Tuesday, July 21, 2020

O charlatão e as lições repetidas




Uma história que me aconteceu há alguns anos foi com o Oliveira e a Joana minha cunhada. Todos nomes fictícios, claro.

A minha cunhada é dessas que se diz por aí que tem azar no amor. A pobrezinha não tem culpa. Ela se apaixona por alguns indivíduos de primeira linha, desses que eu adoraria ter como genro. Mas quando é esse o caso, o sujeito a ignora. É de dar pena.

De maneira que sobram os de qualidade duvidosa. Esses chovem as pencas no colo da Joana. As vezes é a vez dela de ignorar. Mas as vezes ela dá uma chance para o Romeu e segue em frente. O Romeu da historia é o Oliveira.

***



 O caso do Oliveira com a Joana parecia o plano de metas do Kubitschek. Voltamos para Londres no fim de Agosto e até então o sujeito ainda nem existia. Quando foi fim de Outubro ouvimos falar que a Joana planejava se casar com um tal de Oliveira. Era a primeira vez em muito tempo que a Joana falava em casamento então minha esposa achou por bem quebrar o protocolo e ir de novo para o Brasil em Dezembro, antes do Natal. E assim foi feito.

Assim que chegamos no Brasil a Joana foi logo nos visitar. Sozinha. Disse que o Oliveira estava animado para conhecer a gente e por isso nos convidou para jantar. Naquela mesma noite. Eu queria mesmo era postegar. Esse negócio de jet lag sempre mexeu com a minha cabeça. Mas como a coisa toda já estava até reservada eu deixei como estava. Ajudou que o restaurante que o Oliveira escolheu era um dos meus preferidos. Um acaso da natureza.

A verdade é que a noite foi mesmo muito agradável. O Oliveira era um camarada muito divertido, nascido e criado no mesmo bairro que eu. Alguns lugares e histórias em comum. Chegou a pagar a conta toda. Em dinheiro, claro. A minha esposa e a irmã dela também estavam animadas. Então quando tudo terminou e finalmente entrei no carro, minha esposa logo se adiantou:

“Caramba, dessa vez a Joana acertou. O Oliveira é ótimo! O que você achou?”

“Achei ele um tremendo charlatão.”

“O quê!? Mas ele parecia seu melhor amigo!”, protestou

“Claro, charlatões sempre são agradáveis. É o trabalho deles. Do contrário estariam morendo de fome.”

“Aff, pois eu gostei dele!”

“Exatamente!”

E não se falou mais do Oliveira.

***



Quando fomos visitar meus sogros eu notei que o Oliveira já era mais popular que os Beatles dos anos 60. E você sabe o que Lennon disse sobre a popularidade dos Beatles dos anos 60. Enfim, em 2 minutos da nossa chegada e a minha sogra já estava se derretendo de elogios pelo Oliveira. Nada que me surpreendesse. No afã de casar a caçula minha sogra já tinha iniciado uns 5 enxovais para diferentes namoricos da Joana. O que me assustou foi quando meu sogro disse:

“É um rapaz sólido!”

Um rapaz sólido! Meu sogro é daqueles que acha que o mundo é dividido entre ele e os idiotas então quando ele diz que alguém é sólido é de se espantar.  Eu mesmo nunca fui sólido. Anos de casamento, dois filhos, vida familiar estabelecida e nunca meu sogro viu um pingo de solidez. A coisa era grave.

Resolvi fazer o teste final. O teste absoluto para um pretendente são as amigas de infância da Joana. É como se fossem os chefões dos joguinhos infantis. A Joana basicamente tem três grandes amigas de vida, as quais me refiro – com carinho e em segredo – de S&P, Fitch e Moody's. Elas são implacáveis. Em todo esse tempo elas nunca aprovaram em unanimidade um pretendente da Joana. Até o Oliveira chegar. Sim, o Oliveira era um unânime Aaa.

“Bom, talvez eu esteja errado.”, pensei

E deixei o Oliveira pra lá.

***

No fim de semana seguinte minha sogra fez seu tradicional cozido. É uma coisa maravilhosa. A missão na Terra da minha sogra parecia ter sido a de alimentar a humanidade. E seguindo seu chamado ela fez um cozido que em condições normais serviria todo o quarteirão. Mas não existia condições normais com o Oliveira por perto. Pode-se dizer que o rapaz se sobressaia. Com quase 2 metros de altura e branco feito um polaco o Oliveira parecia um urso polar andando pela casa. E também comia como um urso recém-saido da hibernação. Para tornar a cena toda ainda mais caricaturada o Oliveira andava com uma maleta para cima e para baixo.

“Quem diabos anda com uma maleta em um cozido familiar de fim de semana?”, era tudo o que eu podia pensar. 

