Tuesday, August 11, 2020

Um e-mail para Warren Buffett. E uma resposta do Oráculo de Omaha.

"'- O meu conceito de boa companhia, sr. Elliot, é estar acompanhada por pessoas inteligentes e bem-informadas, que saibam conversar; é isso que chamo de boa companhia.'

'Você está enganada,' disse ele gentilmente, 'isso não é boa companhia, isso é o melhor.'", Jane Austen, Persuasão

Eu, como qualquer outro amante de negócios, acompanho os grandes investidores. Leio biografias, entrevistas e nos últimos anos tenho ouvido também podcasts. Faço isso também com executivos que eu admiro. Se o Bill Gates der uma nova entrevista é certo que eu vou ler. Talvez vocês já tenham notado.

Mas o que eu realmente queria não está disponível. Eu queria ler as trocas de mensagens e participar das conversas particulares que essas pessoas trocam entre elas. Quem não ia querer sentar em uma mesa de bridge com Gates e Buffett e jogar conversa fora sobre negócios, tecnologia, aquecimento global, coronavírus e o que mais for?

Eu tive a felicidade de criar laços com algumas dessas pessoas interessantes que atraem muito público quando falam. Não com Gates e Buffett, infelizmente. E a questão é que quando elas conversam livremente entre si, elas estão em seu estado mais cru de troca de idéias. Não existe a posição de autoridade de ser um convidado de um programa de TV. Não existe a responsabilidade de saber que será lido por uma multidão.

Não é que elas mintam diante do público. Nada disso. Mas o massificado não é profundo. Qual você acha que é a melhor forma de entender o pensamento de Munger e Buffett? Uma semana ouvindo suas entrevistas na CNBC ou uma semana ouvindo os dois ponderando sobre um potencial negócio?

A única forma de você se beneficiar dessa troca entre pessoas interessantes é você fazer parte do circulo das pessoas que você considera interessantes. Uma coisa improvável de conseguir se você for um idiota ou se você gastar todo seu tempo com pessoas idiotas. Então seja consciencioso sobre onde  e com quem você gasta seu tempo. Contribua com bons conteúdos, cerque-se de pessoas que você admira e deixe os idiotas de lado.

A menos que você ache interessante ser idiota, claro.

 ***

Para nossa felicidade uma troca de e-mail de Buffett veio a público. É inusitado porque segundo consta ele não é muito de e-mail o que, de acordo com essa troca, parece ser verdade.

Em 1997 um executivo da Microsoft chamado Jeff Raikes mandou um e-mail para Buffett. Amenidades a parte, Raikes explicou o modelo de negócios da Microsofit para Buffett, falou sobre expectativas futuras e recebeu um reply do velho Warren.

Os dois e-mails juntos são uma aula. Vou deixar aqui a íntegra das mensagens. Agradeço se alguém puder traduzir. Vou também passando abaixo sobre alguns trechos interessantes enquanto faço minhas próprias observações:


TRECHOS DO E-MAIL DE RAIKES PARA BUFFETT:



Raikes fala sobre a troca de mensagens como “uma discussão divertida ou um exercício intelectual”. É exatamente isso! Uma troca de idéia entre um executivo de uma das maiores empresas do mundo e o maior investidor da história. Raikes sabe a posição de Buffett sobre a Microsoft. É claro que mudar a cabeça de Buffett sobre o assunto seria bem vinda mas Raikes sabe que nem todo diálogo precisa ser um exercício de convencimento ou imposição de uma visão sobre a outra. Uma troca é o que é, uma troca. Quando os envolvidos são pessoas interessantes e de alto nível, se torna um “exercício intelectual”. É um ganha-ganha porque as duas partes saem com aprendizados. As duas partes se divertem. Ainda que em última instância ninguém mude de opinião.

Construa um círculo onde você e seus colegas tenham o ambiente para se exercitar intelectualmente. Sem autoridades, sem um buscar vantagem sobre o outro, sem obtusos, arrogantes e donos da verdade. Um ambiente saudável.

 

 

Aqui Raikes explica a linha de receitas OEM, os fabricantes de equipamento. Quase todos os PCs do mundo eram vendidos com Windows. Essa maneira de comoditizar o complemento é muito útil nos negócios. Muitos fabricantes de PCs e no entanto o sistema de todos deveria ser Windows. Enquanto os fabricantes tinham os gastos de fabricação, marketing e vendas, o Windows pegava carona.

O sucesso dos PCs, fosse a fabricante que fosse, se traduziria em sucesso para o Windows. Com a beleza de que os grandes custos estão nos ombros do complemento. No caso, os fabricantes. Não é a toa que, como Raikes fala mais a frente, é um negócio com 90% de margens.

Outras considerações bacanas de Raikes – que não vou colar aqui – são sobre a necessidade de combater a pirataria, o pricing power, switching cost e potencial do mercado internacional. Ele estava certo sobre todas elas.

Avançando bastante pro futuro, é interessante ver o impacto que o cloud teve sobre os resultados da Microsoft. Deixando o Azure de lado, a pirataria foi um problema bem resolvido a medida que a Microsoft migrou para SaaS. A mesma coisa que vimos em outras indústrias, como a da música. A tecnologia é rápida em fazer transições de paradigmas.

 

 

Agora Raikes fala sobre o segundo segmento, o de “finished goods”. É uma variação do conceito do barbeador e da lâmina de barbear. O PC vai com o Windows e as funcionalidades precisam ser adquiradas. Excel, PowerPoint, Access e outros produtos Microsoft. Adquiridas diretamente pelo usuário. Um segmento personalizável que também se beneficiou muito com o cloud.

