Wednesday, October 30, 2019

A falácia do investidor privado e um pouco sobre dedicação


O ZERO ESFORÇO, O POUCO ESFORÇO E O INVESTIDOR PRIVADO

Por alguma razão que me foge a compreensão tenho recebido algumas mensagens em busca de orientação profissional. O post portanto começa com um alerta: não é recomendado pedir orientação profissional para perfis anônimos da internet. 

Dito isto, ainda que eu apreciasse poder indicar o melhor caminho de vida para as pessoas, eu não posso. Verdade seja dita, eu mal sei o que fazer da minha própria existência e tem sido mais ou menos assim desde que eu comecei a tomar minhas próprias decisões.

Nutro a desconfiança de que as perguntas acontecem por que sou investidor privado. E como há certo entendimento de que um investidor privado é alguém que ganha muito e trabalha pouco, nada mais intuitivo do que pedir para que esse felizardo te indique o caminho da glória, qual seja, ficar rico sem fazer nada.

Até o mais primitivo dos seres humanos há de reconhecer que se hoje você é pobre então alguma coisa tem que acontecer para que você deixe de ser pobre. Tudo o mais costante você continuará sendo pobre, com o agravante de ir envelhecendo.

Como é de se esperar da natureza preguiçosa do ser humano as soluções ideais passam por mudanças que independem da nossa ação, daí o sonho de ficar rico sem fazer nada. Um exemplo seria a morte de um parente desconhecido que por obra do destino deixasse uma gorda herança. É um exemplo tão bom que nem o luto da perda existe.

Diante da dificuldade de fato semelhante acontecer o ser humano passa então ao próximo passo. No caso, o próximo passo é ficar rico fazendo muito pouco esforço. Aqui é onde entram as loterias, cassinos, corridas de cavalo, bolsa de valores e até casamentos. E é aqui também onde somos mais humilhados pelas artimanhas dos nossos cérebros, que nos fazem ignorar desde a improbabilidade dos eventos até os efeitos colaterais das decisões.

Na regra da fortuna pelo menor esforço entram também os trambiques. Não importando o quão impossível seja uma solução, sempre haverá um vendedor oferecendo o que um comprador se dispõe a pagar. É regra básica do comércio, da economia e da trambicagem em geral.

Veja que notável encontro comercial. De um lado, trambiqueiros que viram na arte da trapaça um atalho para a prosperidade. Do outro lado – note bem como existe certa ironia nisso – incautos dispostos a perder dinheiro suado para alimentar a ilusão de ganhar dinheiro fácil. É a manifestação plena do livre comércio, onde para muitos não há inocentes.

Para decepção de muitos e sob pena de deixar de ganhar dinheiro e seguidores, sempre alerto para as dificuldades de enriquecer sendo exclusivamente um investidor privado. Mesmo investidores famosos não buscam esse caminho. Ao invés disso se protegem atrás de uma estrutura de remuneração (taxa de administração, assinatura de conteúdo, etc) que garante um fluxo generoso o suficiente para manter um alto padrão de vida e construir o patrimônio à margem do que acontece na performance dos investimentos.

A pessoa comum que se aventura a ser um investidor privado não tem esse luxo. Ele é pressionado por necessidades de caixa e um patrimônio restrito. Investir sob esse estresse e insegurança é uma realidade completamente diferente que distorce o campo de jogo. Então se você  achou por um momento que ser um investidor privado fazia parte da categoria de ficar rico fazendo pouco esforço convém reavaliar.

Imagino que esse entendimento distorcido sobre investidores privados decorre naturalmente do fato de que muitos dos auto intitulados investidores privados são ricos e não fazem muita coisa. E como diz o ditado, “só acredito naquilo que vejo”. Mas daí a acreditar em tudo que vemos também não é boa medida já que boa parte do iceberg se esconde debaixo d'água. Anote esse segredo: boa parte dos auto intitulados investidores privados são ricos apesar de serem investidores e não porque são investidores.

Veja só, a maioria dos investidores privados são ricos buscando rentabilizar um patrimônio que não foi construido investindo organicamente. Normalmente o patrimônio vem da família ou da venda de um negócio anterior. Com o patrimônio já garantido para algumas gerações essa pessoa passa a se intitular um investidor privado e assim ela passa a frequentar eventos exclusivos, conhecer outras pessoas ricas e poderosas e ser bajulada por gestores famosos e vendedores atraentes. Sexo, dinheiro e poder, o tridente motivador do comportamento humano. Quem pode resistir?

Enfim, para esse auto-intitulado investidor privado o valor investido é alto em termos absolutos, o nível de investimento é conservador em relação ao % do patrimônio e com essa combinação ele aparenta ser um grande investidor sem precisar ter resultados. Pura mágica!

A rigor esse sujeito realmente é um investidor privado mas é importante que o investidor comum veja a fotografia inteira. E a fotografia inteira é que generosa parcela dos investidores não existiria se houvesse alguma lei divina que impedisse aqueles que não ascenderam organicamente como investidores do próprio patrimônio de serem denominados investidores.