Minha cautela venceu minha curiosidade e quando o Oliveira veio puxar assunto em ignorei a maleta por completo. Em vão. Ele abriu a maleta e foi logo se adiantando…

“Olha Don estou trabalhando em um projeto que vai explodir. A sua esposa chegou a comentar contigo?” - foi falando e tirando um calhamaço de dentro da maleta.

Eu olhei para a cara da minha esposa e ela estava cochichando com a irmã dela. As duas olhando pra gente. E tudo o que eu queria era comer meu cozido...

Bom, fato é que o Oliveira tinha ali na maleta um business plan, cartas de recomendação e sei lá o que mais. Foi inusitado que o Oliveira tivesse feito isso em uma reunião familiar mas confesso que não me incomodou. Esse tipo de situação não é incomum então eu procedi como de costume: não li nada, pedi para ele me explicar o negócio, dei as minhas razões para não querer participar e pronto. O Oliveira entendeu, guardou tudo e continuamos falando sobre outras coisas. Vida que segue.

***

Ou assim eu pensava. A coisa toda escalou bem rápido na semana seguinte. A minha sogra se queixou com minha esposa. A Joana se queixou com a minha esposa. A Joana até apareceu lá em casa um pouco abalada para tirar satisfações comigo. Comigo! Queria saber por que eu não queria ajudar o Oliveira, disse que eu estava com ciúmes, que aquela ajuda era tudo o que o Oliveira precisava para deslanchar e eles marcarem o tão sonhado casamento. Imagine, esse drama todo.

A questão com meu sogro era mais preocupante porque ele não é de reclamar e nem de pedir. Pelo visto ele estava providenciando meios de ajudar ele mesmo o Oliveira. Pelas minhas estimativas era boa a chance de que meu sogro estava prestes a fazer uma tremenda burrada. Então achei melhor chamar logo o Oliveira para conversar. Negociei o montante que adiantaria para ele (uma fração do que ele queria) e coloquei algumas contingências para chegar no valor cheio. Coisa de praxe. Ele ficou satisfeito, disse que eu não ia me arrepender, que coisas incríveis viriam pela frente e tudo mais. Já dizia Pierre Corneille que o mentiroso é sempre pródigo em juramentos.

No final das contas o negócio não deu em nada. Mas de uma coisa o Oliveira não se enganou: coisas incríveis vieram pela frente. 

Um mês depois de eu ter feito a transferência o Oliveira terminou com a Joana. E só demorou um mês porque o meu sogro só transferiu o dinheiro dele para o Oliveira quinze dias depois de mim. Isso mesmo que vocês leram: meu sogro transferiu a diferença entre o que o Oliveira “precisava” e o que eu adiantei. E então aconteceu com a gente - meu sogro e eu - o que acontece com todo mundo que dá dinheiro para o charlatão da família: perdemos tudo.

Por conta do rompimento a Joana passou uns 6 meses deprimida. Suas três amigas pareciam ter combinado o discurso de defesa sobre o crasso erro de julgamento:

“Mas as outras duas também gostaram dele!” 

E já estavam de volta à ativa, “avaliando” novos partidos para a Joana.

Minha sogra ficou triste pela filha e com raiva do marido. Diz ela que meu sogro foi avisado de que eu havia dado o dinheiro para o Oliveira e que então ele não precisava mais se preocupar em ajudar o genro. A resposta dele? Pasmem!

“Pois se o Don acha que vai ganhar dinheiro nessa sozinho ele está muito enganado!”

Enquanto tudo o que eu estava tentando era PERDER dinheiro sozinho...

E o Don? Bom, eu fiquei como Druckenmiller quando disse que não aprendeu nada. 

Várias lições no caso todo mas nada que eu já não soubesse. E mesmo assim eu fiquei assistindo as coisas acontecerem. 

***

- Charlatões são sedutores e os melhores tem um magnetismo especial. Não é a toa que tanta gente gosta deles.

- Charlatões tem métodos pouco ortodoxos para alcançarem o que querem. Se eles tiverem que colocar seus adoradores para te pressionar, eles colocarão.

- Quando a esmola é demais, desconfie.

- Se você tem e não dá, é um canalha. Se você deu e perdeu, azar o seu.

- Opinadores opinam. Se hoje eles erram, amanhã eles voltam a opinar como se nada tivesse acontecido. E ainda assim serão levados a sérios por muitos.

- Errar em conjunto é leve

- Tudo bem aceitar uma perda por um bem maior mas tente sempre reduzi-la ao máximo

- De onde você menos espera é que não sai nada mesmo.

- Não siga cegamente alguém só porque você o considera um especialista. Você pode saber o que ele fez, mas não sabe nem a razão, nem a condição e nem o contexto.

- Quando alguém está determinado a se arrebentar, não há o que você possa fazer.

Entre tantas coisas mais. 

Enfim, como eu disse, nenhuma novidade.

Stay cool,
Don Black

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