Thursday, April 16, 2020

O inverno e o bear market




Ainda jovem eu meti na cabeça de que iria morar em Nova York. Muitas coisas podem atrair um jovem para Nova York e comigo certamente não foi diferente. Mas a principal razão é que eu não fazia muita idéia do que eu queria fazer da vida. E se existe um bom lugar para ficar sem saber o que fazer da vida é Nova York, já que você pode tentar basicamente qualquer coisa. Então eu pedi demissão, aproveitei um mês de Brasil e peguei um vôo para a terra do Tio Sam.

Minha primeira residência – se é que se pode chamar assim – foi um apartamento de uns 30m² que eu dividia com um quiroprata coreano e um músico canadense fã de Nat King Cole. O lugar ficava a algumas quadras do Bryant Park, que naquela época mais parecia cenário do filme “Os Viciados” em que Al Pacino interpreta um pequeno traficante chamado Bob. Tudo muito diferente do Michael Corleone que eu tinha em mente quando peguei o avião. Nem o submundo nova iorquino correspondia às minhas expectativas.

Então é justo dizer que sob muitos aspectos meus primeiros meses nos Estados Unidos estiveram um pouco aquém do sonho americano. Não obstante, nada que me desanimasse. Mas a medida que Novembro foi chegando, o inverno foi vindo junto e começou a levar embora meu humor. Considerando que eu estava trabalhando de extra de Natal em uma loja de brinquedos, meu mau humor tinha péssimo uso comercial. Então achei por bem me esforçar para mudá-lo.

O coreano seguia sua vida como se nada estivesse acontecendo. Acordava cedo, ia para o bairro coreano estalar algumas costelas, voltava tarde e dormia. Nem comia em casa. Já o canadense parecia especialmente feliz durante o inverno. E a cada vez que ele sorria, mais irritado eu ficava. No meu esforço de mudar, perguntei para ele como era possível que ele gostasse tanto do inverno. E com isso listei umas 20 coisas irritantes que só existiam no inverno.

Eu confesso que achei que ele fosse falar da grana extra que ele fazia nos seus bicos na Broadway, mas ao invés disso ele respondeu:

“Ah, o inverno pra mim é quando dá mais vontade de beber um vinho, comer um cordeiro, bater um papo na lareira. É época de assistir futebol americano... O inverno é parte da vida, como um ciclo. E eu aproveito o que tem de bom quando chega nessa parte do ciclo porque daqui a pouco acaba e começa outra.”

Na verdade aquilo fazia sentido. Sendo de Quebec, ele cresceu aprendendo a apreciar as coisas boas que esse ciclo trazia. Mas não funcionava tão bem para alguém do Rio de Janeiro cujo único ciclo era o contínuo ato de ir pra praia e fazer churrasco em qualquer época do ano. Não havia como eu viver 4 meses naquela infelicidade todo ano. Ou eu aprendia a apreciar os ciclos ou eu voltava para o Brasil.

O que eu fiz? Hoje eu comemoro a época do vinho, do cordeiro e da lareira. Definitivamente eles não são os mesmos fora do inverno. E torço pros Giants, claro!

E sobre todas as coisas chatas do inverno? Eu espero! Porque assim como o inverno chegou, o verão também há de chegar. Então basta eu não fazer nenhuma estupidez no inverno e sobreviver até lá.

Stay cool,
Don Black

x

No comments:

Post a Comment