Monday, June 17, 2019

Banco Inter: digital, mas ainda um banco




Verdade seja dita, bancos são mal vistos. No imaginário popular está aquele império da ganância que enche os próprios cofres não só quando o país vai bem mas também quando o país vai mal. Filas e mais filas para conseguir ser atendido por algum funcionário ineficiente e no final ter que pagar taxas exorbitantes para manter uma estrutura que, caso dê errado, vai ser socorrida pelo governo. 

Então não é surpresa que haja um frenesi quando alguém se propõe a ameaçar essas grandes instituições. É aí que entram as fintechs com seus discursos de disrupção apoiadas nos volumosos investimentos dos VCs. É aí que entram os bancos digitais e é aí que entra o Banco Inter, nosso tema de hoje.

Definir o Banco Inter é a coisa mais simples do mundo: o Banco Inter é um banco! Na sua forma mais básica, um banco faz dinheiro a partir do spread entre os depósitos recebidos e os empréstimos feitos a partir desses depósitos. É normal que um banco busque diversificar e aumentar as receitas através de serviços mas a verdade é que de nada vai adiantar se o processo “receber depósitos e emprestar” não for bem feito.  Então eu fui logo ver como estava essa situação do Banco Inter.

O Banco Inter teve um grande crescimento nos últimos anos, o que a princípio é bom. O problema de um banco que cresce rápido está no risco de originar operações ruins. Então para evitar um banco que caminha para o precipício enquanto cresce, fui ver o balanço do Inter.

A carteira de crédito teve um forte crescimento de 19% CAGR nos últimos três anos, com significativa alteração no  perfil. Crédito imobiliário e cartão de crédito hoje representam uma parte maior do mix, em detrimento de uma redução na participação do consignado. Apesar do citado crescimento do cartão de crédito, quem realmente está dominando o mix é o crédito imobiliário com quase 60% de participação. Na minha opinião, um nível de concentração muito alto. Bancos normalmente se encrencam quando começam a se aventurar em terrenos desconhecidos e por isso é interessante ver o histórico do Banco Inter no imobiliário. Pelo que observei, o banco começou na modalidade em 2007 e sua expertise se reflete nas baixas perdas que possui. Além disso, conta a favor do banco que os empréstimos representam um baixo valor dos imóveis, com um LTV na faixa de 42%.

Ainda sobre a carteira de créditos, tive alguma preocupação quando vi um índice de cobertura de 62%. Um número a princípio baixo, mas distorcido pela alta concentração de imobiliário na carteira. Como os empréstimos imobiliários são colateralizados e com garantias de rápido exercício, o banco provisiona menos. A melhor forma de acompanhar se a provisão faz sentido é observando o nível de recuperação, que até então vem saudável. Se a recuperação sofrer deterioração, as provisões devem aumentar. No mais, o Banco Inter vem alcançando uma boa redução de NPL, que hoje está em 4.3% acima de 90 dias, um número bem administrável.

No passivo, a gestão do Banco Inter tem feito um bom trabalho na redução do custo do funding, que hoje gira em torno de 75% do CDI (era 100% no IPO). O mais importante componente nessa redução de custo veio dos depósitos, que cresceram quase 30% CAGR nos últimos três anos. Outro componente foi o barateamente de funding externo a partir da eliminação de intermediários. Uma boa notícia é a maior participação dos depósitos se comparada ao funding externo. É importante que os depósitos não apenas cresçam – o que já vem acontecendo – como sejam cada vez mais permanentes.  E é aqui que o Banco Inter pode encontrar problemas.

MODELO DE NEGÓCIO

Quando eu digo que o Banco Inter é um banco, é normal torcerem o nariz. É normal ouvir que o Inter é digital e sem taxas. Acontece que um carro elétrico não deixa de ser um carro por causa disso. Tem outras características mas fundamentalmente continua um carro. E o Inter, fundamentalmente, continua um banco.

