Thursday, November 28, 2019

Via Varejo, um contágio de narrativas em um case de paciência


Desde que comecei no twitter que não vejo outra empresa ser tão falada quanto a Via Varejo. O Banco Inter chegou perto em determinada época mas logo perdeu força. Enquanto isso a Via Varejo seguiu o seu ritmo de citações. Aventureiros, alunos estudiosos, perfis anônimos dedicados à marca e gestores renomados já se aventuraram pelo campo minado do fintwit dando opinião sobre a empresa. Como eu não quero passar 2019 excluído dessa festa vou deixar aqui meu rabisco sobre a Via Varejo.

Um pouco de perspectiva

A história da Via Varejo é uma confusão dos diabos. Para ajudar no meu entendimento resolvi separar as peças:

1) Casas Bahia:

A Casas Bahia começou no fim dos anos 50 pelas mãos do imigrante polonês Samuel Klein. Samuel Klein foi um sobrevivente do holocausto que imigrou para o Brasil com sua mulher e seu primogênito, Michael Klein. No Brasil, Samuel passou cinco anos vivendo como mascate até juntar dinheiro e abrir sua primeira loja Casas Bahia.

Com foco nas classes C e D e fazendo vendas a prazo no carnê, a Casas Bahia foi crescendo ao longo dos anos enquanto fazia aquisições pelo caminho. Comprou as antigas rede Columbia, Tamakavi e Casas Garson.

Hoje a Casas Bahia é uma gigante com mais de 750 lojas, 50 mil funcionários e foco na comercialização de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis e utilidades domésticas.

2) Ponto Frio:

A Ponto Frio também nasceu das mãos de um imigrante. Dessa vez de um imigrante romeno, Alfredo João Monteverde, que começou importando pneus para o Rio de Janeiro ainda nos anos 40. A Ponto Frio estabeleceu seu nome e sua marca poucos anos depois, graças a importação de geladeiras dos Estados Unidos.

Assim como a Casas Bahia, a Ponto Frio ganhou alcance nacional com aquisições de redes pelo país, casos da Casas Buri (SP), Kit Eletro (MG) e Disapel (região Sul do Brasil). Foi uma das primeiras empresas brasileiras a explorar a internet, ainda nos anos 90.

Hoje possui mais de 250 lojas e vende eletroeletrônicos, eletrodomésticos, móveis e utilidades domésticas.

3) Grupo Pão de Açúcar (GPA)

O GPA foi fundado em 1948 pelo imigrante (sempre eles!) português Valentim Diniz. Valentim é pai de Abílio Diniz, figura conhecida e parte importante do que vem pela frente. O GPA já era um gigante nacional quando Abílio assumiu os negócios no início dos anos 90 e continuou crescendo sob seu comando.

Hoje o GPA é controlado pelo grupo francês Casino (Abílio Diniz já não comanda e nem tem nenhum direito no grupo), possui mais de mil pontos de venda, quase cem mil funcionários e inclui empresas conhecidas no seu portfólio como Extra Supermercados, Assaí, Comprebem e o próprio mercado Pão de Açúcar.

Fusões, Aquisições & Confusões

Para felicidade de banqueiros e consultores, muitos negócios foram feitos e desfeitos até a Via Varejo chegar no seu estado atual. Alguns bem resolvidos, outros nem tanto. Vamos aos mais importantes.

1. Casino/Abílio Diniz (GPA):

O relacionamento Casino e Pão de Açúcar existe desde 1999, que foi quando os franceses se tornaram acionistas do grupo brasileiro. A participação era de 24% até maio de 2005 quando os franceses resolverem ampliar a presença. E assim foi feito quando, em um negócio onde o grupo francês desembolsou 900 milhões de dólares, Casino e Abílio Diniz criaram uma joint venture (Wilkes Participações) para controlar o GPA.

Segundo o acordo, Abilio Diniz seguiria presidente do Conselho e da holding controladora do grupo. Mas a Casino teria o direito de aumentar gradativamente sua participação na holding e, a partir de 2012, teria também o direito de nomear o presidente da holding mediante cumprimento de algumas exigências.  As exigências foram sendo cumpridas e 2012 foi chegando.

Em meados de 2011, Abilio Diniz se juntou aos sempre presentes BTG Pactual e BNDES para arquitetar uma nova operação. A idéia era fundir o GPA com a operação brasileira do Carrefour via participação de uma empresa nacional chamada Gama, pertencente ao BTG Pactual e capitalizada pelo BNDES.