Então se você pensa em ficar rico organicamente sendo um investidor privado, vá devagar. Esteja seguro  com seu fluxo de caixa e o tamanho do seu patrimônio em um cenário onde seus investimentos perdem 50% do valor antes de fazer alguma idiotice só porque um bando de ricos posta foto ostentando uma auto-intitulada vida de investidor privado.

O MUITO ESFORÇO

Ok, acho que até agora venho fazendo um bom trabalho nesse texto. O trabalho da desilusão. Já levantei as dificuldades de ganhar dinheiro sem fazer nada e de ganhar dinheiro fazendo muito pouco. Já joguei também um balde de água fria naqueles que almejam jogar tudo para o alto e começar a ser um investidor privado na próxima segunda-feira. Com todos esses sonhos destruidos vamos para o que resta: ganhar dinheiro se esforçando.

O interessante de se esforçar para ganhar dinheiro é a quantidade de pessoas que impõem como regra um auto-flagelo. São pessoas que trabalham 16 horas por dia em alguma atividade insuportável em troca do que convencionou-se chamar realização profissional. Eu sempre achei essa lógica estúpida. É uma lógica tão estúpida que os próprios participantes precisam criar uma narrativa que justifique tamanho absurdo. Investment bankers se promovem como uma seita exclusiva, estagiários de backoffice fingem que estão passando por algum teste de grandeza, e por aí vai. Tudo bobagem.

Uma regra que faz sentido é se livrar logo daquilo que faz sua vida insuportável. Steve Jobs transmitiu essa idéia de uma forma um pouco diferente quando disse:

“Eu me olhava no espelho todas as manhãs e me perguntava: “Se hoje fosse o último dia da minha vida, eu ia querer fazer o que eu estou para fazer?” E sempre que a resposta era “Não” por muitos dias seguidos, eu sabia que precisava mudar alguma coisa.”, Steve Jobs

O valor de fazer uma atividade que você gosta está nos bons comportamentos que brotam naturalmente. Somos mais curiosos e nos esforçamos mais e por mais tempo em atividades que nos dão prazer. E coincidentemente as chances de sucesso são maiores para pessoas curiosas e que se dedicam com intensidade e consistência. Resumindo, fazer o que gosta tem consequencias naturais que aumentam a chance de sucesso. E o melhor, sem precisar viver uma vida de penitência.

Puro papo de coach, eu sei. Mas é como foi pra mim, é o que acho que faz sentido e é a melhor forma que consigo responder a famigerada pergunta: “Don, o que você acha que eu devo fazer?”

Stay cool,
Don Black

Wednesday, October 23, 2019

Amazon for dummies


O nome AMAZON atrai! Chama atenção! Vende! É por isso que em recente entrevista do José Isaac Peres, fundador da Multiplan, o título da matéria era:

José Isaac Peres: ‘Amazon é gigante de papel, que lucra menos de 1% do que vale’

A entrevista é no máximo razoável e a parte da Amazon foi apenas um pequeno detalhe mas o jornalista fez questão de colocar essa fala em destaque. Tudo para despertar os sentimentos do público. Porque é isso que a Amazon faz, desperta sentimentos! É o bear do varejo nacional que vê a Amazon como o gigante que vai finalmente trazer o desenvolvimento para o consumidor brasileiro, destruindo todos os players locais. E é o bull do varejo nacional que regurgita o velho mantra - com até certo orgulho patriótico - de que “aqui no Brasil o buraco é mais embaixo.”

Para surpresa de ninguém, José Isaac pareceu estar mais com a turma do bull do varejo nacional quando disse na entrevista que “A Amazon é um gigante de papel. É uma empresa que vale US$ 1 trilhão e tem um lucro inferior a 1% do capital. Isso vai até quando?”

José Isaac Peres está atrasado quando se trata de Amazon. O questionamento dele data dos anos 90, quando a Amazon ainda era só Amazon.com. Mais de 20 anos depois e nem o maior Amazon-bear se apega mais nisso. É discurso ultrapassado. Apenas um grupo de pessoas ainda fala disso, aqueles que não conhecem a Amazon.


A AMAZON DO MISSIONÁRIO JEFF BEZOS 

A Amazon é antes de tudo uma sobrevivente. Nasceu em 1994 e se tornou pública em 1997, pouco antes da bolha ponto-com. Na época a Amazon se chamava Amazon.com, o que adiciona um pouco mais de drama ao enredo. Mas no final das contas a Amazon viu a morte de perto e sobreviveu.

De lá para cá a empresa passou por vários altos e baixos que hoje são imperceptíveis pontos distantes do gráfico de cotação. E o que sempre esteve presente durante todo o momento foi a visão de Bezos para o negócio e sua capacidade de execução. Bezos entregou o que prometeu. E o que é isso exatamente? São os pilares que sustentam o modelo de negócios da Amazon:

1. Fluxo de caixa

“Margens percentuais não são uma das coisas que procuramos otimizar. É o valor absoluto do fluxo de caixa livre em dólar por ação que você quer maximizar e se nós podemos fazer isso reduzindo as margens, nós faremos. Então se você pode gerar fluxo de caixa livre, isso é uma coisa que os investidores podem gastar. Os investidores não podem gastar margens percentuais.”, Jeff Bezos

2. Market-share

“Liderança de mercado pode se traduzir diretamente em maiores receitas, maior lucratividade, maior velocidade de capital, e correspondentemente, melhores retornos sobre o capital investido.”, Jeff Bezos

3. Paciência

“Se tudo o que você faz precisa funcionar em um horizonte de três anos, você está competindo contra muita gente. Mas se você está disposto a investir em um horizonte de sete anos, você agora está competindo contra apenas uma fração dessas pessoas porque são poucas as empresas dispostas a fazer isso. Por apenas prolongar seu horizonte de tempo você pode se engajar em empreitadas que de outra forma você jamais poderia perseguir. Na Amazon nós gostamos de coisas que funcionam de cinco a sete anos. Nós estamos dispostos a plantar a semente e deixar crescer. E nós somos muito teimosos.”, Jeff Bezos

4. Obsessão com consumidor

“A principal coisa que nos fez ter sucesso é o foco compulsivo-obsessivo com o cliente ao invés de ter obsessão com o competidor.”, Jeff Bezos

5. Experimentação

"Para inventar você tem que experimentar, e se você sabe de antemão que vai dar certo, então não é experimentação. Fracasso e invenção são gêmeos inseparáveis.", Jeff Bezos

6. Agressividade

“A sua margem é a minha oportunidade.”, Jeff Bezos

Foi em cima disso que a Amazon se construiu e é em cima disso que a Amazon continua sua caminhada. O investidor que buscou lucros no demonstrativo de resultados da Amazon viveu anos de frustração. O primeiro lucro da Amazon aconteceu no último trimestre de 2001 e mesmo assim não se manteve ao longo do tempo. Em compensação o fluxo de caixa operacional é positivo desde 2002.

É essa concepção de negócios com desdém para a lucratividade que intriga tanta gente. José Isaac Peres entre eles. Mas ninguém pode culpar Bezos. Ele já havia alertado para suas prioridades na sua primeira carta aos acionistas, traduzida e publicada aqui. E lucratividade nunca foi uma dessas prioridades. Pelo contrário, Bezos faz questão de não ter alta lucratividade. Esse é o ponto-chave, então vamos repetir:

Bezos faz questão de ter margens baixas e pouco lucro. Faz questão! Bezos reinveste todo lucro da Amazon para (1) desenvolvimento de tecnologia e novas frentes de negócios; (2) aumentar eficiência para o consumidor e (3) diminuir preço para o consumidor. Com geração de caixa saudável, a Amazon fica livre para repassar todo benefício para o consumidor e com isso ganhar escala.

É importante entender que as baixas margens e lucros da Amazon são propositais. Não é resultado de busca por sobrevivência e nem de má gestão. É um desenho intencional da Amazon para pressionar os concorrentes e ganhar escala. Afinal, como Bezos disse, “sua margem é minha oportunidade”.

A execução consistente ao longo dos anos deu a Bezos uma grande vantagem: o benefício da dúvida. A Amazon tem uma forte base de investidores que entende o modelo de negócios e está disposta a confiar na visão de Bezos independente de lucros.  Poucas empresas podem jogar o mesmo jogo. O acesso a capital, foco em longo prazo e desdém por margens transformaram a Amazon em muito mais do que uma simples varejista virtual. A Amazon virou uma máquina de disrupção. Uma máquina de disrupção que fatura 29 milhões de dólares por hora!

A AMAZON DE HOJE

A Amazon está dividida em 6 segmentos operacionais:

  1. Venda online: venda direta online (1P) e receitas do conteúdo digital
  2. Loja física: vendas onde o cliente retira o produto fisicamente na loja. É o caso do Whole Foods.
  3. Serviços de vendas de terceiros (3P): comissões e taxas de armazenagem e envio de produtos de terceiros que são comercializados via marketplace
  4. Serviços de assinatura: taxas anuais e mensais relacionadas a audiobook, video digital, e-book, música digital e, acima de tudo, o Prime. Não está incluido aqui o AWS, que merece um segmento próprio
  5. Amazon Web Services (AWS): serviço de computação em nuvem da Amazon
  6. Outros: como todo campo “Outros”, significa tudo que não está nos anteriores. No entanto existe um segmento que está aqui e merece destaque: propaganda.


A distribuição de receita por segmentos é a seguinte:


E aqui está como foi essa evolução na distribuição nos últimos anos:


A diversificação vem acontecendo aos poucos mas o que chama atenção é a predominância da venda online, que representa mais de 50% da receita da Amazon. Se existe um segmento que retrata fielmente a visão Amazon de margem baixa e liderança de mercado esse segmento é o da venda online. E o segredo para manter essa roda girando é o ciclo de conversão de caixa. Em outras palavras, a Amazon recebe o pagamentos dos seus clientes muito antes de ter que pagar seus fornecedores.

Durante esse processo de venda, recebimento e pagamento, a Amazon mantém um float de quase 20 dias. O ciclo de conversão de caixa do Walmart é de menos de 3 dias e o do Costco é por volta de 4 dias. Essa liquidez imediata ajudou a Amazon desde seus primeiros dias permitindo um reinvestimento contínuo em crescimento. Exatamente como Bezos vislumbrou desde o início.

UM POUCO SOBRE AWS

Quando passamos para rentabilidade nós temos uma visão um pouco diferente da Amazon. Aqui a empresa não divulga por segmentos operacionais mas mesmo assim é o suficiente para mostrar uma coisa importante: a força da AWS.


A AWS é talvez o experimento de maior sucesso da Amazon. Começou em 2000 a partir de uma necessidade interna da empresa. Com paciência, levou 13 anos para se tornar um negócio de 2 bilhões de dólares. E depois levou apenas cinco anos para explodir, saindo de 2 bilhões de dólares para 26 bilhões de dólares.




Colocando tudo junto vemos que a AWS representa 10% das vendas e 60% do EBIT da Amazon (foi 105% em 2017!). Uma maneira de pensar é que o AWS financia a empresa mas isso seria ignorar todo o modelo de negócio já falado da Amazon e sua impressionante geração de caixa. E isso nós deixamos para o José Isaac Peres.

UM POUCO SOBRE 3P

Antes de começarmos tenha em mente que Gross Merchandise Volume (GMV) nada mais é do que o valor em dólar das mercadorias vendidas. Nome complicado e simples definição, como boa parte dos termos técnicos.

No caso da Amazon a venda direta online saiu de $1.6 bilhão em 1999 para $117 bilhões em 2018. Um CAGR de 25% ao longo de quase 20 anos. Para efeito de comparação, o eBay, outro gigante da venda online dos Estados Unidos, teve um CAGR no mesmo período de 20%.

Achou bom? Então veja isso:

Quando falamos em venda online de produtos de terceiros que usam o marketplace da Amazon o número salta de $0.1 bilhão em 1999 para $160 bilhões em 2018. Um CAGR de 52% ! O take-rate da Amazon para vendas de terceiros é de pouco mais de 26%.

O resultado disso é que a Amazon representa hoje quase 50% de todo o e-commerce dos Estados Unidos.

UM POUCO SOBRE PRIME

Há muitos anos sou assinante do Amazon Prime e nunca cogitei cancelar. O que minha família economizou em taxas de entrega ao longo dos anos pagou o Prime em muitas vezes. E assim é para muitas das pessoas que conheço, o que sempre me fez pensar em como a precificação do Prime era um potencial desperdiçado.

A essa altura nós sabemos o por quê. O objetivo da Amazon não é explodir sua lucratividade com assinaturas do Prime. O que a Amazon quer é um cliente que tenha compras mais recorrentes na plataforma, que tenha uma taxa de conversão maior para novos produtos e que tenha um custo de aquisição menor para novas invenções. 

E é exatamente isso que os clientes Amazon Prime oferecem em relação aos clientes comuns. O cliente Amazon Prime compra em média 40% a mais por ano na Amazon do que o cliente comum. Hoje já são mais de 100 milhões de assinantes Amazon Prime nos Estados Unidos; mais da metade dos lares americanos possuem Amazon Prime. É um exército fidelizado.

UM POUQUINHO SÓ SOBRE PROPAGANDA

Eu não vou me alongar muito por aqui mas queria chamar atenção para um segmento que acredito que um dia vai ter sua própria linha no balanço da Amazon: propaganda.

A indústria da propaganda é difícil até mesmo para a Amazon. Isso por que nela existem outros grandes conquistadores, Google e Facebook. E o segmento de propaganda da Amazon ainda é muito pequeno em relação ao que esses dois geram. Mas está crescendo!


Pesquisa recente mostrou que quase metade (46.7%) dos buscas online por novos produtos começam na Amazon. Em compensação, “apenas” 34.6% dos entrevistados começaram pelo Google.

Assim como é com o Prime eu acho que a Amazon não vai espremer os usuários para extrair o máximo possível de receitas com propaganda. Fazer isso comprometeria a experiência e levaria a um descontentamento crescente. Em outras palavras, afastaria consumidores. E isso é a última coisa que a Amazon quer. Mas a medida que mais e mais pessoas usam a Amazon como fonte de pesquisa eu espero algum aumento nessa linha de receita.

O CICLO VIRTUOSO DA AMAZON

Em 2001 Jeff Bezos rascunhou seu modelo de negócios em um guardanapo. O rascunho era o seguinte:



Para Bezos tudo começa em dar ao cliente uma excelente experiência (repassar o valor para o cliente sem pensar em margens). Uma grande experiência vai atrair mais clientes. Com mais clientes na plataforma, mais vendedores (3P) vão se juntar. Os novos vendedores vão ampliar a seleção de produtos e competir em preço, reduzindo o preço dos produtos para o consumidor final. Com isso a experiência do cliente fica ainda melhor. Simples assim.

Com os recursos gerados nesse ciclo virtuoso a Amazon seguiu seu paciente processo de experimentação. O resultado está nos novos negócios criados desde que Bezos fez esse rascunho no guardanapo. Mas os negócios vão obedecendo a mesma dinâmica, buscando gerar valor para o consumidor e espremendo os concorrentes.

Sob pena de me tornar repetitivo, os pilares do modelo de negócios da Amazon transformaram a empresa de Bezos em uma máquina de disrupção. Não importa o quão estabelecida ou grande seja a concorrente, quando a Amazon aparece é hora de ligar o alerta. E a Amazon já apareceu no Brasil. E agora?

A AMAZON NO BRASIL

Antes de começar vou a alguns fatos:

1. Não existe lei que impeça empresa gringa de prosperar no Brasil. Isso é fantasia e deve ser esquecido. O que deve ser observado é a execução da empresa, seja ela estrangeira ou não. É possível argumentar que empresas gringas executam mal no Brasil mas isso não basta como regra absoluta para desconsiderar todas elas.

2. O Brasil é uma experimentação para a Amazon. E sequer é a principal. A principal experimentação da Amazon no mercado internacional atende pelo nome de Índia. E isso é um fator que ajuda os players brasileiros.

3. Evolução no varejo não acontece da noite para o dia. Vai levar tempo até a Amazon ter sucesso no mercado brasileiro. E talvez não tenha nunca.

Dito isto, vamos prosseguir.

A Amazon começou a vender e-book no Brasil em 2012 e dois anos depois passou a vender livro impresso. É irônico que tenham começado por livro eletrônico e só depois tenham passado para o tão tradicional livro físico. Mas faz sentido. O e-book é uma oportunidade fácil de atacar em um momento em que a empresa começa a ter contato com um novo mercado.

O avanço para livros tradicionais representa muito mais do que parece porque significa a entrada no varejo físico. É a Amazon se aprofundando nos desafios logístico e tributário. A Amazon não começa por livros porque acha que o Brasil é um país de leitores inveterados. A Amazon começa com livro no Brasil pela mesma razão que começou com livros nos Estados Unidos: é um produto padronizado, não-perecível, que possui algumas complexidades (diferentes números de títulos, por exemplo) ao mesmo tempo que é um dos mais fáceis desafios do varejo físico. A Amazon quer apenas aprender.

Em 2017 a Amazon expandiu para o marketplace a fim de testar a receptividade e preferência dos consumidores brasileiros. A partir daí a Amazon percebeu a necessidade de desenvolver um centro de distribuição no interior de São Paulo antes de dar o passo seguinte. E o passo seguinte veio esse ano através da venda direta e do Amazon Prime.

O anúncio do Amazon Prime causou frisson. Lembra que eu comentei no início que a Amazon despertava sentimentos? Foi o que aconteceu. Varejistas brasileiras viram suas ações caírem, como se transformação varejista acontecesse por um anúncio. Com o tempo tudo foi se normalizando. Agora as varejistas brasileiras já devem estar acreditando que implodiram a Amazon por aqui. É a velha paixão de mercado que cria muito barulho e pouca sinalização.

Para o investidor racional o frisson causado pelo anúncio do Prime fez pouco sentido. A Amazon já era famosa nos Estados Unidos quando o Prime foi lançado em 2005. Seis anos depois e o Prime ainda significava apenas 4% dos usuários da Amazon. Se mesmo no berço da Amazon o Prime demorou até ganhar tração, por que acreditar que no Brasil seria diferente? Os fanáticos acreditam naquilo que eles querem acreditar a despeito dos fatos.

O avanço gradativo da Amazon no Brasil está alinhado com sua cultura de experimentação. Além das citadas logística e tributação, a Amazon tem um desafio adicional no Brasil: os pagamentos. A cultura brasileira de pagamento parcelado impacta a Amazon naquilo que é sua fundação, o fluxo de caixa. E ao que tudo indica a Amazon vai buscar o crescimento orgânico enquanto aprende.

Isso quer dizer que é improvável que a Amazon saia fazendo aquisições de grandes redes brasileiras, como é o sonho de muitos acionistas por aí. O que deve acontecer é a Amazon continuar pouco representativa por um tempo enquanto vai estudando o comportamento do consumidor brasileiro, expandindo seu catálogo e arredondando sua logística de entrega. E só então, caso julguem valer a pena, a Amazon vai começar a pressionar. 

Quando/se esse dia chegar vai ser fácil de saber. Como? Simples, nenhuma grande varejista vai ter nada perto de dois dígitos de margem.

Desculpem o texto longo.

Stay cool,
Don Black


Monday, October 14, 2019

Os Missionários


O EMPREENDEDORISMO E A RAZÃO

Na semana passada o amigo @uorrembife (twitter) do site abacusliquid.com postou o seguinte:




Ele está certo, muito certo! Abrir um negócio para trabalhar pouco e ficar rico é um dos maiores descolamentos entre realidade e expectativa que existem. E ainda assim muita gente faz. Uma explicação pra isso vem da combinação do viés de sobrevivência com a romantização da história dos sobreviventes. Ou seja, não apenas nos concentramos nos poucos casos que prosperam como vemos esses casos de sucesso como um caminho suave de paz e prosperidade.

