O nome
AMAZON atrai! Chama atenção! Vende! É por isso que em recente entrevista do
José Isaac Peres, fundador da Multiplan, o título da matéria era:
José Isaac
Peres: ‘Amazon é gigante de papel, que lucra menos de 1% do que vale’
A
entrevista é no máximo razoável e a parte da Amazon foi apenas um pequeno
detalhe mas o jornalista fez questão de colocar essa fala em destaque. Tudo
para despertar os sentimentos do público. Porque é isso que a Amazon faz, desperta sentimentos! É o bear do varejo nacional que vê a Amazon como o
gigante que vai finalmente trazer o desenvolvimento para o consumidor
brasileiro, destruindo todos os players locais. E é o bull do varejo nacional
que regurgita o velho mantra - com até certo orgulho patriótico - de que “aqui
no Brasil o buraco é mais embaixo.”
Para
surpresa de ninguém, José Isaac pareceu estar mais com a turma do bull do varejo
nacional quando disse na entrevista que “A Amazon é um gigante de papel. É uma
empresa que vale US$ 1 trilhão e tem um lucro inferior a 1% do capital. Isso
vai até quando?”
José Isaac
Peres está atrasado quando se trata de Amazon. O questionamento dele data dos
anos 90, quando a Amazon ainda era só Amazon.com. Mais de 20 anos depois e nem
o maior Amazon-bear se apega mais nisso. É discurso ultrapassado. Apenas um
grupo de pessoas ainda fala disso, aqueles que não conhecem a Amazon.
A Amazon é
antes de tudo uma sobrevivente. Nasceu em 1994 e se tornou pública em 1997,
pouco antes da bolha ponto-com. Na época a Amazon se chamava Amazon.com, o que
adiciona um pouco mais de drama ao enredo. Mas no final das contas a Amazon viu a morte de perto e sobreviveu.
De lá para
cá a empresa passou por vários altos e baixos que hoje são imperceptíveis
pontos distantes do gráfico de cotação. E o que sempre esteve presente durante todo o
momento foi a visão de Bezos para o negócio e sua capacidade de execução. Bezos
entregou o que prometeu. E o que é isso exatamente? São os pilares que
sustentam o modelo de negócios da Amazon:
1. Fluxo de
caixa
“Margens
percentuais não são uma das coisas que procuramos otimizar. É o valor absoluto
do fluxo de caixa livre em dólar por ação que você quer maximizar e se nós
podemos fazer isso reduzindo as margens, nós faremos. Então se você pode gerar
fluxo de caixa livre, isso é uma coisa que os investidores podem gastar. Os
investidores não podem gastar margens percentuais.”, Jeff Bezos
2.
Market-share
“Liderança
de mercado pode se traduzir diretamente em maiores receitas, maior
lucratividade, maior velocidade de capital, e correspondentemente, melhores
retornos sobre o capital investido.”, Jeff Bezos
3.
Paciência
“Se tudo o
que você faz precisa funcionar em um horizonte de três anos, você está
competindo contra muita gente. Mas se você está disposto a investir em um
horizonte de sete anos, você agora está competindo contra apenas uma fração
dessas pessoas porque são poucas as empresas dispostas a fazer isso. Por apenas
prolongar seu horizonte de tempo você pode se engajar em empreitadas que de
outra forma você jamais poderia perseguir. Na Amazon nós gostamos de coisas que
funcionam de cinco a sete anos. Nós estamos dispostos a plantar a semente e
deixar crescer. E nós somos muito teimosos.”, Jeff Bezos
4. Obsessão
com consumidor
“A
principal coisa que nos fez ter sucesso é o foco compulsivo-obsessivo com o
cliente ao invés de ter obsessão com o competidor.”, Jeff Bezos
5.
Experimentação
"Para
inventar você tem que experimentar, e se você sabe de antemão que vai dar
certo, então não é experimentação. Fracasso e invenção são gêmeos
inseparáveis.", Jeff Bezos
6.
Agressividade
“A sua
margem é a minha oportunidade.”, Jeff Bezos
Foi em cima
disso que a Amazon se construiu e é em cima disso que a Amazon continua sua
caminhada. O investidor que buscou lucros no demonstrativo de resultados da
Amazon viveu anos de frustração. O primeiro lucro
da Amazon aconteceu no último trimestre de 2001 e mesmo assim não se manteve ao
longo do tempo. Em compensação o fluxo de caixa operacional é positivo desde
2002.