O Casino eventualmente soube do que estava acontecendo, classificou a movimentação como hostil e ilegal e vetou o negócio. Com medo da repercussão o BNDES saiu do jogo. E sem o BNDES os negócios entre grandes players no Brasil ficam mais difíceis.

Então no final das contas a fusão não saiu e a relação Casino/Abilio Diniz se tornou litigiosa. O executivo da Casino, Jean-Charles Naouri, passou a comandar o GPA em 2012 e, um ano depois, em 2013, Casino e Abilio Diniz encerraram o litígio. Em novo acordo, Abilio Diniz se retirou do conselho e se desligou de todas as atividades que ainda exercia no grupo.

2. GPA/Ponto Frio

Essa até que foi uma operação simples diante de todo o enredo. Quando o fundador Alfredo Monteverde faleceu, em 1969, ele deixou a Ponto Frio de herança para seu filho Carlos Monteverde e para sua esposa Lily Monteverde, com quem se casara em 1965.

Lily Monteverde – hoje mais conhecida como Lily Safra após seu posterior casamento com o banqueiro Edmond Safra – e Carlos Monteverde controlavam a Ponto Frio através de uma empresa chamada Globex.

A primeira tentativa de se desfazer dos negócios veio em 1999 mas não prosperou por divergências com Simon Alouan, então CEO e acionista minoritário da Ponto Frio. Eventualmente Alouan vendeu sua participação para a Investidor Profissional e, em 2009, Lily Safra voltou a ofertar sua participação na Ponto Frio com a ajuda da Goldman Sachs. Especula-se que entre os interessados na época estavam Lojas Americanas, Elektra, Walmart, fundos PE e, vejam só, Magazine Luiza.

Como era 2009 e a relação com a Casino ainda não estava devastada, Abilio avaliou que seria excelente idéia uma rede de supermercados virar dona de uma rede de eletroeletrônicos. Para isso usou os recursos que o grupo francês injetou no GPA e levou a Ponto Frio.

3. GPA/Casas Bahia

Aqui um pouco mais de confusão. Em fins de 2009, embalado pela recente aquisição do Ponto Frio e por meio da recém-controlada Globex, o GPA comprou a Casas Bahia. O desenho era o GPA manter todos os negócios de bens duráveis (como o Extra Eletro) debaixo da Globex (holding da Ponto Frio). Paralelamente a Casas Bahia criaria uma nova sociedade chamada Nova Casas Bahia, para onde ativos e passivos seriam migrados. Alguns negócios da Casas Bahia, como imóveis e participações societárias, ficariam de fora dessa nova sociedade. E então, por fim, a Nova Casas Bahia seria incorporada pela Globex.

O acordo original foi negociado por Michael Klein com o aval do seu pai e fundador das Casas Bahia, Samuel Klein. Acontece que por obra do destino a família Klein se arrependeu alguns meses depois. Dessa vez liderado por Samuel Klein, a família argumentou que a empresa havia sido subavaliada e portanto exigiam uma renegociação sob pena de judicializarem a questão.

Após algum tempo e nova negociação, GPA e Casas Bahia chegaram em um novo acordo. Dessa vez a família Klein teria maiores poderes, a Casas Bahia foi reavaliada (pra cima, claro), o GPA manteve o controle da Globex com 53% de participação (contra 47% da Casas Bahia) e Raphael Klein, filho do Michael Klein, se tornou presidente executivo da Globex.

Pouco mais de 2 anos depois, em 2012, a Globex mudou seu nome para Via Varejo.

A Via Varejo

Então a Via Varejo nasceu de uma sequencia de grandes fusões e aquisições onde uma rede de supermercados formada por uma sociedade litigiosa (Abílio Diniz e Casino) expande para fora do seu ramo de atuação se associando de forma também litigiosa (Abílio Diniz e Kleins) com empresas gigantes e de eficiência duvidosa. As vezes não é preciso complicar mais do que isso para saber se vai dar certo.

E não deu. Algumas mudanças societárias – como a redução da participação da família Klein – foram acontecendo aos poucos ao longo dos anos enquanto a Via Varejo seguia seu ritmo de pobre execução, muito discurso e pouca performance. Já em 2016, com Abílio Diniz fora de cena, o grupo Casino começou a manifestar o desejo de se desfazer da Via Varejo. E aqui eu pulo finalmente para o ano de 2019.

Em junho desse ano o GPA conseguiu sair do negócio vendendo sua fatia de 36% para a família Klein e mais um grupo de fundos. Hoje os maiores acionistas são a família Klein com 27.5% e a XP Asset com 7%. Ainda que seja um avanço, a nova configuração está longe de ser uma garantia de sucesso.

