"Na busca do conhecimento, todos os dias algo é adquirido,
Na busca do tao, todos os dias algo é deixado para trás.", Lao Tzu
A tragédia
de Mann Gulch é famosa. Chegou a virar livro premiado pelas mãos de Norman
MacLean, sob o título “Young Man & Fire”. Nela, 15 bombeiros paraquedistas
de elite pularam de um C-47 em uma floresta em Montana para conter um incêndio.
Menos de duas horas depois e apenas três tinham sobrevivido.
O ápice da
tragédia começou no momento em que um dos bombeiros, Dodge, notou que o incêndio
estava se deslocando na direção do grupo. A equipe se reposicionou e começou a
fugir do fogo que estava vindo. O problema é que as chamas de nove metros de
altura estavam se movendo a quase doze quilômetros por hora. Qualquer tentativa
de fuga não passaria de uma sentença de morte naquele terreno.
Dodge
percebeu que a equipe não teria nenhuma chance de fugir e então, faltando
poucos minutos para que o fogo os alcançasse, surgiu com uma idéia. Sua idéia
foi implementar o que é conhecido hoje como incêndio de fuga. Ele ateou fogo em
uma grande área próxima, ordenou que todos os bombeiros largassem seus
equipamentos e que corressem e ficassem abaixados na área das cinzas onde o
fogo havia sido queimado.
O princípio
dessa técnica é de que o incêndio de fuga priva o grande incêndio de
combustível, de modo que quando o grande incêndio chega já não há mais nada ali
para queimar. É uma técnica de sobrevivência e não de contenção.
E foi uma
técnica que funcionou. Dodge saiu ileso. Mas infelizmente nenhum bombeiro
seguiu as orientações de Dodge. Dois deles ainda escaparam porque conseguirem
se proteger na fenda de uma rocha. Todos os outros foram engolidos pelo fogo.
***
A tragédia
de Mann Gulch virou um case estudado no mundo todo por várias razões.
Liderança, criatividade, ação sob pressão, lidar com o inesperado... é só
escolher! E apesar disso eu li o livro pela primeira vez sem filosofar muito.
Comprei porque era um dos mais vendidos, li, guardei e esqueci. Foi uma leitura
burocrática.
Anos depois
eu estava tomando uma Zubrowka com um amigo polonês do GROM. Bom, ele já não
era mais da ativa mas acho que uma vez GROM, sempre GROM. Para quem não sabe,
GROM é um grupo das forças especiais polonesas. Os camaradas são dos sujeitos
mais brutos da face da Terra. Trabalham com os SEALS americanos em várias
operações e bebem como se não houvesse amanhã, fato que custei a me acostumar porque
eles nunca ficam longe das suas armas nem depois de cinco litros de vodka.
Daí você
pode imaginar minha surpresa quando esse rapaz me falou sobre o livro da
tragédia de Mann Gulch. Não era desse tipo de figura que eu esperava uma
resenha literária. Na verdade, já um pouco embriagado, me pareceu muito
engraçado que um GROM falasse sobre psicologia e livros então a minha reação
foi dar uma gargalhada. Para minha saúde física meu amigo GROM não se ofendeu. Acho
que ele entende a importância de traçar perfis.
Acontece
que o perfil que tracei foi péssimo e faz todo o sentido que um GROM conheça sobre
Mann Gulch. “Nós viviamos situações como essas todos os dias”, ele me disse.
“Como
assim?”, foi o que perguntei
“Quando a
merda é nova e a gente tem que largar nosso velho equipamento pra ficar vivo. É
mais difícil do que parece”
Fiquei
alguns segundos calado, pensando. Sem saber bem o que falar, eu apenas disse:
“Shall we drink to that?!”, e virei meu último
gole de Zubrowka.
Eu sabia
que era hora de uma releitura.
***
A Amazon
foi a empresa mais importante da minha vida. Tudo que é possível de dar errado
na relação de um investidor com uma empresa aconteceu entre a gente. Eu comprei
quando devia vender. Eu vendi quando devia comprar. Eu não comprei quando devia
comprar. Eu não vendi quando devia vender. Eu fiz muita coisa quando eu não
devia ter feito nada. Em determinado momento da nossa relação eu achava que eu
era a única pessoa do planeta a perder dinheiro na Amazon.
O problema
não era perder dinheiro. O problema era não encaixar o processo. Era ficar
perdido, sem entender uma empresa de tendência secular. Eu já disse aqui uma
vez que sempre tive a convicção de que não devemos ficar a margem das
tendências seculares. Eu sentia que tinha que colocar empresas como a Amazon no
meu círculo de competência e eu não estava conseguindo. Mas eu me recusava a
ser, como Lemann disse certa vez, um dinossauro apavorado. E então meu diálogo
com o GROM veio bem a calhar.
Quando eu
voltei a ler sobre a tragédia de Mann Gulch eu li sobre o psicólogo Karl Weick.
Weick estudou outras situações parecidas e sobre elas escreveu:
“Abandonar suas ferramentas é uma proxy de desaprender, de adaptação, de flexibilidade. É a própria resistência das pessoas em abandonar suas ferramentas que transforma esses dramas em tragédias.”, Karl Weick
Eu estava
determinado a não transformar meu drama com a Amazon em tragédia. Com a Amazon
eu tive que desaprender para sobreviver. Menos book value, menos lucro, mais
fluxo de caixa, mais intangível, mais disrupção. A Amazon me ensinou na marra e
me preparou para muitas oportunidades que viriam pela frente.