Longe disso, o caminho do empreendedor de sucesso é melhor descrito da seguinte forma:

“Na verdade, o meio é extremamente volátil – uma sequencia contínua de subidas e descidas, expansões e contrações. Assim que a lua de mel de começar uma nova jornada acaba, a realidade te dá um soco na cara. Forte. Você vai se sentir perdido e depois vai encontrar uma nova direção; você vai progredir e depois vai andar pra trás.”, Scott Belsky



É fácil olhar para a Berkshire e se imaginar no lugar de Buffett, ganhando bilhões enquanto se empanturra de hamburger e coca cola. Mas não é tão fácil virar as noites estudando ação por ação no manual da Moody’s. O Buffett que está hoje na CNBC só existe graças ao Buffett que vivia uma vida muito menos glamourosa e mais estressante há 60 anos atrás. O Buffett que todo mundo quer ser só existe graças ao Buffett que quase ninguém quer ser.

A vida dos empreendedores é cheia de obstáculos. Obstáculos que acabam esquecidos e obstáculos que acabam virando lendas romanceadas quando a empresa cresce. Mas obstáculos que, no momento em que aparecem, são questões de vida ou morte. A narrativa que Phil Knight faz no livro Shoe Dog sobre sua caminhada e a criação da Nike é espetacular. Recomendo que todos leiam. É uma narrativa honesta sobre sua caótica jornada. Sobre essa experiência, Knight diz o seguinte:

“Para o empreendedor, todo dia é uma crise.”, Phil Knight

Acho que vocês já pegaram a idéia. Abrir um negócio é, de forma geral, uma manifestação irracional. O interessante é que no nosso ecossistema nós temos uma espécie forjada para lidar com essa irracionalidade: o missionário.

O MISSIONÁRIO

"Nunca tenha pena dos missionários; inveje-os. Eles são onde a verdadeira ação está - onde vida e morte, pecado e graça, Paraíso e Inferno convergem.", Robert C. Shannon

O missionário é a pessoa que ri diante das estatísticas. Sabe aquelas manchetes do tipo “90% das pessoas que tentam fazer determinada atividade falham”? Pois bem, os missionários não estão nem ai pra elas. Eles não pensam nos 90% que falham. Nem nos 10% que vencem. Nem no 1% dos mais bem sucedidos. Eles pensam apenas naquilo que eles e somente eles estão construindo.

Ou seja, a estatística não vale nada porque aquilo que ele vai fazer jamais foi feito mesmo. Esse é o missionário, um sujeito que atravessa a linha de tiro com um alvo na testa e tem a convicção de que vai prosperar.

Nem todos prosperam, é claro. Assim como vários outros que não são missionários acabam encontrando sucesso. Mas os missionários tem um arcabouço emocional para enfrentar dificuldades que ninguém mais tem. Isso porque, entre outras coisas, os missionários tem senso de propósito e fé no sucesso. E como diz Laurence Gonzales em Deep Survival, “a fé é uma coisa muito importante no desejo de sobreviver”.

Tomemos Ayrton Senna por exemplo. Você sabe qual é a chance de uma criança do kart virar um ídolo da fórmula 1? Eu não sei mas imagino que não seja grande. E acredito que Senna também nunca se perguntou sobre isso. Na verdade Senna avaliava suas chances dessa maneira pouco científica:



“Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.” Ayrton Senna

Quando colocamos essa declaração no contexto da vida de Senna é muito claro que estamos diante de um missionário. É direito de cada um se perguntar se o “modo Senna” valeu a pena diante da morte precoce mas essa é uma pergunta que um missionário jamais faria. Jamais faria, porque o missionário já nasceu com a resposta no sangue.


O MISSIONÁRIO E O MERCENÁRIO NO MUNDO DOS NEGÓCIOS

Peter Thiel, primeiro investidor do Facebook, contou uma estória interessante sobre Zuckerberg. Ele contou que quando o Facebook tinha apenas 10 milhões de usuários - hoje tem mais de 2 bilhões - a Yahoo! fez uma oferta de aquisição no valor de 1 bilhão de dólares. A parte de Zuckerberg, então com 22 anos, era de 250 milhões de dólares.

Com a perspectiva de colocar toda essa grana no bolso e poder curtir a vida adoidado sendo quase um adolescente, o que Zuckerberg fez? Rejeitou a oferta sem hesitar! Segundo Peter Thiel, Zuckerberg sequer ponderou a proposta imaginando como seria sua nova vida. Zuckerberg simplesmente rejeitou seus 250 milhões de dólares como se aquilo fosse uma banalidade cotidiana. Ele gostava do que fazia e tinha planos para sua empresa. Nada mais importava.

Decisões como essa contrastam muito com as decisões tomadas por um outro grupo do nosso ecossistema, esse mais comum: os mercenários. Apesar de soar pejorativo, não há nada de errado em ser mercenário. Os mercenários tem espaços e oportunidades no ecossistema, não estão fazendo nada ilegal e em muitos casos são competentes.