Histórico Operacional


O gráfico conta a história de uma empresa com margens fracas e tendência negativa. É a visualização de uma gestão desleixada, tal qual descrevi lá em cima.

A evolução no crescimento de vendas também não é lá grandes coisas mas de certa maneira é razoável considerando o estágio de vida das principais marcas da empresa. O volume de vendas em termos absolutos é realmente o que chama atenção e coloca a Via Varejo entre as maiores vendedoras do país (talvez a maior, não tenho certeza). Para muitos investidores essa é a prova da força das marcas da Via Varejo e também seu porto seguro.

Pessoalmente eu acho que “marca” é de forma geral uma vantagem competitiva muito superestimada. Além disso tem valor especialmente limitado no varejo com exemplos nacionais e internacionais nas figuras de Arapuã, Mesbla, Ultralar e Lazer, Sears, Macy’s, etc.

A grande vantagem do alcance da Via Varejo está na sua estrutura física como ferramental logístico para o desenvolvimento do e-commerce da empresa. Mas isso de nada vai adiantar se a Via Varejo não entrar de uma vez por todas no jogo do comércio online.

E-Commerce

Eu não vou gastar saliva pra explicar a importância do e-commerce. Todo mundo já sabe. Já é realidade, vai crescer, enfim, tem que existir. E esse é um nó que a Via Varejo tem que desatar.

Enquanto a Via Varejo passou os últimos três anos com uma participação do online estagnada em +- 20% das vendas, sua concorrente Magazine Luiza saiu de 20% para mais de 35% de participação do online no total. E isso a Magalu fez sem perder vendas nas lojas físicas. Isso mostra como a Via Varejo tem estrada pra percorrer.

A questão é como vai ser feito. A estrutura do comércio online já vinha saudável e bem desenhada internamente na Magalu mesmo quando a empresa ainda era um patinho feio. Era justamente a área comandada por Frederico Trajano, que mais tarde viria a mudar o patamar da companhia. Já a Via Varejo não tem essa base.

Na verdade o e-commerce é mais uma das confusas peças da história da Via Varejo. Tudo começou na época da compra do Ponto Frio pelo GPA e o surgimento da Nova Pontocom, empresa responsável pelo comércio online. Eventualmente a Nova Pontocom se tornou Cnova Brasil e, graças a uma infeliz idéia do Casino - que sonhava em unificar todas as operações globais de comércio eletrônico do grupo - era uma operação online separada da operação offline.

Em outras palavras, a Cnova Brasil operava as vendas online da Casas Bahia e do Ponto Frio sem integração com a operação física. A idéia era tão idiota que, com operações e incentivos segregados, os canais online faziam concorrência com as lojas físicas. A Cnova Brasil foi muito má administrada e sofreu até com fraudes na gestão de estoque. Dois anos de muito suplício se passaram e, em 2016, os envolvidos resolveram integrar a Cnova Brasil à Via Varejo. Ainda assim os resultados do e-commerce seguiram ruins nos anos seguintes, com muita instabilidade operacional.

Instabilidades essas que parecem continuar. Em relação ao último resultado trimestral da Via Varejo, o recém-empossado CEO Roberto Fulcherberguer disse o seguinte:

“No início de julho, quando incorporamos a parte fiscal da Cnova, vivemos problemas sistêmicos. A decisão então foi tirar a venda da empresa (1P) e acelerar o marketplace (3P)”

Eu sou um grande entusiasta de sacrificar resultados de curto prazo se for em prol de soluções de longo prazo. Mas o histórico da operação online da Via Varejo não transmite confiança. Então ainda que eu aprecie a transparência do CEO, o discurso do call de que o ‘problema sistêmico’ foi superado tem que ser traduzido em números.

E esse número do online é uma das principais coisas que vou acompanhar na companhia.

Estrutura de Capital


A Via Varejo tem uma alavancagem considerável e explicada em parte pelo formato do negócio, já que atua como interveniente em muitas operações de financiamento, sendo a maioria delas de até 12 meses. Apesar desse desenho ser uma marca da empresa, é uma estrutura de capital que requer melhoria. Uma variação no capital de giro que melhore a geração de caixa operacional e reduza a dívida, melhorando a estrutura de capital, é uma coisa que eu gostaria de ver e também pretendo acompanhar.