É essa
concepção de negócios com desdém para a lucratividade que intriga tanta gente.
José Isaac Peres entre eles. Mas ninguém pode culpar Bezos. Ele já havia
alertado para suas prioridades na sua primeira carta aos acionistas, traduzida
e publicada aqui. E lucratividade nunca foi uma dessas prioridades. Pelo contrário, Bezos
faz questão de não ter alta lucratividade. Esse é o ponto-chave, então vamos
repetir:
Bezos faz
questão de ter margens baixas e pouco lucro. Faz questão! Bezos reinveste todo
lucro da Amazon para (1) desenvolvimento de tecnologia e novas frentes de
negócios; (2) aumentar eficiência para o consumidor e (3) diminuir preço para o
consumidor. Com geração de caixa saudável, a Amazon fica livre
para repassar todo benefício para o consumidor e com isso ganhar escala.
É
importante entender que as baixas margens e lucros da Amazon são propositais.
Não é resultado de busca por sobrevivência e nem de má gestão. É um desenho intencional da Amazon para pressionar os concorrentes e ganhar escala. Afinal,
como Bezos disse, “sua margem é minha oportunidade”.
A execução
consistente ao longo dos anos deu a Bezos uma grande vantagem: o benefício da
dúvida. A Amazon tem uma forte base de investidores que entende o modelo de
negócios e está disposta a confiar na visão de Bezos independente de lucros. Poucas empresas podem jogar o mesmo jogo. O acesso a capital, foco em longo
prazo e desdém por margens transformaram a Amazon em muito mais do que uma
simples varejista virtual. A Amazon virou
uma máquina de disrupção. Uma máquina de disrupção que fatura 29 milhões de
dólares por hora!
A AMAZON DE HOJE
A Amazon está
dividida em 6 segmentos operacionais:
- Venda online: venda direta online (1P) e
receitas do conteúdo digital
- Loja física: vendas onde o cliente retira o produto fisicamente na loja.
É o caso do Whole Foods.
- Serviços de vendas de terceiros (3P): comissões e taxas de armazenagem e
envio de produtos de terceiros que são comercializados via marketplace
- Serviços de assinatura: taxas anuais e mensais relacionadas a audiobook,
video digital, e-book, música digital e, acima de tudo, o Prime. Não está
incluido aqui o AWS, que merece um segmento próprio
- Amazon Web Services (AWS): serviço de computação em nuvem da Amazon
- Outros: como todo campo “Outros”, significa tudo que não está nos
anteriores. No entanto existe um segmento que está aqui e merece destaque:
propaganda.
A distribuição
de receita por segmentos é a seguinte:
E
aqui está como foi essa evolução na distribuição nos últimos anos:
A diversificação vem acontecendo aos poucos mas o que chama atenção é a predominância
da venda online, que representa mais de 50% da receita da Amazon. Se existe um segmento que
retrata fielmente a visão Amazon de margem baixa e liderança de mercado esse
segmento é o da venda online. E o segredo para manter essa roda girando é o ciclo
de conversão de caixa. Em outras palavras, a Amazon recebe o pagamentos dos
seus clientes muito antes de ter que pagar seus fornecedores.
Durante
esse processo de venda, recebimento e pagamento, a Amazon mantém um float de
quase 20 dias. O ciclo de conversão de caixa do Walmart é de menos de 3 dias e
o do Costco é por volta de 4 dias. Essa liquidez imediata ajudou a Amazon desde
seus primeiros dias permitindo um reinvestimento contínuo em crescimento. Exatamente
como Bezos vislumbrou desde o início.
UM POUCO SOBRE AWS
Quando passamos para rentabilidade nós temos uma
visão um pouco diferente da Amazon. Aqui a empresa não divulga por segmentos
operacionais mas mesmo assim é o suficiente para mostrar uma coisa importante:
a força da AWS.
A AWS é talvez
o experimento de maior sucesso da Amazon. Começou em 2000 a partir de uma
necessidade interna da empresa. Com paciência, levou 13 anos para se tornar um
negócio de 2 bilhões de dólares. E depois levou apenas cinco anos para
explodir, saindo de 2 bilhões de dólares para 26 bilhões de dólares.
