Motivação é
superestimado. Essa é uma das valiosas lições que o esporte me proporcionou
ainda na infância. Nenhum trabalho motivacional resistia ao esforço contínuo que
a realidade exigia. Nenhum grito de guerra é capaz de fazer uma pessoa treinar
cinco horas por dia, seis dias por semana para competir por algumas horas com
boas chances de perder e no dia seguinte começar tudo de novo. Nenhum!
Mas
motivação vende. Vende porque tem a excitação na sua natureza. Casos de
superação, frases de efeito, músicas de fundo. Contar estória vende e motivação
é uma indústria de contadores de estórias. A sensação inicial pode ser boa. Nos
sentimos especiais, tomamos um choque de ânimo e achamos que estamos prontos pra
ir com tudo conquistar o mundo. Mas o efeito é o mesmo de fazer 100m rasos em
uma maratona.
Hábito, contudo,
é subestimado. Essa é outra das valiosas lições que o esporte me proporcionou
ainda na infância. Os resultados começaram a aparecer pra mim no momento em que eu parei
de me ver como um amador querendo ser um campeão para me ver como um atleta. Um
amador pode dizer que tem que faltar o treino para estudar para a prova da
escola. Um atleta não pode. Um atleta treina e ponto final. Eu treinava. Eu não
tinha que estar feliz ou descansado para ir treinar. Um atleta cansado treina.
Um atleta chateado treina. Um atleta treina quando está chovendo. E treina
quando está fazendo sol. Eu era um atleta, então eu ia treinar.
“Você só consegue conectar os pontos olhando para trás”, Steve Jobs
O futuro veio
a jogar na minha cara que eu não seria um atleta. Tentei ser e não consegui. Como
diz Homer Simpson, todo fracasso começa com a tentativa.
Brincadeiras
a parte acredito que ao menos cheguei próximo do meu limite. Aceitei a
realidade de que existiam pessoas com o mesmo nível de dedicação e maior
talento, e fui buscar outros caminhos. Mas os ensinamentos ficaram. E eu não
acho que teria sido um investidor sem eles.
O poder do
hábito, do esporte para o mercado
As
principais lições que o esporte me ensinou sobre o hábito foram as seguintes:
- É mais fácil segui-los se eles fizerem parte da sua identidade
- É mais fácil segui-los se a identidade que você quer para você estiver alinhada com sua natureza
- Hábitos são os juros compostos do desenvolvimento pessoal. Pequenos hábitos, repetidos consistentemente, produzem resultados extraordinários
Eu levei
isso comigo no processo de descobrir o investidor que eu sou. Não foi um processo
demorado. Eu sempre soube que não era um trader, nunca gostei da hiperatividade
de uma sala de operações e sempre tive aversão à imagem tradicional dos
executivos de Wall St. Sempre gostei de entender os negócios, de trabalhar
isolado e de operar pouco. A minha identidade era a de um sócio em negócios
para o longo prazo.
Então eu
construi hábitos compatíveis com essa identidade. Desde prestar atenção nos
negócios que estão a minha volta até hábitos mais inflexíveis que sigo até
hoje, como ler ao menos um relatório anual e duas transcrições de call todo dia pela
manhã. Por que é isso que faz um sócio de longo prazo: ele entende bem o
negócio do qual faz parte e só procura fazer parte de bons negócios.
Então aos
poucos, lendo no mínimo um relatório anual por dia, todos os dias, e eu fui
aprendendo cada vez mais sobre negócios e encontrando cada vez mais bons
negócios. No dia seguinte eu era praticamente o mesmo do dia anterior. