Tuesday, August 18, 2020

Ficam as notícias, vão-se os jornais: o mercado aberto chegou para o jornalismo



Eu assino três jornais. WSJ, NYT e FT, caso você esteja se perguntando quais. Meu consumo é todo online e minha filosofia é de que se eu cair em um número suficiente de paywalls que me irrite, eu assino. Vez por outra assino um apenas para me decepcionar e cancelar pouco tempo depois.

Nunca na minha vida eu assinei assim tantos jornais. O mais curioso de tudo é que nunca na minha vida eu li tão pouco jornal. Não que eu esteja jogando dinheiro fora. Acredito que o que pago é justo quando considero as informações que tenho acesso. Apenas meu tempo de atenção está mais distribuido por outros canais.

 ***

O consumo de notícias até lá para início dos anos 2000 era um mix de jornal nacional, jornal de bairro e revistas. Sempre gostei de ler e por isso eu lia todo o jornal nacional, todo o jornal de bairro e uma ou outra revista quando o dinheiro dava. Era isso. Se eu não gostasse da cobertura internacional do jornal eu não ia na banca comprar um outro jornal com boa cobertura internacional. Se eu não gostasse do colunista de futebol eu não ia na banca comprar o texto de um colunista que eu gostasse. O que tinha era o que tinha.

E se leitores tinham opções limitadas, anunciantes também tinham. Para felicidade dos jornais. O dinheiro era farto não só nas tiragens como também nos anúncios. Os jornais se lambuzaram até não poderem mais com todo esse controle de distribuição. Encheram os bolsos, criaram celebridades e ditaram o tom. Ainda que nunca admitissem.

Até que chegou a internet.

 ***

Veja o meu caso. Como eu disse, nunca li tão pouco jornal. Mas por outro lado sigo lendo tanto ou ainda mais do que antes. A minha atenção vai além dos jornais para predominantemente blogs e sites especializados. Para todo assunto do meu interesse existem autores excepcionais publicando na internet de maneira independente. O cardápio é vasto e fragmentado. Eu não preciso consumir tudo sobre negócios em um só lugar. Existe um para tecnologia e existe um para varejo. Assim como em esportes. Existe um para futebol e um para golfe. E assim é com viagem, cultura, gastronomia. A internet diminuiu restrições sobre onde posso colocar minha atenção na hora de consumir conteúdo.

A internet quebrou o controle de distribuição dos jornais e ampliou a oferta de notícias daquilo que o público quer consumir. Hoje eu leio menos jornal mas a qualidade do que consumo é maior do que jamais fora. É maior do que qualquer jornal já foi capaz de me oferecer. Não por incompetência, mas por impossibilidade. E se ao invés de qualidade de conteúdo eu buscasse apenas porcarias superficiais, eu também seria melhor servido pela internet do que por um jornal. A internet me daria um cardápio farto de porcarias personalizadas para meu gosto. Para qualquer gosto. Nenhum jornal faz isso.

O consumo de informação ficou personalizado e com isso os anunciantes foram atrás. Porque o anunciante precisa de anúncios direcionados ao público alvo. E a internet é pródiga em coletar informações de cada leitor, fazendo com que anúncios sejam eficientes e se tornam vendas. Vocês estão me acompanhando? Jornais sem controle de distribuição viraram jornais sem o mesmo poder sobre leitores e anunciantes. Viraram jornais sem a grana de outrora.

 ***

Eu sou um homem de negócios. A minha visão é a de que jornais devem ser tratados como negócio, assim como qualquer outro negócio. Já perdi as contas de quantas vezes já discuti com algum jornalista por causa disso. Jornalistas que culpam a internet pelo empobrecimento da informação quando na verdade se ressentem da migração dos leitores e anunciantes que a internet trouxe.  

São muitos os jornalistas – principalmente os que fizeram carreiras em jornais tradicionais – que pensam ter um direito inalienável sobre o dinheiro dos anunciantes. O discurso é de que jornais são pilares democráticos, que os jornalistas são os bastiões da liberdade, que os jornais são garantia de boa informação, que seus profissionais são vencedores de prêmio Esso, que blogs e redes sociais só tem Fake News. Então por toda essa grandeza eles tem que ter funding. Por todo essa superioridade de valor é uma grande catástrofe que jornais estejam indo a falência e jornalistas estejam perdendo seus empregos.

Eu não compro esse discurso. Até porque com todo o controle de distribuição que os jornais tinham, o valor de um jornalista para o jornal era marginal. Como eu disse antes, se o colunista esportivo fosse ruim eu não ia na banca comprar a coluna de outra pessoa. E também não deixava de comprar o jornal. Muitas matérias de baixo nível foram impressas sem impactar em um centavo a receita dos jornais. Então essa é uma realidade que poucos jornalistas aceitam, a de que eles sequer oferecem o melhor conteúdo.

Sem um grande conteúdo e sem personalização, os jornais perderam valor. Muitos faliram e muitos jornalistas ficaram desempregados. Os jornais da maneira que conhecemos vai acabar. Porque jornal é sim negócio, e o negócio mudou. Jornalistas vão ter que se ajustar à nova realidade. A realidade de um mercado aberto.

A internet permite que os leitores determinem o valor de um jornalista. O rapaz que vivia atrás do salário do jornal e publicava suas matérias medianas naquele calhamaço pode agora abrir seu blog, escrever seu conteúdo, divulga-lo e deixar o mercado precificar. E é esse conceito que apavora muitos jornalistas. A noção de que o mercado vai determinar o seu valor é o pesadelo de quem se acomodou vivendo escondido atrás de uma estrutura protegida.

Mas esse é um caminho sem volta. A indústria de notícias passa por rápidas transformações e os jornalistas vão ter que encarar seus pesadelos.

Inclusive muitos já estão.


Stay cool,
Don Black

Tuesday, August 11, 2020

Um e-mail para Warren Buffett. E uma resposta do Oráculo de Omaha.

"'- O meu conceito de boa companhia, sr. Elliot, é estar acompanhada por pessoas inteligentes e bem-informadas, que saibam conversar; é isso que chamo de boa companhia.'

'Você está enganada,' disse ele gentilmente, 'isso não é boa companhia, isso é o melhor.'", Jane Austen, Persuasão

Eu, como qualquer outro amante de negócios, acompanho os grandes investidores. Leio biografias, entrevistas e nos últimos anos tenho ouvido também podcasts. Faço isso também com executivos que eu admiro. Se o Bill Gates der uma nova entrevista é certo que eu vou ler. Talvez vocês já tenham notado.

Mas o que eu realmente queria não está disponível. Eu queria ler as trocas de mensagens e participar das conversas particulares que essas pessoas trocam entre elas. Quem não ia querer sentar em uma mesa de bridge com Gates e Buffett e jogar conversa fora sobre negócios, tecnologia, aquecimento global, coronavírus e o que mais for?

Eu tive a felicidade de criar laços com algumas dessas pessoas interessantes que atraem muito público quando falam. Não com Gates e Buffett, infelizmente. E a questão é que quando elas conversam livremente entre si, elas estão em seu estado mais cru de troca de idéias. Não existe a posição de autoridade de ser um convidado de um programa de TV. Não existe a responsabilidade de saber que será lido por uma multidão.

Não é que elas mintam diante do público. Nada disso. Mas o massificado não é profundo. Qual você acha que é a melhor forma de entender o pensamento de Munger e Buffett? Uma semana ouvindo suas entrevistas na CNBC ou uma semana ouvindo os dois ponderando sobre um potencial negócio?

A única forma de você se beneficiar dessa troca entre pessoas interessantes é você fazer parte do circulo das pessoas que você considera interessantes. Uma coisa improvável de conseguir se você for um idiota ou se você gastar todo seu tempo com pessoas idiotas. Então seja consciencioso sobre onde  e com quem você gasta seu tempo. Contribua com bons conteúdos, cerque-se de pessoas que você admira e deixe os idiotas de lado.

A menos que você ache interessante ser idiota, claro.

 ***

Para nossa felicidade uma troca de e-mail de Buffett veio a público. É inusitado porque segundo consta ele não é muito de e-mail o que, de acordo com essa troca, parece ser verdade.

Em 1997 um executivo da Microsoft chamado Jeff Raikes mandou um e-mail para Buffett. Amenidades a parte, Raikes explicou o modelo de negócios da Microsofit para Buffett, falou sobre expectativas futuras e recebeu um reply do velho Warren.

