Caso você não saiba o que é um modelo mental, clique aqui
Esse texto é sobre o modelo mental do gap de empatia.
Eu mantenho um resumo de todos os meus modelos mentais e coloquei uma versão simplificada deste resumo no fim do post. Assim, se você quiser simplificar sua vida e não ler o texto todo você pode ir lá para o final e ficar com o resumo. Deve ser o suficiente para entender a idéia.
Mas se você quiser ler tudo, seja bem vindo(a):
INTRODUÇÃO
Falei no último post sobre minha trágica experiência com meu primeiro inverno nova iorquino. O que torna essa experiência um pouco mais interessante – e talvez até ainda mais trágica - é a absoluta convicção que eu tinha de que iria adorar o inverno nova iorquino.
Eu já tinha
tudo desenhado na minha cabeça. Um sobretudo elegante com um cigarro no canto
da boca, andar suave pelas ruas enquanto a neve caia sobre meu chapéu
caprichosamente inclinado. Um Marlboro da Costa Leste. Uma versão brasileira do
Frank Sinatra, “making it there”. A animação de vivenciar o verdadeiro Natal, o
White Christmas.
Fui
devidamente alertado, no entanto. Um amigo que houvera morado em Chicago foi o
mensageiro. Ouviu minhas expectativas e tentou me explicar que o dia a dia do
inverno é menos encantador do que parece de longe. Eu dei de ombros e ouvi o seguinte:
“Bom, eu
imagino que explicar isso pra você é como explicar sexo para um virgem. Você
vai ter que viver pra ver.”
E eu vi. Vi
não só o inverno como vi também aquilo que é conhecido como Gap de Empatia.
O GAP DE EMPATIA, COM OS OUTROS
“Se existe um segredo de sucesso, ele consiste na habilidade de entender o ponto de vista da outra pessoa e ver as coisas tão bem pelo ângulo dela como pelo seu.”, Henry Ford
Na sua
forma mais ampla, o Gap de Empatia é a falha em prever ou entender o
comportamento de uma outra pessoa porque aquele que está tentando entender está
sob a influência de um outro estado mental.
Para efeito
de suposição, vamos ao coronavírus. Vamos imaginar que vai haver um plebiscito
(virtual, claro!) para determinar se a cidade segue ou não em quarentena. Um sujeito
vai votar em um dia especialmente doloroso. Ele acabou de perder seu pai para o
COVID-19. Emocionalmente abalado, esse homem está, como dizemos, no “estado quente”.
Então esse rapaz vota pela manutenção da quarentena.
Ele sai da
votação com a certeza de que todos vão votar pela manutenção também. Para sua
surpresa, a maioria vota pelo retorno das atividades e fim da quarentena. O
rapaz, em seu “estado quente”, cometeu um erro de avaliação. Ele ignorou que a
maior parte da cidade não estava sob o efeito da perda de um ente querido. Ele
ignorou que a maior parte da cidade estava em “estado frio”. O rapaz do exemplo
e a maioria dos moradores dessa cidade estavam em estados mentais diferentes.
O ponto
central aqui não é o certo ou errado. Talvez a melhor opção para aquela cidade
seja a quarentena. Ou talvez seja o retorno às atividades, não sei. O ponto
central aqui é o entendimento do próximo. Por isso se chama Gap de Empatia.
O GAP DE
EMPATIA, CASO INDIVIDUAL
Se você
achou que o Gap de Empatia só afetava o entendimento entre pessoas diferentes,
convém pensar de novo. Muitas vezes não somos capazes de entender nem a nós
mesmos. Foi justamente o que aconteceu comigo.
No caso
individual, o Gap de Empatia é a tendência a subestimar a influência do
próprio estado emocional nas próprias decisões e comportamentos, e superestimar
a influência racional no próprio processo decisório.
Vamos lá, o
que me fazia estar tão animado com meu primeiro inverno em Nova Iorque quando
conversei com meu amigo de Chicago? Simples, eu estava no Brasil. Eu não estava
sob nenhuma influência das agruras do inverno. Aquela ainda era uma perspectiva
distante. E do ensolarado Basil tudo parecia realmente encantador. Eu estava no
“estado frio” enquanto eu fazia os planos do Brasil. E no estado frio cometemos perigosos erros de avaliação.
