INTRO
Nos últimos
dias uma conhecida gestora resolveu deixar as gentilezas de lado - coisa rara
no mercado brasileiro - e partiu para a ofensiva. Divulgou uma carta
questionando os números da resseguradora IRB, a empresa respondeu e a gestora
soltou a tréplica. No meio do embate as ações cairam uns 20% do topo.
Eu não vou
avaliar nenhum comunicado aqui pela simples razão de que não li nada. Qualquer
investidor que busca entender a IRB e ainda não sabe nada da empresa deve
postergar essa leitura. Olhar a resposta do colega antes de tentar fazer a
questão é um péssimo método de aprendizagem. Fica ainda mais doloroso se o
colega erra. Alguns ensinamentos aparecem cedo nas nossas vidas mas fazemos questão de seguir ignorando. E a nota perdida na prova durante a infância é o dinheiro perdido no mercado durante a fase adulta.
Mas a verdade é que vou dar uma olhada por pura
curiosidade mesmo. Situações como essa tem dois finais possíveis: ou executivos são desmascarados em sua farsa/incompetência ou gestores são desmoralizados publicamente. E assim fica até que o tempo apague os rastros de destruição ou que o
compadrio costumeiro leve a uma reconciliação. E por curiosidade quero ter
alguma opinião, por mais básica que seja, enquanto observo o desenrolar dos fatos. Então vamos lá.
AS
SEGURADORAS
Como a IRB
é uma resseguradora, que nada mais é do que uma seguradora de uma seguradora,
convém entender o que é uma seguradora.
Investimento.
A receita
de investimento existe porque o sinistro só é pago depois do prêmio. Então até
que o sinistro seja pago, a seguradora vai acumulando os pagamentos dos
prêmios. Esse acumulado, de forma simplificada, é o que chamamos de float. E ele é reinvestido para
gerar retornos para a seguradora.
A principal
razão de Warren Buffett gostar tanto de seguradoras é o float. Por ser um
extraordinário alocador de capital, ele consegue gerar altos retornos sobre o
float investido. Mas é claro que não existem muitos Buffetts no mundo e poucas
seguradoras vão conseguir extrair o mesmo valor do float que Buffett extraiu ao
longo da sua carreira.
Mesmo sem
um Buffett no comando, nenhuma seguradora vai deixar o float em caixa. Toda seguradora
reinveste o float e o perfil do investimento depende das características dos
seguros emitidos, como por exemplo a frequência da sinistralidade. Então é importante
que a seguradora conheça o seu mercado e é aqui que entra a habilidade de
underwriting/subscrição.
Underwriting.
A outra
fonte de renda das seguradoras é a diferença entre os prêmios recebidos e os
sinistros pagos. E aqui está o encanto do negócio porque quando a apólice é
emitida, a seguradora sabe quanto vai receber mas não sabe quanto/se/quando vai
pagar. Essa incerteza tem que estar refletida da melhor forma possível na
precificação do seguro emitido.
Saber
precificar o portfólio é o que separa as melhores seguradoras do resto. E é
mais difícil do que aparenta. Quando o dinheiro é
abundante, a concorrência entre as seguradoras aumenta e elas fazem precificações mais agressivas. Tudo para fechar mais negócios. A consequência desse
relaxamento invariavelmente são grandes perdas que aparecem lá na frente. Por
outro lado, quando o dinheiro fica escasso os prêmios sobem e as seguradoras
que seguem no jogo lucram mais.
E com essa
introdução da indústria de seguros, vamos agora para uma breve primeira impressão da IRB.
A IRB
A IRB é a
maior resseguradora do Brasil e uma das maiores do mundo em valor de mercado.
Foi fundada em 1939 como empresa de resseguro monopolista no país. Manteve-se
monopolista até 2007 quando, quase 7 décadas após a fundação da empresa, um
novo modelo de operações de resseguro deu início à abertura do mercado. Apesar
da abertura, a IRB segue com ampla liderança de market share no país. O IPO na
B3 veio em 2017.
O que logo
chama atenção na IRB é seu ROE na faixa de 35%, muito acima da média da
indústria global de resseguro. Resseguradores globais, que experimentaram ROE de
12% em 2016, sofreram pressão operacional recente. Juros menores e
catástrofes como os furacões Irma e Maria contribuiram para esses resultados. As
renovações de 2019 foram a preços maiores e a indústria deu um respiro. Um
respiro de 9% ROE para a maioria e de quase 15% para alguns felizardos. Nada próximo dos 35% da
IRB.
Contudo, parte da diferença é bem justificada. A IRB é
uma resseguradora brasileira que gozou de anos de monopólio. É uma experiência
atuarial que nenhuma outra tem, em um país de baixa exposição a grandes catástrofes
naturais. Um ROE acima da média global é aceitável. Mas confesso que um ROE tão acima parece demais.
O perfil do
resultado da companhia passou por uma boa evolução. O resultado técnico cresceu
e hoje é predominante em relação ao resultado financeiro. A própria queda
recente dos resultados financeiros contribuiu para essa mudança de perfil,
resultado da redução dos juros.