Mas os mercenários não tem o senso de propósito dos missionários. Eles são mais preocupados com suas carreiras, seus bens e suas reputações pessoais. Quase todos os executivos carreiristas são mercenários. Assim como são mercenários aqueles fundadores que já começam a empresa pensando em uma estratégia de saída, sonhando com o dia em que vão receber uma oferta de 1 bilhão de dólares do Yahoo!.

Até onde vai meu conhecimento a primeira pessoa a formalizar a diferença do mercenário para o missionário foi John Doerr, famoso venture capitalist americano da californiana Kleiner Perkins. A diferenciação que ele faz é a seguinte:

“Os mercenários são movidos pela paranóia; os missionários pela paixão. 
Os mercenários pensam oportunisticamente; os missionários pensam estrategicamente. 
Mercenários vão para o sprint; missionários vão para a maratona. 
Os mercenários se concentram em seus concorrentes e demonstrações financeiras; os missionários se concentram em seus clientes e em demonstrações de valor. 
Mercenários são chefes de matilhas de lobos; missionários são mentores e treinadores de uma equipe. 
Os mercenários se preocupam com seus direitos; os missionários são obcecados em contribuir. 
Mercenários são motivados pelo desejo de ganhar dinnheiro; os missionários, embora reconheçam a importância do dinheiro, são fundamentalmente motivados pelo desejo de deixar um legado.”
Eu não acho que um missionário tenha necessariamente que preencher todos esses requisitos daí. Steve Jobs foi inegavelmente um missionário mas há controvérsias sobre ter sido um grande mentor e treinador de equipe. Mas de forma geral eu acho a definição de Doerr bem razoável.

Do ponto de vista de investidor, já investi tanto em mercenários quanto em missionários. Na verdade, já investi muito mais em mercenários pela simples razão de que eles constituem ampla maioria. Mas se me perguntarem eu vou dizer que prefiro investir em missionários. Missionários tem qualidades incomparáveis e inalcançáveis pela pessoa comum. Possuem personalidade extrema e produzem resultados extremos. Mas como em tudo na vida, cobram seu preço.

Elon Musk fundou Paypal, SpaceX e Tesla. Com 32 anos, Musk era um sujeito que já tinha desafiado instituições financeiras e agora se via pronto para engolir não só a Ford como também a NASA. Ao mesmo tempo! Agora se pergunte, que espécie de ser humano faz isso? A mesma espécie que vai enlouquecer os investidores no twitter com declarações pouco convencionais.

Os missionários são pensadores independentes, de muita ação e pouco apego a convenções. Lidar com alguém assim pode ser muito difícil e estressante. Mas não é possível ter a parte do missionário que você gosta sem levar junto a parte que te desagrada. É o trade-off da personalidade extrema.

Enquanto investidor, demorei algum tempo para aprender a conviver com executivos missionários. E enquanto ser humano, nunca deixei de admirar o missionário. O sujeito que não pode ser comprado, que não pode ser intimidado. O sujeito que incomoda e faz a pessoa comum se sentir desconfortável. O sujeito que faz o impensável e debocha da estatística. O sujeito que nunca se contenta. O sujeito cuja personalidade é graça. E cuja personalidade as vezes é desgraça. Como foi em um dia de maio de 1994.

Mas quem há de dizer que não valeu a pena?




"Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou vilipendiá-los, mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los, porque eles mudam as coisas... eles empurram a raça humana para frente, e enquanto alguns podem vê-los como loucos, nós os vemos como gênios, porque aqueles que são loucos o suficiente para pensar que podem mudar o mundo, são os que o fazem.", campanha "Think Different" da Apple em 1997


Stay hungry, stay foolish,
Don Black



Thursday, October 3, 2019

O vilão da vez (daytrade), a construção de um processo e a regra de ouro


A EXAME E A MANIPULAÇÃO COGNITIVA

Dia desses a revista Exame fez uma matéria com um chamativo título “Prejuízo, depressão e morte no day trade”. Em linhas gerais a matéria fala sobre um rapaz que se matou por dívidas acumuladas em operações de day trade e o drama da sua esposa em lidar não só com a perda do marido mas também com as dívidas deixadas por ele.

Já escrevi neste blog o que penso sobre a responsabilidade dos grandes comunicadores do mercado financeiro no trato com o grande público. E o bom é que a matéria da Exame tem elementos importantes  como o alerta para alguns vieses, o encantamento do ganho fácil e as imagens que charlatões passam nas redes sociais.

Mas por outro lado a matéria soou como demonização irrestrita da prática do day trade. Sem contrapontos e sem ponderações, apenas um sujeito de família que se aventurou no day trade e se matou no final. Uma simplificação grosseira e um pouco apelativa.  É como tentar dissuadir alguém de entrar em uma bandinha de rock porque Kurt Cobain, Chris Cornell e Chester Bennington se mataram.

A matéria da Exame é um clássico caso de manipulação cognitiva. Um pouco de narrativa bem construida para ativar o poder do storytelling, uma pitada de estudo científico para explorar o viés da autoridade e um bode expiatório - o day trade - para satisfazer a busca associativa que nosso cérebro faz por relações de causa-efeito.