Já o “estado
quente” é a realidade batendo na porta. É a dificuldade de acelerar o passo no
gelo fino quando se está com pressa. É ter que acordar uma hora antes para
tirar o gelo da calçada. Essas pequenas situações foram me colocando no “estado
quente” e, aos poucos, foram moldando meu comportamento para um mau humor inesperado.
Um outro
exemplo? A promessa da academia na segunda-feira. A idéia de ir na academia
depois do trabalho não é tão complicada quando você está curtindo um jantar no
sábado. Você está no estado frio. Mas quando a segunda-feira chega e traz com
ela um exaustivo dia de trabalho, a última coisa que passa pela sua cabeça é
chegar em casa, trocar de roupa e ir para a academia. Nessa hora você está no
estado quente e seu processo decisório não está como você previu entre um vinho
e outro no sábado.
Então não
se iluda. As chances são boas de que suas ações em meio à tormenta serão menos
satisfatórias do que as suas previsões indicavam durante a calmaria.
O GAP DE
EMPATIA NO CONTEXTO DOS INVESTIMENTOS
Quem me acompanha
já está a par da minha grande crítica às simulações de investimentos: elas são
incapazes de simular os sentimentos dos investidores. Se é a melhor ferramenta
que temos, que usemos! Mas é importante também entender suas limitações. Fazemos
estudos e simulações quando estamos no estado frio (como deve ser!), mas temos que descontar de alguma maneira nossa reação de quando estivermos no estado quente.
Imagine que você está simulando sua hipótese de que carregar por anos uma empresa como a Amazon é uma boa idéia. Você faz uma conta e vê como foi rica a vida daquele que investiu um bom dinheiro na Amazon em 1997 e manteve tudo até hoje. Fantástico! Você vê aquela queda lá pra 1999 mas não se importa. É distante e a ação se recuperou muito depois. Parece que sua hipótese vai bem. Em seu estado frio, você se convence de carregar uma empresa como a Amazon.
Um dia o bear market aparece e a ação que você jurava carregar pelos próximos 20 anos começa a cair. Segue caindo sem parar. Agora que você está em estado quente, tudo parece mais tenso. A ação cai 50% e você já está desesperado. Uma notícia pra você: aquela queda de 1999 que você achou desprezível foi muito pior do que isso. Aquela foi uma queda de 90% ao longo de dois anos. Sabe como se perde 90%? Primeiro você perde 80% e depois você perde mais 50%. Sabe como isso é doloroso? Só agora você sabe, porque só agora você está em um estado quente.
O recente selloff foi o primeiro de muitos investidores. Viver um selloff no início da carreira é saudável. Na verdade, é um grande golpe de sorte. Entre outras razões, porque nos ensina sobre o Gap de Empatia. Nos mostra como avaliávamos erradamente nossa capacidade de lidar com um mercado super volátil, preços muito deprimidos, grande perda patrimonial e longo período de baixa performance. E quanto antes aprender isso, melhor.
Imagine que você está simulando sua hipótese de que carregar por anos uma empresa como a Amazon é uma boa idéia. Você faz uma conta e vê como foi rica a vida daquele que investiu um bom dinheiro na Amazon em 1997 e manteve tudo até hoje. Fantástico! Você vê aquela queda lá pra 1999 mas não se importa. É distante e a ação se recuperou muito depois. Parece que sua hipótese vai bem. Em seu estado frio, você se convence de carregar uma empresa como a Amazon.
Um dia o bear market aparece e a ação que você jurava carregar pelos próximos 20 anos começa a cair. Segue caindo sem parar. Agora que você está em estado quente, tudo parece mais tenso. A ação cai 50% e você já está desesperado. Uma notícia pra você: aquela queda de 1999 que você achou desprezível foi muito pior do que isso. Aquela foi uma queda de 90% ao longo de dois anos. Sabe como se perde 90%? Primeiro você perde 80% e depois você perde mais 50%. Sabe como isso é doloroso? Só agora você sabe, porque só agora você está em um estado quente.
