Monday, June 15, 2020

Movida, aos poucos e avante!




Hora de escrever sobre alguma empresa brasileira. Já há muito tempo não o faço, o que para mim é um desperdício. Como os leitores daqui são versados no mercado brasileiro acabo aprendendo muito com os feedbacks de vocês em postagens como essa de hoje.

Então vamos lá. Vou aproveitar o embalo do recente post da Hertz e conhecer a Movida. Mas que o leitor não se apavore com essa conexão. Movida e Hertz são empresas de diferentes operações e inseridas em diferentes contextos. Comparações simplistas devem ser sempre evitadas. Investir é um exercício de evitar complicações sem cair em simplificações exageradas. Esse é o equilíbrio que o investidor deve buscar.

"Everything should be made as simple as possible, but not simpler", Einstein

A MOVIDA

A Movida é uma empresa de locação de veículos criada em 2006 e vendida para a gigante brasileira de logística JSL em 2013. A JSL, que pelo pouco que vi merece um post próprio, deu base financeira para patrocinar o crescimento da Movida até lançar o IPO da companhia em 2017.

Atualmente a empresa possui uma frota de 110 mil carros e 191 pontos de atendimentos espalhados em todos os estados brasileiros. Em relação à venda de seminovos, são ao todo 67 pontos de venda próprios em 26 estados. Uma operação nacional.

A INDÚSTRIA

O mercado para aluguel de veículos no Brasil tem tido um bom crescimento de dois dígitos há mais de dez anos e mesmo assim a frota das locadoras corresponde a apenas 2% dos carros do país e apenas 3% dos motoristas brasileiros já alugaram um carro.

A expectativa é que esse crescimento continue a medida que consumidores passem a ver os carros mais como um serviço e menos como bem. É o car-as-a-service! Os incentivos para isso existem. Alto custo de aquisição de um bem que se deprecia rápido, trabalho com emplacamento, vistoria, seguro e afins, custo de manutenção, etc. Tudo isso, aliado às novas alternativas de mobilidade urbana, contribuem para que as pessoas comprem cada vez menos carros.

Uma dessas alternativas de mobilidade foi exatamente o Uber. O que poderia ser um concorrente virou um aliado. Tábua de salvação para uma massa de mais de 10 milhões de desempregados, o Uber gerou uma demanda adicional para as locadoras já que 25% dos seus motoristas alugam os carros.

Então ao que tudo indica o mercado para as locadoras é saudável. Isso é uma grande coisa. Tocar uma empresa com os ventos da indústria a favor é uma benção.

O NEGÓCIO

A Movida atua em três frentes:

RAC: o bom e velho Rent-a-car, aluguel de veículo tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. O RAC vem em vários formatos e parece que a Movida faz um esforço no sentido de oferecer um bom leque de opções para os clientes. O aluguel pode ser diário, mensal e até anual. Tem o produto do carro por assinatura (mensal flex) e aqui vai também o aluguel de carro para motoristas de aplicativo, com atendimento dedicado e condições específicas de pagamento.

GTF: é a gestão de frota. São contratos longos - acima de um ano - para aluguel de veículos para clientes corporativos. Nela a Movida trabalha com o cliente para saber suas necessidades em relação ao tamanho da frota, geografia, padronização e personalização dos veículos, e por aí vai. Esse trabalho feito sob medida pode levar meses até chegar na assinatura final do contrato. Dada a personalização, é como se fosse um mix de consultoria com locação de veículos. Uma vez tudo acertado o contrato é firmado e só então a Movida adquire a frota.

Seminovos: como o nome sugere é quando os carros usados na locação vão ser vendidos. É uma área chave para uma locadora de carros porque é por onde escoa o grande ativo imobilizado da companhia e o que permite a necessária renovação da frota. A Movida sabe disso e portanto andou concentrando esforços no reposicionamento da sua marca Seminovos Movida.

Esses segmentos não podem ser tratados com independência. O objetivo da empresa deve ser o de fazer um trabalho harmonioso entre os três segmentos de maneira a maximizar o valor total criado para a companhia.

Imagine que o GTF, buscando maximizar apenas seu retorno, compre um mix diferente do mix utilizado no RAC. Nesse caso a empresa perde poder de compra junto às montadoras, prejudicando seu resultado total. Outro exemplo seria a compra de uma frota com baixa capacidade de revenda. Exemplos que mostram como os segmentos devem ser vistos como parte de uma grande engrenagem e precisam trabalhar juntos.

HISTÓRICO OPERACIONAL

RAC


O foco da Movida é o RAC para pessoas físicas e a estrutura, tanto física quanto digital, é desenvolvida pensando nisso. Aliás, pessoa física é foco da Movida não só no RAC como na empresa como um todo. Lojas de bairro, aprovação de financiamento online, pioneirismo no Movida Flex... São muitas as iniciativas com a pessoa física em mente, um segmento de maior margem e central no conceito do car as a service.

O RAC seguiu uma estratégia de ampliação de presença seguida de melhoria operacional. Isso é boa notícia, longe da tentação do crescimento a qualquer custo. Enquanto a base da frota total e pontos de atendimento foi se estabilizando – embora ainda com um crescimento razoável – a utilização da frota melhorou muito. É claro que a evolução da taxa de ocupação poderia vir por destruição de valor, por aluguéis a preços muito baixos e tudo mais. Se for o caso vamos pegar uma degradação de margem mais na frente quando formos olhar os resultados financeiros. Mas até aqui não há o que reclamar.

No que se refere a eficiência acho importante olhar a razão da frota operacional por frota total. Ela dá uma noção da capacidade de giro da frota e sua utilização. Não faz sentido observar apenas topline e ver crescimento exponencial do número de veículos totais se cada vez uma maior proporção dessa frota fica parada em manutenção. É dinheiro pela janela. E aqui a Movida vem fazendo um bom trabalho.

GTF


A gestão de frotas é um segmento diferente. Aqui os contratos são feitos sob medida para os clientes antes que qualquer frota seja adquirida. Se o contrato não é renovado os carros vão para venda. Sem maiores preocupações com taxa de ocupação.

A Movida concentra seu GTF em contratos com pequenas e médias empresas, evitando a forte competição que os grandes contratos atraem. Fazendo isso a Movida participa de contratos com melhores margens e mantém uma base de clientes diluida. 

O crescimento da frota sinaliza o avanço do segmento dentro da empresa. É claro que a maior contribuição de vendas vai vir sempre dos Seminovos já que lá é fluxo de saída do ativo imobilizado. Mas a contribuição de retorno do GTF é a melhor da companhia. Margens melhores e crescimento de frota com alta utilização.

Existem vantagens indiretas no crescimento do GTF. É um segmento sem os mesmos problemas de roubo, sazonalidade e PDD que o RAC. Uma receita mais estável de longo prazo que traz melhorias adicionais de custo e eficiência quando o perfil da frota é alinhado com o perfil da frota RAC.

Seminovos



Seminovos é um segmento de apoio de uma locadora de carro. E crucial. Em condições normais é onde está uma das minhas maiores preocupações com uma locadora. Mas não no Brasil.

As grandes locadoras compram carros com muito desconto. Justificável se considerarmos o volume de compra. Quando chega a hora de vender o veículo e fechar o ciclo, elas não precisam recolher ICMS. Uma vantagem tributária não compartilhada por montadoras e revendas multimarcas. Quando o desconto da compra se junta a vantagem tributária, a locadora vê uma excelente margem do giro. Essa dinâmica é uma dádiva na vida de uma locadora.

Quando pegamos a Movida vemos que a participação dela no mercado de usados nacional é mínima. Representa menos de 1% da venda anual de seminovos do país. Junte tudo e a conclusão é simples: a venda de usados não traz grande risco para a operação da Movida. Espaço pra melhorar? Sim, sempre dá para melhorar. Mas sem riscos em uma área tão crítica no business de uma locadora. 

É engraçado, porque até onde vi no meu feed no twitter - sim, essa é a minha experiência com a empresa! - seminovos sempre foi uma grande preocupação do mercado. Eu não poderia me importar menos com essa segmento. Quer dizer, você está diante de uma gestão que já conseguiu atacar bem outros desafios chave da companhia como escalar, lidar com os problemas de PDD e roubo, e você coloca essa gestão diante de uma situação de venda onde a dinâmica é favorável para o modelo de negócios. Eu não sei por que queimar a cabeça aqui, sinceramente. Mas esse sou eu.

Reforçando essa minha percepção a Movida já falou que não tem problema nenhum para se desfazer da sua frota. Idealmente a Movida busca vender os carros no varejo. As margens são melhores e é onde está o posicionamento da empresa. Varejo representa por volta de 50% das vendas. Mas se necessário for, a Movida simplesmente desova tudo no atacado. Sem falta de demanda e sem necessidade de queimar a qualquer preço. Bom assim.

COMPETIÇÃO

Eu não fiz o meu dever de casa e não olhei nenhuma das concorrentes. Uma medida dispensável para quem rabisca um post mas indispensável para quem investe seu suado dinheiro. Então se você está pensando em comprar Movida não se de ao luxo de não conhecer a fundo as concorrentes.

Passado o aviso vamos ao pouco que eu sei. As outras duas grandes locadoras além da Movida são a Unidas e a Localiza. Juntas elas possuem cerca de 50% do mercado, o que mostra espaço para consolidações. A tendência é essa participação aumentar porque é uma indústria com claros benefícios de escala. A consolidação pode vir por aquisições ou organicamente, uma vez que as gigantes tem estrutura de custo superior. No caso da Movida o crescimento deve ser orgânico.

Veja bem, ambiente competitivo vem em diferentes formas e dinâmicas. No caso das locadoras brasileiras estamos falando de um mercado em expansão, com diferentes perfis de clientes, ganhos de escala que inibem novos entrantes e três grandes participantes. Nesse tipo de mercado não é comum vermos prática predatória. Simplesmente não vale a pena para ninguém. Eu ficaria surpreso em saber que as três gigantes andam em guerra de tarifa ou coisas do tipo.