A história do rapaz é triste, disso não há dúvidas. Assim que seu caso foi divulgado tantos outros casos de pessoas que dilapidaram seus patrimônios se aventurando no mercado financeiro vieram a tona. Alguns pedidos de socorro e vaquinha online pipocaram no twitter. Qualquer pessoa de bom senso entende que casos assim devem ser evitados. Mas ninguém cura artrite cortando fora a mão.

ED THORP E O PROGRESSO PELO PROCESSO

Agora é a minha vez de apelar para o storytelling. Mas fiquem tranquilos porque a estória que vou contar também é real.

Edward Thorp é um grande matemático americano que brilhou tanto em Las Vegas quanto em Wall Street, se é que é dá para separar um do outro. Entre seus feitos, Thorp descobriu que é possível reverter a vantagem da casa no blackjack a partir da contagem de cartas.

Como Thorp era um acadêmico pouco convencional ele preferiu não escrever uma dissertação sobre o tema. Ao invés disso ele saiu numa sexta-feira da faculdade onde dava aulas, foi para casa, fez as malas, colocou uma roupa bacana e pegou um vôo para passar o fim de semana em Las Vegas. Thorp foi aplicar sua teoria na prática.

E o que vocês acham que aconteceu nesse fim de semana? Que Thorp hipotecou a casa e colocou todo o seu dinheiro em uma mesa de blackjack? Para quem só pensa em dinheiro no bolso, nada aconteceu. Thorp chegou, viu como o jogo funcionava, colocou pouco dinheiro, testou seu método e foi embora. Foi embora nem mais rico e nem mais pobre do que quando chegou. Mas Thorp aprendeu. E esse processo se repetiu por meses enquanto Thorp seguia aprendendo e refinando sua estratégia.

“A chave foi dar um passo de cada vez, adicionando um nível de dificuldade apenas depois que eu estava confortável e relaxado com aquilo que eu já estava fazendo. O que parecia árduo acabou ficando fácil.” Ed Thorp

A vida real traz complexidades inesperadas e Thorp sabe disso. A teoria da contagem de cartas funcionava bem no seu computador mas isso não era o bastante. Thorp sabia que precisava se expor no cassino. Isso porque no cassino existe o cansaço de memorizar cartas e calcular probabilidades por horas a fio. Existe o  medo de apanhar e ser jogado pra fora do cassino por um segurança brutamontes que jura que você está trapaceando. Existe a tentação de aceitar um ou outro uísque, e a dificuldade de não deixar o álcool afetar a concentração. Enfim, existe o inesperado.

Thorp sabia que na construção do seu processo ele tinha que incorporar essas complexidades. Complexidades que ele ainda não tinha como avaliar quando foi para o cassino pela primeira vez. Por isso o método foi sendo construído pouco a pouco. E foi só a medida que Thorp foi refinando seu processo que ele passou a ir levantando suas apostas.

DE VOLTA AO DAY TRADE

“Esse plano, de apostar apenas em um nível em que eu estava emocionalmente confortável e não avançando até que eu estivesse pronto, me permitiu aplicar meu método com uma precisão calma e disciplinada. Essa lição recebida nas mesas de blackjack viriam a se provar inestimáveis durante a minha vida como investidor, a medida que as apostas se tornaram ainda maiores.” Ed Thorp

Eu não faço day trade. Mas sendo bem honesto, isso não tem nenhuma importância aqui. O que tem importância é o seguinte: day trade não mata ninguém. Indo além, day trade também não tira o sono de ninguém. Não acredita em mim? Então faça o seguinte: pegue 10 reais, abra seu home broker e faça o day trade que você quiser. Apenas 10 reais na operação e nada mais. E aí, ficou tenso?

Meu ponto é o seguinte: a tensão e o perigo para o especulador/investidor vem da tolerância à perda máxima possível na operação e da probabilidade dessa perda acontecer. Simples mas difícil, eu sei.

Ed Thorp, que não é bobo, sabe que quanto menos se conhece sobre o campo de jogo, maior a probabilidade dessa perda máxima acontecer. E é por isso que ele não hipotecou sua casa quando foi no cassino pela primeira vez. E é por isso também que ele foi aumentando as apostas a medida que seu processo foi ficando mais robusto.

Mas na vila comportamental dos gananciosos todo mundo quer pegar dinheiro emprestado para ficar rico já na primeira viagem ao cassino. É irônico que no afã de enriquecer tanta gente siga a melhor receita de empobrecimento que exista.

Se você tem pressa, vá devagar! Pense em qual filosofia de investimento combina com você, esboce um processo a partir dessa filosofia, coloque ele em prática estando confortável com a máxima perda possível, observe o resultado, estude, ajuste o processo, coloque em prática novamente estando confortável com a máxima perda possível e siga isso até o fim da sua vida. É preciso amar o processo!

Mas se você quiser ignorar tudo o que eu escrevi aqui, siga apenas uma única regra que vou lhes dizer. Faça o que quiser, como quiser, mas siga sempre essa regra: assuma que a pior perda possível vai acontecer e se pergunte se você é capaz de tolerar essa perda. Se a resposta for “não”, então reduza sua aposta.

E é assim que eu salvo vidas.

Stay cool,
Don Black