Hoje eu
posso dizer que a Amazon foi a empresa mais importante da minha vida. Tudo que
é possível dar certo na relação de um investidor com uma empresa aconteceu
entre a gente.
***
“Ao invés de se adaptar a situações pouco familiares, Weick notou que grupos experientes se tornam rígidos sob pressão e regressam àquilo que eles sabem mais.”, livro Range
Uma das
maiores lições que tirei do mercado é manter a mente aberta. Gosto de pensar
que isso já está na minha natureza mas prefiro não contar com isso e manter a
vigilância. A medida que o tempo passa ficamos mais presos aos nossos
equipamentos. A medida que o tempo passa somos mais vulneráveis ao viés da
consistência e do comprometimento. Esse é o lado negro da experiência. É como
se a raiz das nossas crenças avançasse sempre mais a fundo.
Esse
dogmatismo natural que a experiência traz pode ser desastroso em ambientes de
padrões não-óbvios e feedback atrasado. Segundo o psicólogo Robin Hogarth, ambientes
assim são chamados de ambientes hostis. E adivinha qual é um ambiente hostil?
Sim, o de investimentos.
Então
desconfie sempre daquele que está sempre hipervalorizando a importância da
experiência. Sim, ela é importante. Mas requer uma mente aberta que, como
vimos, não é tão fácil de alcançar. E é improvável que alguém que tenha
alcançado viva se vangloriando por sua experiência, por mais experiente que
ele seja. 😉
***
Esse texto todo foi motivado por um pedido de recomendação sobre um gestor. É claro que eu não recomendei nada. Eu apenas dei o link do post que fiz sobre o tema, Meu gestor de investimentos favortio.
Eu não
gosto de recomendar nada. Acho recomendação de uma chatice sem tamanho. Tem várias outras questões que não me agradam em recomendações, mas ser chato é a principal delas. É tão
chato que as vezes até me surpreendo com o tamanho da indústria de
recomendações. Acredito que pague bem. O ser humano está disposto a fazer qualquer
coisa diante de apropriado contracheque e dar recomendações de investimentos
passa longe de ser a pior delas. Apenas acho chato, mas fico feliz que tenha
gente boa que goste.
Então não
percam o tempo de vocês me pedindo recomendações de investimentos. Eu não vou dar.
***
A título de
curiosidade fui conhecer o trabalho do gestor que o rapaz pediu. Eu não dou
recomendações mas também nem sempre controlo minha curiosidade. Fiquei
preocupado de perder muito tempo com essa besteira mas no fim das contas me
levou menos de 30 minutos.
Fui
pesquisar e vi que o rapaz teve bons e maus momentos. Normal. O momento ruim
foi ruim além da conta, mas acontece. Fui ver algumas cartas. Peguei da época
ruim, da época boa e uma mais recente que, por acaso, também vai bem. Não é preciso ler as cartas todas, só
passar os olhos.
Muita frase
de Buffett, muito discurso de value investing. Normal também. Value investing
virou estratégia de marketing para todo tipo de fundo. Todas as cartas com doses
de arrogância. Sim, nem o período das vacas magras trouxe humildade. Foi um
festival de “o mercado não percebe, nós percebemos, nós vamos aproveitar”. E
com isso os erros foram se empilhando. Compounding também anda de marcha ré.
Outra
característica do período das vacas magras foi culpar o cenário macro. O pobre
cenário macro serve pouco para receber mérito dos falsos value investors nas
épocas gordas mas são os primeiros da fila na hora de encontrar culpados por
uma tragédia de performance. Cuidado com profissionais que terceirizam
responsabilidades quando as coisas vão mal.
Para mim já
estava suficiente mas para quem gosta tinham outros sinais. Redução da
comunicação com investidores no período ruim e mudança de nome para fazer o
histórico cair no ostracismo são dois deles.
As cartas
recentes continuam destilanto arrogância. Os maiores investidores não são
arrogantes por construção. Eles tem humildade. Não é que eles sejam passivos.
Eles demonstram arrogância pontual dependendo da situação em que estão. Mas não
fazem da arrogância uma guia de vida. Não sou psicólogo mas acredito que a arrogância por construção é um mecanismo de defesa para mascarar algum complexo. Por isso é comum em pessoas muito defensivas.
E, claro,
hoje ele se vangloria por sua experiência. Mas a essa altura você já sabe o que
isso quer dizer, não é mesmo?
Eu não dei
recomendação para o rapaz, apenas indiquei um post. Mas se ele leu, vai
saber exatamente o que fazer.
Ou o que
não fazer.
Keep your mind wide open,
Don Black
Sensacional o texto, meio triste pela tragédia, mas faz parte da reflexão. Precisamos ter estratégias, mas não só as nossas, também as naturais, pois aquilo que está de acordo com a própria natureza sempre funciona.
ReplyDeleteGeneralidades e universais são as bases e princípios de tudo.
Obrigado pela mensagem Alexandre! É verdade. Tragédias sempre vão acontecer. É inevitável que seja assim. Nosso trabalho é aprender para evitar repetições desnecessárias dessas tragédias.
DeleteComo de costume, muito bom! Parabéns. Muito obrigado por esse conteúdo que vai além de investimentos, sobretudo para aquele que, como eu, estão no provável começo da vida. Um abraço!
ReplyDeleteMuito obrigado João! Fico feliz de poder ajudar. Essa é uma das razões da existência desse espaço.
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