Os dois e-mails juntos são uma aula. Vou deixar aqui a íntegra das mensagens. Agradeço se alguém puder traduzir. Vou também passando abaixo sobre alguns trechos interessantes enquanto faço minhas próprias observações:


TRECHOS DO E-MAIL DE RAIKES PARA BUFFETT:



Raikes fala sobre a troca de mensagens como “uma discussão divertida ou um exercício intelectual”. É exatamente isso! Uma troca de idéia entre um executivo de uma das maiores empresas do mundo e o maior investidor da história. Raikes sabe a posição de Buffett sobre a Microsoft. É claro que mudar a cabeça de Buffett sobre o assunto seria bem vinda mas Raikes sabe que nem todo diálogo precisa ser um exercício de convencimento ou imposição de uma visão sobre a outra. Uma troca é o que é, uma troca. Quando os envolvidos são pessoas interessantes e de alto nível, se torna um “exercício intelectual”. É um ganha-ganha porque as duas partes saem com aprendizados. As duas partes se divertem. Ainda que em última instância ninguém mude de opinião.

Construa um círculo onde você e seus colegas tenham o ambiente para se exercitar intelectualmente. Sem autoridades, sem um buscar vantagem sobre o outro, sem obtusos, arrogantes e donos da verdade. Um ambiente saudável.

 

 

Aqui Raikes explica a linha de receitas OEM, os fabricantes de equipamento. Quase todos os PCs do mundo eram vendidos com Windows. Essa maneira de comoditizar o complemento é muito útil nos negócios. Muitos fabricantes de PCs e no entanto o sistema de todos deveria ser Windows. Enquanto os fabricantes tinham os gastos de fabricação, marketing e vendas, o Windows pegava carona.

O sucesso dos PCs, fosse a fabricante que fosse, se traduziria em sucesso para o Windows. Com a beleza de que os grandes custos estão nos ombros do complemento. No caso, os fabricantes. Não é a toa que, como Raikes fala mais a frente, é um negócio com 90% de margens.

Outras considerações bacanas de Raikes – que não vou colar aqui – são sobre a necessidade de combater a pirataria, o pricing power, switching cost e potencial do mercado internacional. Ele estava certo sobre todas elas.

Avançando bastante pro futuro, é interessante ver o impacto que o cloud teve sobre os resultados da Microsoft. Deixando o Azure de lado, a pirataria foi um problema bem resolvido a medida que a Microsoft migrou para SaaS. A mesma coisa que vimos em outras indústrias, como a da música. A tecnologia é rápida em fazer transições de paradigmas.

 

 

Agora Raikes fala sobre o segundo segmento, o de “finished goods”. É uma variação do conceito do barbeador e da lâmina de barbear. O PC vai com o Windows e as funcionalidades precisam ser adquiradas. Excel, PowerPoint, Access e outros produtos Microsoft. Adquiridas diretamente pelo usuário. Um segmento personalizável que também se beneficiou muito com o cloud.

Raikes explica também como a Microsoft media o próprio sucesso. Número de PCs e o $ por PC, coisas que Ballmer e Gates tinham na ponta da lingua. Pequenas empresas atingem o sucesso e se tornam megacorporações se orientando com foco em métricas simples. Simples como essas.

Pessoalmente gosto de avaliar as empresas a partir do economics unitário. Observar o economics de uma unidade e avaliar a capacidade de escala da empresa. Pelo visto também faziam assim na Microsoft.

Outra coisa que gosto é quando a empresa é clara e transparente sobre como ela mede e acompanha sua evolução. Se uma empresa varia as métricas que disponibiliza nos releases de acordo com os resultados que teve no período, eu prefiro ficar de fora.

 



 

Raikes fala abertamente sobre a maior das suas preocupações: a frequencia de mudanças de paradigmas em empresas de tecnologia e o impacto disso na vantagem competitiva de uma empresa de tecnologia. Fala ainda sobre como uma empresa dominante pode ficar cega para essas ameaças. Simplesmente fantástico!

Grandes executivos de tecnologia entendem bem isso. Andy Grove, o lendário executivo da Intel, sempre falou como só os paranóicos sobrevivem. É isso! Toda empresa – e em especial as de tecnologia – devem estar sempre trabalhando para diruptarem (existe essa palavra?) a si mesmas.

Mas outra coisa fantástica nesse comentário de Raikes é como ele fala isso abertamente para Buffett. E ele sabe bem que essa é a principal preocupação de Warren: a força de transições de paradigmas em uma indústria que ele não consegue entender bem. E ainda assim Raikes aborda a questão, como uma preocupação dele mesmo.