O público alvo do Banco Inter é o público que está na base da pirâmide, tem familiaridade com tecnologia e sofre com custos bancários. Uma vez cliente, essa pessoa passa a ter acesso a um ecossistema de produtos financeiros. O objetivo é não só monetizar o cliente como tentar fazer do Inter seu banco primário.

Em todo o processo o que se vende como diferencial é a facilidade e o baixo custo. Vamos ver esses diferenciais:

1. 100% Digital

Uma das razões pelas quais sempre houve uma fidelidade bancária estava em toda a dor de cabeça envolvida nos processos de abertura e fechamento de contas. Uma dor de cabeça que está sendo eliminada pelos bancos digitais. Hoje o processo de abertura de conta em um banco digital é rápido e simples, reduzindo um switching cost.

Mas se por um lado essa praticidade ajuda o banco digital a abrir uma nova conta, por outro ela deixa o próprio banco digital vulnerável. É ótimo para o cliente, que poderá migrar facilmente entre bancos, mas vai obrigar os bancos (inclusive os digitais) a brigar mais em outras frentes para manter uma base fiel de depositantes.

No mais, a digitalização é um ambiente sem barreiras. Eu vejo o alarde do 100% digital mais como marketing do que como diferencial competitivo. Isso porque qualquer banco pode criar um ambiente digital. E uma vez que exista o ambiente digital, todo o resto vem extra. Ou seja, é melhor ter um banco 10% digital do que 100% digital, contanto que o digital esteja lá.

2. Baixo custo

O “sem tarifas” é o “free trial” dos bancos digitais. Ou seja, é a maneira como os bancos digitais te convencem a abrir uma conta com eles porque, na pior das hipóteses, você não vai gastar nada. A diferença é que ser “sem tarifas” é o value proposition do banco digital e, por isso, não expira.

Um ponto interessante de buscar uma estratégia de baixo custo vai de encontro ao que sempre se soube da indústria bancária: é um business commoditizado. A guerra de negócios comoditizados normalmente é vencida pelos produtores de mais baixo custo. Em bancos, isso se traduz em um baixo custo de funding e em custos gerais da operação, que pode ser acompanhado pelo índice de eficiência do banco. No caso do Banco Inter, nenhum dos dois acompanha os grandes bancos.

Ao que me parece os diferenciais do Banco Inter são replicáveis não só pelos grandes bancos mas por qualquer novo postulante. E onde todo mundo tem o diferencial ninguém tem o diferencial.

A INDÚSTRIA

Reparem em como a indústria bancária é peculiar: ao mesmo tempo que é comoditizada, possui switching costs. No Brasil esse mix resultou em uma concentração bancária. Bancos de maior escala conseguiam ser os produtores de menor custo. Uma vez correntista, o cliente recebia alguns benefícios como custos mais baratos para operações onde a contraparte fosse do mesmo banco, por exemplo. Esse processo fez com que bancos com maior base de clientes fossem ainda mais atraentes para novos clientes. Adicione-se a isso a dificuldade de se trocar de bancos e está aí a receita da concentração bancária.

Os bancos digitais atacam alguns pilares da concentração  quando eliminam as tarifas e facilitam a abertura de contas. Eu acredito que a indústria como um todo vai convergir para uma realidade mais ágil e mais barata, e os grandes favorecidos serão os consumidores. A pergunta que não quer calar é como os grandes bancos vão participar desse processo.

A princípio não existe nada que um banco digital ofereça que um banco como o Itaú não tenha condições de oferecer. E não a toa o Itaú já declarou guerra com o anúncio do lançamento do ITI. É cedo para dizer se o ITI vai ser um sucesso ou não. Normalmente as soluções tecnológicas dão mais certo onde elas nascem como o conceito do negócio e não onde elas nascem como um braço de um negócio mais tradicional. Mas uma coisa é certa: o Itaú já está de olho no movimento dos bancos digitais. Se a solução caseira (ITI) não ganhar tração e os bancos digitais continuarem ganhando espaço, a tendência será o Itaú tentar - e conseguir - comprar um banco digital consolidado.

VALUATION

Voltando ao Banco Inter naquele que é o grande tema da discórdia: o preço!

