele por ai na sua camioneta mas parece que ele tem viajado bastante.

E então o Bob me atualizou sobre as tais viagens. Me disse que o sujeito estava abrindo uma loja de banana atrás da outra e que todas davam muito dinheiro, por isso tantas viagens. Que já eram mais de 50 lojas e que agora o sujeito ia colocar a empresa toda na bolsa de valores, seja lá o que isso for. E que ele, Bob, como homem importante de Wall Street, precisava falar com o sujeito sobre esse lance de bolsa de valores.

- Mas Bob, não é perigoso? E o modelo?

- Que modelo?

- O que dizia que ele era boi indo pro abate, ué!

- Então, o modelo dizia que as chances eram baixas mas não que era impossível. Tem que saber interpretar os números, é complicado de explicar.

Bom, números complicados o Bob não ia conseguir me explicar mas o lance da bolsa de valores eu entendi mais ou menos. Entendi que eu podia ser sócio do sujeito no negócio das lojas de banana e que eu poderia deixar de ser sócio depois se eu quisesse. Mas quem não vai querer ser sócio de um sujeito que vai contra as chances do modelo Ivy League/Wall Street, abre mais de 50 lojas, se sente no direito de vencer e continua andando de camioneta? 

Então eu peguei uma boa parte do dinheiro que tinha guardado e virei sócio dele.

ANOS DEPOIS

Muito tempo se passou sem que eu falasse com o Bob ou com meu sócio da loja de banana. Talvez o Bob tenha conseguido falar com ele, mas eu não acredito muito nisso não. Dizem que o sujeito não é chegado em ficar falando com gente como o Bob e que prefere ficar enfurnado nas próprias lojas. Aliás, ele mesmo já disse coisa parecida:

“A medida que as empresas crescem, com um maior número de investidores acompanhando, passa a ser muito tentador entrar em um avião e ir pra Detroit ou Chicago ou Nova Iorque e falar com banqueiros e com acionistas.  Mas já que nossas ações deram um salto desde o início, eu sinto que nosso tempo é melhor usado com nosso próprio pessoal nas lojas, ao invés de sair por aí vendendo a empresa para outsiders. Eu não acho que qualquer quantidade de especialistas em relações públicas ou que discursos em Nova Iorque ou Boston significam alguma coisa para o valor das ações no longo prazo”

O Bob continua vivendo lá por NY. Mora numa casa bonita e cada hora está com uma namorada nova, dessas que fazem foto pra revista de moda. Dia desses vi no jornal que o Bob tinha se metido em encrenca, que tinha feito negócio com coisa chamada derivativo e que por isso tinha perdido muito dinheiro. Liguei preocupado pro Bob e ele me disse que estava tudo bem, que estava começando um novo ciclo. Falou que ia dar umas aulas na sua Ivy League pra ensinar um pouco de tudo aquilo que tinha aprendido de finanças em Wall Street, e que também já estava sendo requisitado pra dar palestras pelo país. O Bob é fantástico! Sujeito educado, bem vestido, inteligente e de boas maneiras. É o orgulho da família!

Ah, antes de desligar o Bob perguntou se eu ainda era sócio nas lojas de banana. Ora, é claro que eu era! Só que agora eu acho que já sou sócio grande porque nos últimos 20 anos o dinheiro que coloquei na sociedade já valia 512 vezes mais. Quando eu contei dessa multiplicação toda, matemática simples pro meu primo, o Bob pareceu meio chateado. Mas acreditei quando ele disse que estava feliz por mim. Disse que tinha que ir preparar sua aula mas que me adiantaria o tema da aula com um conselho: “Primo, não deixa todo esse dinheiro numa sociedade só. É muito arriscado!”


Sam Walton, com seus cachorros e sua camioneta


Eu entendi. Mas quem não vai querer ser sócio de um sujeito que vai contra as chances do modelo do professor, vira o maior varejista do país, abre mais de 1.400 lojas, vende mais de 25 bilhões de dólares, dança o hula em Wall Street, se sente no direito de vencer e continua andando de camioneta?

Quem não vai querer ser sócio de um Sam Walton?

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