Colocando
tudo junto vemos que a AWS representa 10% das vendas e 60% do EBIT da Amazon
(foi 105% em 2017!). Uma maneira de pensar é que o AWS financia a empresa mas
isso seria ignorar todo o modelo de negócio já falado da Amazon e sua
impressionante geração de caixa. E isso nós deixamos para o José Isaac Peres.
UM POUCO SOBRE 3P
Antes de começarmos tenha em mente que Gross Merchandise Volume (GMV) nada mais é do que o valor em
dólar das mercadorias vendidas. Nome complicado e simples definição, como boa
parte dos termos técnicos.
No caso da
Amazon a venda direta online saiu de $1.6 bilhão em 1999 para
$117 bilhões em 2018. Um CAGR de 25% ao longo de quase 20 anos. Para efeito
de comparação, o eBay, outro gigante da venda online dos Estados Unidos, teve
um CAGR no mesmo período de 20%.
Achou bom?
Então veja isso:
Quando falamos
em venda online de produtos de terceiros que usam o marketplace da Amazon o
número salta de $0.1 bilhão em 1999 para $160 bilhões em 2018. Um CAGR de 52% ! O
take-rate da Amazon para vendas de terceiros é de pouco mais de 26%.
O
resultado disso é que a Amazon representa hoje quase 50% de todo o e-commerce
dos Estados Unidos.
UM POUCO SOBRE PRIME
Há muitos
anos sou assinante do Amazon Prime e nunca cogitei cancelar. O que
minha família economizou em taxas de entrega ao longo dos anos pagou o Prime em
muitas vezes. E assim é para muitas das pessoas que conheço, o que sempre me
fez pensar em como a precificação do Prime era um potencial desperdiçado.
A essa
altura nós sabemos o por quê. O objetivo da Amazon não é explodir sua
lucratividade com assinaturas do Prime. O que a Amazon quer é um cliente que
tenha compras mais recorrentes na plataforma, que tenha uma taxa de conversão
maior para novos produtos e que tenha um custo de aquisição menor para novas invenções.
E é exatamente isso que os clientes Amazon Prime oferecem em relação
aos clientes comuns. O cliente Amazon Prime compra em média 40% a mais por ano
na Amazon do que o cliente comum. Hoje já são
mais de 100 milhões de assinantes Amazon Prime nos Estados Unidos; mais da
metade dos lares americanos possuem Amazon Prime. É um exército fidelizado.
UM POUQUINHO SÓ SOBRE PROPAGANDA
Eu não vou
me alongar muito por aqui mas queria chamar atenção para um segmento que acredito que um dia vai ter sua própria linha no balanço da Amazon: propaganda.
A indústria
da propaganda é difícil até mesmo para a Amazon. Isso por que nela existem
outros grandes conquistadores, Google e Facebook. E o segmento de propaganda da
Amazon ainda é muito pequeno em relação ao que esses dois geram. Mas
está crescendo!
Pesquisa
recente mostrou que quase metade (46.7%) dos buscas online por novos
produtos começam na Amazon. Em compensação, “apenas” 34.6% dos entrevistados
começaram pelo Google.
Assim como é com o Prime eu acho que a Amazon não vai espremer os usuários para
extrair o máximo possível de receitas com propaganda. Fazer isso comprometeria
a experiência e levaria a um descontentamento crescente. Em outras palavras, afastaria
consumidores. E isso é a última coisa que a Amazon quer. Mas a medida que mais
e mais pessoas usam a Amazon como fonte de pesquisa eu espero algum aumento
nessa linha de receita.
O CICLO VIRTUOSO DA AMAZON
Em 2001
Jeff Bezos rascunhou seu modelo de negócios em um guardanapo. O rascunho era o
seguinte:
Para Bezos tudo começa em dar ao cliente uma excelente experiência (repassar o valor para
o cliente sem pensar em margens). Uma grande experiência vai atrair mais
clientes. Com mais clientes na plataforma, mais vendedores (3P) vão se juntar. Os
novos vendedores vão ampliar a seleção de produtos e competir em preço,
reduzindo o preço dos produtos para o consumidor final. Com isso a experiência
do cliente fica ainda melhor. Simples assim.
Com os
recursos gerados nesse ciclo virtuoso a Amazon seguiu seu paciente processo de
experimentação. O resultado está nos novos negócios criados desde que Bezos fez
esse rascunho no guardanapo. Mas os negócios vão obedecendo a mesma dinâmica, buscando
gerar valor para o consumidor e espremendo os concorrentes.