Lembra o que disse sobre livre troca de idéias? Sobre diálogos não serem uma mera questão de impor sua visão sobre o outro? Nada de jogar a sujeira para debaixo do tapete aqui.

 

TRECHOS DA RESPOSTA DE BUFFETT PARA RAIKES:

  


Parece uma boba introdução de e-mail mas aqui faço algumas notas mentais. Como a importância que Buffett dá a eficiência em detrimento da perfeição. E de certa forma a idéia de que ele está sempre escrevendo para pessoas interessantes. Deixe os idiotas de lado!


 


Apesar de desconfiar do pricing power da Microsoft, Warren mostra que entende bem o modelo de negócios. E pra variar fazendo algumas boas analogias. É interessante porque sempre foi dito que Buffett não entende as empresas de tecnologia. Mas está claro que ele entende com clareza. A quantidade de empresas de tecnologia que cresceram apoiadas nesse simples parágrafo de Buffett é mind-blowing. E ainda assim ele diz que não entende.

Para mim é claro que o que ele não entende, na verdade, é a transição de paradigma e não o modelo em si. Um fato que fica claro na próxima passagem:


Esse parágrafo é um curso por si só. Merece ser lido e relido. Warren deixa claro que sabe que a Microsoft tem um negócio com 'royalties' melhores. Para o investidor comum isso seria suficiente. Compre o melhor 'royalty', ponto final. Preto no branco. Warren não pensa assim, como não pensa nenhum grande investidor. Apesar do royalty melhor, Buffett explica sua dificuldade em atribuir uma probabilidade para o sucesso do negócio. Esse é o determinante. 

O crítico pode olhar pra trás e dizer que Buffett errou, que a Microsoft acabou sendo um melhor investimento do que a Coca Cola. Essa é uma forma pobre de avaliar porque toda a questão vai além de Microsoft/Coca-Cola. O que está em evidencia aqui é o processo. E não tivesse Buffett seguido essa coerência em seu processo, hoje você certamente não saberia quem é Warren Buffett.

Essa diferença entre ver investimentos como preto e branco e ver investimentos como atribuições de probabilidades separa amadores de profissionais. Amador aqui não é o PF e profissional aqui não é o que trabalha com investimentos. Não. Profissional é o que ganha consistentemente do mercado e amador é o resto. Sobram PF profissionais e gestores amadores nessa indústria. Se você é capaz de entender um modelo de negócios e pensar probabilisticamente sobre seu futuro de uma forma desapaixonada, você está no caminho de ser um profissional.

A última grande lição está na última frase de Buffett. I just wait for the fat one”. Baseball não é popular no Brasil então basta saber que Buffett está dizendo que não é preciso ter FOMO ou se afobar. As oportunidades vão sempre aparecer e quando uma estiver no seu entendimento, você aproveita. Um pensamento que dificilmente você vai conseguir colocar em prática se não tiver independência intelectual.



Buffett encerra a discussão sobre negócios mostrando que a avaliação em última análise depende do conhecimento e experiência de cada um. E que especialistas podem navegar melhor por áreas menos específicas do que generalistas por áreas específicas. Uma disfarçada menção sobre o conceito de círculo de competência.

O mais interessante de tudo nessa troca de mensagens entre Raikes e Buffett é que nunca se falou de preço. Ninguém falou em múltiplos, em taxas de desconto, em valuation. O que está acima de tudo é o entendimento do negócio.

Muita gente me pergunta sobre valuation. Ninguém assume, mas o que todo mundo quer é um passo a passo para saber se a empresa é cara ou barata. Colocar número nesse passo a passo é reconfortante. O valuation dá isso. Uma sensação de certeza. Mas não é assim que funciona e sequer é assim que um modelo de valuation deve ser usado. Valuation é importante mas não é o mais importante.

O valuation que eu faço – e que não é o valuation teórico de cursinhos e salas de aula – está no fim da fila. Se eu tiver que fazer valuation antes de tudo, meu tempo vai para o ralo. Para mim, 90% dos negócios podem ser descartados sem precisar começar a fazer contas.

O mais importante é pensar e entender o negócio. Sempre.

Nada substitui o pensamento.

 

Stay cool,
Don Black