Avaliar banco tem lá suas particularidades já que a dívida se mistura com o que seria a matéria prima do banco. Para facilitar o processo, analistas usam múltiplos de equity como PE e PB ratios.

Para minha felicidade, o amigo do twitter Jonathan Camargo (@j_camargo_nyc) compilou hoje uma lista com informações sobre vários bancos. Após uma breve editada que fiz no Paint para reduzir o número de informações, o que ficou foi isso:

Fonte: Twitter do @j_camargo_nyc


Idealmente comparamos bancos de características semelhantes. Para bancos com várias áreas de atuação, convém estimar o valor do equity ponderando o lucro pela contribuição de cada setor. Mas o Banco Inter, com seus ratios tão esticados, facilita nosso trabalho.

Quando observado em conjunto com o ROE, o que os ratios do Banco Inter nos dizem é que há uma expectativa enorme quanto ao seu crescimento de lucros. Na minha opinião uma expectativa fora da realidade e que de alguma forma se reflete no alto payout ratio de 60% (retirado do YahooFinance). Resumindo: acho que a ação está cara. E acho que o Banco Inter,  diante do seu último anúncio, concorda comigo.

PORQUE O BANCO INTER ESTARIA CARO?

Tentar explicar porquê a visão do mercado é diferente da sua visão é um exercício saudável.  Daqui a algum tempo, quando os fatos te derem ou não razão, você terá a oportunidade de reavaliar onde você achou que o mercado estava errado e com isso vai poder refinar o seu processo de investimento. Nosso objetivo enquanto investidores é maximizar a contribuição da nossa habilidade e minimizar a contribuição da sorte na busca por resultados bons e consistentes.

Voltando ao tema, vou contar uma breve estória. Em 2016 a Goldman Sachs resolveu desenvolver um banco digital voltado ao americano médio. O projeto não é muito diferente do que falamos aqui. Baixo custo, interface simples, oferta de um ecossistema de produtos financeiros, tudo digital e a promessa de abalar as estruturas dos grandes bancos que focam nesse tipo de cliente. Atualmente esse segmento, chamado Marcus, recebe US 1 bilhão de depósitos por mês e está lançando um cartão de crédito em parceria com a Apple. Apesar disso, os investidores não andam muito entusiasmados com a Goldman. Há duas semanas, o CEO da Goldman, David Solomon, falou o seguinte:

“Se nós estivessemos no Vale do Silício e tivéssemos feito 20% do progresso que fizemos, nós receberiamos muito mais crédito e as pessoas estariam jogando dinheiro em cima da gente pra ter uma fatia desse negócio” – disse se referindo ao Marcus

É muito interessante o que o Solomon falou. Me faz pensar: se o Banco Inter tivesse sido desenvolvido dentro do Itaú pelas mesmas pessoas e tivesse hoje os mesmo resultados que possui, o Itaú estaria precificado com sua contribuição digital nos mesmos níveis que está hoje precificado o Banco Inter? Eu acho que não.

Empresas que nascem digitais e prometem disrupções a partir de transformações digitais estão recebendo a benção automática dos investidores. Com o dinheiro tão barato quanto agora, investidores não só se vêem forçados a encontrar alternativas de investimentos como passam a valorizar intangíveis digitais em detrimento de ativos físicos que fazem parte de boa parte dos velhos negócios.

No caso do Banco Inter existe a - até aqui - boa execução dos operadores. Existe o discurso de transformação digital de uma empresa que “nasceu” digital. Existe a expectativa de ameaçar os vilões que são os grandes bancos. Existe um Softbank negociando aportes bilionários na Nubank. E existe sempre alguém disposto a pagar mais do que você pagou. É o jogo da precificação corroborando uma tese que pode ser facilmente digerida.

Essa é a diferença: eu acho que o mercado está jogando o jogo da precificação enquanto eu busco jogar o jogo do valor, e nem sempre eles convergem.

Pra mim, o Banco Inter continua sendo só um banco.

Stay cool,
Don Black







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