Sob pena de me tornar repetitivo, os pilares
do modelo de negócios da Amazon transformaram a empresa de Bezos em uma máquina
de disrupção. Não importa o quão estabelecida ou grande seja a concorrente,
quando a Amazon aparece é hora de ligar o alerta. E a Amazon já apareceu no
Brasil. E agora?
A AMAZON NO BRASIL
Antes de começar vou a alguns fatos:
1. Não existe lei que impeça empresa gringa de prosperar no Brasil. Isso é fantasia e deve ser esquecido. O que deve ser observado é a execução da empresa, seja ela estrangeira ou não. É possível argumentar que empresas gringas executam mal no Brasil mas isso não basta como regra absoluta para desconsiderar todas elas.
2. O Brasil é uma experimentação para a Amazon. E sequer é a principal. A principal experimentação da Amazon no mercado internacional atende pelo nome de Índia. E isso é um fator que ajuda os players brasileiros.
3. Evolução no varejo não acontece da noite para o dia. Vai levar tempo até a Amazon ter sucesso no mercado brasileiro. E talvez não tenha nunca.
Dito isto, vamos prosseguir.
A Amazon começou
a vender e-book no Brasil em 2012 e dois anos depois passou a vender livro impresso.
É irônico que tenham começado por livro eletrônico e só depois tenham passado
para o tão tradicional livro físico. Mas faz sentido. O e-book é uma
oportunidade fácil de atacar em um momento em que a empresa começa a ter contato
com um novo mercado.
O avanço
para livros tradicionais representa muito mais do que parece porque significa a
entrada no varejo físico. É a Amazon se aprofundando nos desafios logístico e tributário.
A Amazon não começa por livros porque acha que o Brasil é um país de leitores
inveterados. A Amazon começa com livro no Brasil pela mesma razão que começou
com livros nos Estados Unidos: é um produto padronizado, não-perecível, que
possui algumas complexidades (diferentes números de títulos, por exemplo) ao
mesmo tempo que é um dos mais fáceis desafios do varejo físico. A Amazon quer
apenas aprender.
Em 2017 a
Amazon expandiu para o marketplace a fim de testar a receptividade e
preferência dos consumidores brasileiros. A partir daí a Amazon percebeu a necessidade de desenvolver
um centro de distribuição no interior de São Paulo antes de dar o passo
seguinte. E o passo seguinte veio esse ano através da venda direta e do Amazon
Prime.
O anúncio
do Amazon Prime causou frisson. Lembra que eu comentei no início que a Amazon
despertava sentimentos? Foi o que aconteceu. Varejistas brasileiras viram suas
ações caírem, como se transformação varejista acontecesse por um anúncio. Com o
tempo tudo foi se normalizando. Agora as varejistas brasileiras já
devem estar acreditando que implodiram a Amazon por aqui. É a velha paixão de
mercado que cria muito barulho e pouca sinalização.
Para o
investidor racional o frisson causado pelo anúncio do Prime fez pouco sentido.
A Amazon já era famosa nos Estados Unidos quando o Prime foi lançado em 2005. Seis anos depois e o Prime ainda significava apenas 4% dos usuários da Amazon. Se mesmo no berço da Amazon o Prime demorou até ganhar tração, por que
acreditar que no Brasil seria diferente? Os fanáticos acreditam naquilo que eles querem acreditar a despeito dos fatos.
O avanço
gradativo da Amazon no Brasil está alinhado com sua cultura de experimentação.
Além das citadas logística e tributação, a Amazon tem um desafio adicional no
Brasil: os pagamentos. A cultura brasileira de pagamento parcelado impacta a Amazon
naquilo que é sua fundação, o fluxo de caixa. E ao que tudo indica a Amazon vai
buscar o crescimento orgânico enquanto aprende.
Isso quer
dizer que é improvável que a Amazon saia fazendo aquisições de grandes redes
brasileiras, como é o sonho de muitos acionistas por aí. O que deve acontecer é
a Amazon continuar pouco representativa por um tempo enquanto vai estudando o
comportamento do consumidor brasileiro, expandindo seu catálogo e arredondando sua logística
de entrega. E só então, caso julguem valer a pena, a Amazon vai começar a
pressionar.
Quando/se esse dia chegar vai ser fácil de saber. Como? Simples, nenhuma grande
varejista vai ter nada perto de dois dígitos de margem.
Desculpem o texto longo.
Stay cool,
Don Black