Management

Até hoje a Via Varejo é um grande ciclo de ilusão seguida de desilusão. Poucos anos, muitos executivos, infinitas promessas e nenhum resultado. Já prometeram crescimento do e-commerce, corte de custos, melhoria de margem, etc. Para dar credibilidade às promessas criaram vários planos de ação com nomes como “Crescer Mais”, MOVVE e MOVVE 2.0, que tenho certeza que garantiram muitas horas de reunião, deram dinheiro para consultores e não retornaram nada para os acionistas.

Agora o grande vilão GPA foi embora e Michael Klein chega montando seu cavalo branco como o grande salvador. Claro, enquanto divide seu tempo com seus negócios do grupo CB – imobiliário, aviação e comercialização de automóveis. Então para ajudar na tarefa, Michael colocou Roberto Fulcherberguer no comando da Via Varejo.

Segundo consta, Roberto Fulcherberguer fez carreira na Arapuã, migrou para o GPA e ganhou a confiança da família Klein em um relacionamento que começou quando Raphael Klein comandava a Globex. Fulcherberguer passou anos como VP até passar a conselheiro do grupo. Ou seja, Fulcherberguer e Via Varejo já se conhecem há muitos anos.

Imagino que ele tenha DNA comercial. Pelo menos foi o que me pareceu pelo último call da empresa. Muito discurso motivacional, papo de novela da Globo, futebol, menção à “música chiclete” e ênfase em compra de cadeira e ar condicionado. Nada que me anime muito.

Em sua defesa, falou também sobre pontos sensíveis da empresa como a instabilidade do e-commerce, gestão de estoque e logística. Ainda assim sinto falta de uma visão clara do que se almeja para a companhia e um tratamento mais objetivo das métricas de interesse. Por ora parece que o que se quer é cortar um pouco da despesa, aumentar um pouco a venda online e pronto. Boas medidas, vão destravar algum valor se forem alcançadas, mas não são uma “visão”.

Ainda sobre o management, parece que andaram contratando bons executivos. Alguns vindos da concorrência – leia-se Magazine Luiza. Como não os conheço fica difícil opinar. Mas uma coisa é certa: grandes executivos tem resultados diferentes quando sob diferentes condições. E é aí que seria bom ter uma visão pra empresa, assim como a Magalu criou a sua em torno da tecnologia.

Valuation

O primeiro desafio de uma avaliação da Via Varejo é jamais citar a Magazine Luiza. Aliás, vou reformular. A Magazine Luiza deve ser levada em consideração nas premissas da Via Varejo no sentido de que é uma grande concorrente, já em outro nível de atuação e bem capitalizada. Mas pára por aí. A idéia de que a Via Varejo está subavaliada via múltiplos para a Magalu, ou de que a Via Varejo vai ter recuperação comparável à da Magalu é um misto de preguiça com wishful thinking.

Seja lá o valuation que você fizer, é importante que os números façam sentido com a história que você enxerga. Para o meu valuation eu enxerguei uma empresa madura cuja reorganização e menor complexidade societária  vai trazer um pequeno ganho operacional construído ao longo dos próximos 4 anos. O atual tamanho da empresa, nível da concorrência e meu incômodo/desconfiança com a atual gestão ainda não me permitem atribuir maiores vôos à Via Varejo.

A cotação atual não me daria entrada com margem de segurança para um investimento nesse momento. Duas coisas ainda podem acontecer para que um investimento na empresa fosse reavaliado: (1) o mercado se frustrar com eventuais resultados negativos que porventura a empresa venha a divulgar (e que é natural em uma reestruturação) ou (2) resultados que aumentassem minha confiança em relação à capacidade de execução e visão para a companhia da atual gestão.

Fechamento

A Via Varejo é hoje um caso de reestruturação. Não é uma empresa a beira da falência mas é uma reestruturação no sentido de que se busca destravar um potencial de venda e rentabilidade. Um potencial que está hoje subaproveitado em uma empresa que vem parada no tempo e com números cada vez menos animadores.

De forma geral uma companhia em reestruturação precisa de gestão com visão e capacidade de execução, geração de caixa para reinvestimento e força de balanço. Os dois últimos proporcionam tempo e condição para que a reestruturação aconteça enquanto o primeiro é o responsável pela condução do processo. Sobre a Via Varejo, ainda me sinto relativamente confortável com os dois últimos e um pouco desconfiado do primeiro.

Seja como for, lembre-se que reestruturações são processos longos e cheios de incerteza. Ter esse entendimento vai ajudar a controlar suas expectativas em relação aos resultados (tempo e magnitude) e vai ajudar também a fazê-lo dimensionar a posição da empresa no seu portfólio com responsabilidade.

Happy Thanksgiving,
Don Black

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