Uma política
de alocação de capital agressiva coloca em risco a capacidade de uma
seguradora em honrar os compromissos o que, em larga escala, traz grande insegurança para um país. É pensando nisso que muitos reguladores estabelecem critérios sobre
como uma seguradora pode alocar o float. Minha breve pesquisa me mostrou que a
SUSEP força as seguradoras a carregar uma grande posição em títulos públicos.
Essa
deliberação da SUSEP tem consequencias na avaliação de uma seguradora porque
ela elimina o prêmio que um comprador poderia pagar pelo book de investimentos e
pela habilidade do alocador. Por que pagar caro em uma empresa cuja boa parte do
resultado vem de um grande book de LFT?
Quando
passei os olhos pela emissão de prêmios eu tive uma surpresa. Boa parte dos prêmios
emitidos estão no exterior. Mais do que isso, boa parte da evolução dos prêmios
emitidos nos últimos anos veio do exterior. Enquanto desde 2016 BR teve um CAGR de 7%, exterior
teve um CAGR de 43%.
Até aqui eu não sabia que a IRB tinha atuação
fora do país (desculpem a ignorância!). Então de repente não só fiquei sabendo
que a IRB atuava fora como fiquei sabendo também que 43% (!) dos prêmios emitidos
nos últimos 12 meses veio da carteira internacional, que também tem sido o
grande motor de crescimento da companhia. Uau!
Bom, isso muda um pouco as coisas. É sempre
importante entender o contexto e, aqui, habilidade de subscrição não existe sem
familiaridade. Aliás, essa é uma das razões por trás das atividades de M&A
na indústria. Players que querem expandir sua atuação geográfica vêem mais
sentido em comprar alguém do que em começar a partir de um banco de dados em branco. Um
exemplo recente foi a aquisição da Hanover Insurance pela China Re.
Então se colocamos uma empresa com sete décadas
de monopólio nacional em outro ambiente, é de se esperar que ela tenha
problemas de adaptação. Ou pelo menos foi o que eu imaginei.
Eis que tive mais uma surpresa! Tudo melhorou ainda mais quando a IRB se aventurou em terras desconhecidas. Enquanto
o underwriting evoluiu, sinistralidade e índice combinado caíram.
Existe sempre a tentação de atribuir grandes resultados à gestão superior. De fato, uma
conclusão verdadeira em muitos casos. Mas não em todos. Resultado de curto
prazo de resseguradora não é um deles pela simples razão de que em resseguros os
eventos são de baixa frequência e perda substancial. Erros de precificação e provisionamento
são agradáveis no início e fatais na hora da cobertura. Uma cobertura que em resseguros leva anos para aparecer, mas que aparece.
Como a indústria de resseguro é competitiva e largamente commoditizada fica difícil inventar a roda. As melhores resseguradoras globais já são
conhecidas. Já passaram por eventos de catástrofe, navegaram pelos ciclos, tem
amplo colchão de ativo e grande capacidade de subscrição. Começar agora e
apresentar números muito melhores do que essas resseguradoras é mais um sinal
de alerta do que de euforia.
E a medida que a IRB expande internacionalmente,
mais ela deve ser comparada a esses grandes resseguradores globais. Todos eles,
diga-se, com combinado próximo de 100% e sinistralidade de 80%.
E ENTÃO, É FRAUDE?
Não sei. Fraudes são difíceis de detectar,
principalmente quando podem ser travestidas de incompetência. Encontrar fraude
requer um trabalho minucioso e diligente, que é tudo o que eu não fiz aqui. De
qualquer forma, não acredito que alguém vá conseguir provar alguma coisa nesse
sentido com a IRB.
Mas minha experiência com a indústria me coloca
sim em alerta com a IRB. Os números não se encaixam como seria esperado de uma
resseguradora desse perfil. Com um pouco mais de dedicação eu observaria se há
efeitos extraordinários nesse ROE de 35%, buscaria conhecer mais dos
resseguradores atuantes nos países onde a IRB está entrando e gastaria mais
tempo analisando as provisões da empresa.
Como confiar nas estimativas de perda de uma
seguradora? Histórico e reputação. Como diz o ditado, "Se em uma corrida
você não conhece os carros, conheça os pilotos."
É bom exercício procurar saber quem são os executivos
da IRB. Principalmente considerando o histórico da União na companhia. Executivos são especialmente importantes no ramo de seguros. Devem ser profissionais de carreira e não aventureiros. Então é bom observar seus
currículos e se seus incentivos estão ao menos alinhados com os ciclos de uma
resseguradora.
Para encerrar, com o pouco que vi, se eu tivesse que atribuir um
valor para a IRB eu atribuiria menos da metade do seu valor atual. Então a
ação vai cair? Eu acho que é correto dizer que uma hora os números tem que
fazer sentido. Mas pode demorar, ainda mais com uma resseguradora. Uma lição que a gestora vem
aprendendo da pior maneira, cansou de esperar e resolveu tentar acelerar o processo. Vamos ver.
Stay cool,
Don Black
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