O recente selloff foi o primeiro de muitos investidores. Viver um selloff no início da carreira é saudável. Na verdade, é um grande golpe de sorte. Entre outras razões, porque nos ensina sobre o Gap de Empatia. Nos mostra como avaliávamos erradamente nossa capacidade de lidar com um mercado super volátil, preços muito deprimidos, grande perda patrimonial e longo período de baixa performance. E quanto antes aprender isso, melhor.
Eu acho que
a melhor forma de lidar com o Gap de Empatia é através do preparo em estado
frio e pré-comprometimento com o plano de ação. Deixo para meu colega James
Montier explicar:
“Investidores devem aprender a seguir os sete P's: Preparação e planejamento perfeitos previnem performance pobre e precária. Isso quer dizer, nós devemos fazer nossa pesquisa de investimentos quando estamos em um estado frio, racional - e quando não está acontecendo nada demais nos mercados - e então nos pré-comprometermos a seguir nossa própria análise e o curso de ação estabelecido.”, James Montier
Esse foi o
caminho seguido por Sir John Templeton, que mantinha sua lista de desejos com empresa
e preço-alvo de compra atualizada. Quando o preço chegava lá, fosse ou não em
um bear market, ele comprava automaticamente. Nada de pensar duas vezes ou se
deixar levar pelo humor do seu estado quente.
E é também a
estratégia que eu sigo. Fácil? Não, exige disciplina. Mas como diz o SEAL Jocko
Willink, que já passou mais apertos na vida do que eu posso imaginar:
“Disciplina
é liberdade.”
MODELO MENTAL DO DON BLACK
Nome: Gap de Empatia
O que é: tendência a subestimar a
influência do estado emocional nas decisões e comportamentos, e superestimar a influência
racional no processo decisório.
Risco: se expôr a situações de
grande perigo pela falha na avaliação/antecipação do nosso próprio comportamento
Comportamentos preventivos:
Reconhecer a
possibilidade de que podemos reagir da pior forma possível a uma situação, ter disciplina, ser pré-comprometido com um curso de ação
Medidas preventivas:
- exercitar disciplina
através do combate constante ao Gap de Empatia em coisas menores do dia a dia
como comer melhor, fazer exercício físico, dormir mais, etc (aprender a
lidar com hábitos)
- Fazer análises
e desenvolver um plano de ação enquanto estou no estado frio. Avaliação
constante de diferentes empresas com criação de watchlist e preços de interesse
enquanto o mercado está morno.
- Visualizar diferentes estados mentais. Pensar em
detalhes da realidade do “estado quente” quando estamos no “estado frio”. Ex:
estou 100% investido em ações e o mercado cai 70%. Como é minha vida tendo
apenas 30% do que tinha? Preciso mudar as crianças de escola? Preciso vender a
casa? Como reajo a isso? Já me desesperei em outros momentos onde estive perto de perder muito dinheiro? A idéia é trazer a hipótese do pior cenário para mais perto de
mim e ver como me sinto.
- Conversar com pessoas que já viveram a mesma experiência e observar como eles se sentiram. Se todos entram em pânico em uma situação, é improvável que você não vá entrar quando estiver na mesma situação.
- Uma vez no “estado
quente”: buscar foco e apreciação do lado bom do que está acontecendo. Ex: bear
market traz boas empresas por bons preços; inverno traz o futebol americano;
etc.
Leitura de
referência:
Stay cool,
Don Black
Muito bom!
ReplyDeleteAgradeço sua mensagem Felipe!
DeleteVerdades. Neste ano, todas as minhas regras de controle (limites de exposição, hedge, liquidez, margem) da minha posição foram rompidas e eu não estava preparado. E o texto cai como uma luva, pois não me preparei de fato para o pior cenário, inclusive, para m entender emocionalmente. Mas, tomei nota de mais uma lição. Ótimo texto. Obrigado por compartilhar
ReplyDeleteSua auto-crítica é muito importante Italo! Perceber como você falhou em se preparar no passado já é o começo de se preparar para o futuro.
DeleteObrigado por acompanhar o Rabisco!
DB
Obrigado por compartilhar esse conhecimento.
ReplyDeleteE eu te agradeço pela leitura JJ.
Delete