Raikes explica também como a Microsoft media o próprio sucesso. Número de PCs e o $ por PC, coisas que Ballmer e Gates tinham na ponta da lingua. Pequenas empresas atingem o sucesso e se tornam megacorporações se orientando com foco em métricas simples. Simples como essas.

Pessoalmente gosto de avaliar as empresas a partir do economics unitário. Observar o economics de uma unidade e avaliar a capacidade de escala da empresa. Pelo visto também faziam assim na Microsoft.

Outra coisa que gosto é quando a empresa é clara e transparente sobre como ela mede e acompanha sua evolução. Se uma empresa varia as métricas que disponibiliza nos releases de acordo com os resultados que teve no período, eu prefiro ficar de fora.

 



 

Raikes fala abertamente sobre a maior das suas preocupações: a frequencia de mudanças de paradigmas em empresas de tecnologia e o impacto disso na vantagem competitiva de uma empresa de tecnologia. Fala ainda sobre como uma empresa dominante pode ficar cega para essas ameaças. Simplesmente fantástico!

Grandes executivos de tecnologia entendem bem isso. Andy Grove, o lendário executivo da Intel, sempre falou como só os paranóicos sobrevivem. É isso! Toda empresa – e em especial as de tecnologia – devem estar sempre trabalhando para diruptarem (existe essa palavra?) a si mesmas.

Mas outra coisa fantástica nesse comentário de Raikes é como ele fala isso abertamente para Buffett. E ele sabe bem que essa é a principal preocupação de Warren: a força de transições de paradigmas em uma indústria que ele não consegue entender bem. E ainda assim Raikes aborda a questão, como uma preocupação dele mesmo.

Lembra o que disse sobre livre troca de idéias? Sobre diálogos não serem uma mera questão de impor sua visão sobre o outro? Nada de jogar a sujeira para debaixo do tapete aqui.

 

TRECHOS DA RESPOSTA DE BUFFETT PARA RAIKES:

  


Parece uma boba introdução de e-mail mas aqui faço algumas notas mentais. Como a importância que Buffett dá a eficiência em detrimento da perfeição. E de certa forma a idéia de que ele está sempre escrevendo para pessoas interessantes. Deixe os idiotas de lado!


 


Apesar de desconfiar do pricing power da Microsoft, Warren mostra que entende bem o modelo de negócios. E pra variar fazendo algumas boas analogias. É interessante porque sempre foi dito que Buffett não entende as empresas de tecnologia. Mas está claro que ele entende com clareza. A quantidade de empresas de tecnologia que cresceram apoiadas nesse simples parágrafo de Buffett é mind-blowing. E ainda assim ele diz que não entende.

Para mim é claro que o que ele não entende, na verdade, é a transição de paradigma e não o modelo em si. Um fato que fica claro na próxima passagem:


Esse parágrafo é um curso por si só. Merece ser lido e relido. Warren deixa claro que sabe que a Microsoft tem um negócio com 'royalties' melhores. Para o investidor comum isso seria suficiente. Compre o melhor 'royalty', ponto final. Preto no branco. Warren não pensa assim, como não pensa nenhum grande investidor. Apesar do royalty melhor, Buffett explica sua dificuldade em atribuir uma probabilidade para o sucesso do negócio. Esse é o determinante. 

O crítico pode olhar pra trás e dizer que Buffett errou, que a Microsoft acabou sendo um melhor investimento do que a Coca Cola. Essa é uma forma pobre de avaliar porque toda a questão vai além de Microsoft/Coca-Cola. O que está em evidencia aqui é o processo. E não tivesse Buffett seguido essa coerência em seu processo, hoje você certamente não saberia quem é Warren Buffett.

Essa diferença entre ver investimentos como preto e branco e ver investimentos como atribuições de probabilidades separa amadores de profissionais. Amador aqui não é o PF e profissional aqui não é o que trabalha com investimentos. Não. Profissional é o que ganha consistentemente do mercado e amador é o resto. Sobram PF profissionais e gestores amadores nessa indústria. Se você é capaz de entender um modelo de negócios e pensar probabilisticamente sobre seu futuro de uma forma desapaixonada, você está no caminho de ser um profissional.

A última grande lição está na última frase de Buffett. I just wait for the fat one”. Baseball não é popular no Brasil então basta saber que Buffett está dizendo que não é preciso ter FOMO ou se afobar. As oportunidades vão sempre aparecer e quando uma estiver no seu entendimento, você aproveita. Um pensamento que dificilmente você vai conseguir colocar em prática se não tiver independência intelectual.



Buffett encerra a discussão sobre negócios mostrando que a avaliação em última análise depende do conhecimento e experiência de cada um. E que especialistas podem navegar melhor por áreas menos específicas do que generalistas por áreas específicas. Uma disfarçada menção sobre o conceito de círculo de competência.

O mais interessante de tudo nessa troca de mensagens entre Raikes e Buffett é que nunca se falou de preço. Ninguém falou em múltiplos, em taxas de desconto, em valuation. O que está acima de tudo é o entendimento do negócio.

Muita gente me pergunta sobre valuation. Ninguém assume, mas o que todo mundo quer é um passo a passo para saber se a empresa é cara ou barata. Colocar número nesse passo a passo é reconfortante. O valuation dá isso. Uma sensação de certeza. Mas não é assim que funciona e sequer é assim que um modelo de valuation deve ser usado. Valuation é importante mas não é o mais importante.

O valuation que eu faço – e que não é o valuation teórico de cursinhos e salas de aula – está no fim da fila. Se eu tiver que fazer valuation antes de tudo, meu tempo vai para o ralo. Para mim, 90% dos negócios podem ser descartados sem precisar começar a fazer contas.

O mais importante é pensar e entender o negócio. Sempre.

Nada substitui o pensamento.

 

Stay cool,
Don Black 

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