O que costuma acontecer nesses casos é um comportamento racional. Comida na mesa de todo mundo. Então, por exemplo, se um benefício como o ICMS for suspenso eu não me surpreenderia de ver as três gigantes juntas repassando o custo para o cliente.

Então eu imagino que elas tenham posicionamentos, modelos de negócios e foco em nichos diferentes, mas fiquem a vontade para me corrigir se eu estiver errado. Se e enquanto essa dinâmica persistir eu espero ver um comportamento racional de todas as três grandes empresas. E essa é uma dinâmica que deve persistir enquanto o mercado acomodar o crescimento de todas elas.

GESTÃO E ESTRUTURA ACIONÁRIA

O CEO é um rapaz chamado Renato Franklin ex-executivo da Vale e com rápida passagem pela Suzano. Formação em contabilidade e experiência em suprimentos e financeiro. O outro rapaz que vi é Edmar Prado, responsável por RI, administrativo e financeiro. Experiência prévia na Gol, Globo e Net.

Eu gostei do pouco que vi da dupla. Uma coisa comum em executivos com essa formação é a maneira como enxergam um negócio, como enxergam alocação de capital. Isso se manifesta nos constantes comentários sobre busca focada em segmentos de melhor margem, preocupação com ROI e crescimento sustentado.

Também fiquei agradado da comunicação da dupla em temas mais sensíveis que aconteceram ao longo da história deles na empresa. Temas como as taxas de roubo e fraude, mudanças do IFRS, pressão do público por resultados do seminovos e, o mais importante para mim, tratamento de depreciação.

Acho que a associação dessa dupla com a JSL, uma gigante com braço em transportes e concessionárias, foi feliz. Falando em JSL, a empresa detém 55% da Movida. Eu não sei muito da JSL mas pode ser um veiculo alternativo para ter exposição na Movida. Para fazer isso é claro que tem que olhar a JSL, seus outros negócios e níveis de alavancagem. Vai lá ver e me conta depois!

DÍVIDA



Como disse no post da Hertz, o fundamento de uma locadora é simples. Você precisa comprar um carro, alugá-lo e depois vende-lo e comprar um novo. Uma grande locadora é isso em escala.  Seu gasto inicial é alto porque você está adquirindo o ativo, sua receita futura vai ser uma fração desse ativo, e a venda é a desmobilização desse ativo. Por isso é tão idiota o argumento de que como Seminovos representa maior parte da receita de uma locadora o benefício do ICMS deve ser retirado. Enfim, voltando a Movida:

O ciclo operacional da Movida é de mais ou menos um ano e a empresa cresceu bem nos últimos três anos. Para crescer tem que comprar carro e para comprar carro tem que gastar. É esperado que haja um aumento da dívida em termos absolutos e/ou diluição. E houve! No entanto houve também uma melhora significativa no perfil da dívida. O risco sacado, um passivo pré oneroso em épocas de queda de juros, caiu fora. A melhora operacional da companhia melhorou o acesso ao mercado de capitais. No final das contas, a dívida está mais barata e alongada. E considerando o ativo e os resultados operacionais da empresa, é também um nível de alavancagem razoável.




HISTÓRICO FINANCEIRO



Até aqui a Movida vem fazendo um bom trabalho. Crescimento no top e bottom line com evolução mesmo durante um período mais crítico do país. As vantagens da escala vão ficando claras. Menor custo de dívida e maior poder de barganha com as montadoras reduzem as linhas de custo. Avanço em segmentos de melhor margem, mais dados levando a melhor capacidade de precificação e entendimento do mix vão melhorando a linha de receita.

O fluxo de caixa aponta uma operação saudável e ascendente. O peso no caixa total vem do crescimento que, como já disse, vem por diluição e dívida. Tudo a nível administrável, nada a reclamar.

O olhar atento notou que eu não usei dados do primeiro trimestre de 2020. E sendo um trimestre de coronavirus é de se imaginar que muitos acreditarão que estou deixando o principal de fora. O principal, meus amigos, é observar execuções ao longo do tempo. Eu não costumo olhar muito resultado trimestral. Meu palpite pelo que observei da companhia é que vão buscar segurar a rentabilidade através de um ajuste da sua estrutura (fechar lojas, renegociar contratos, aumentar a idade média da frota, etc) e inevitavelmente perder no topline. Acho que a empresa tem boa posição para passar por esse período. Capitalizada, dívida longa, pouca exposição a Uber, pouca exposição a aeroportos, agilidade de adaptação...

E foi assim por essa visão que construi minha estória para a companhia, criei minhas premissas e fiz minha conta de padeiro por aqui. Uma conta de padeiro que me deu um valor de mais ou menos 19 reais. A 13 reais, na minha opinião é uma boa compra hoje e foi uma gritante pechincha no meio de março. Bom para quem aproveitou. Quem sabe o futuro não reserva outra oportunidade assim?

Stay cool,
Don Black

No comments:

Post a Comment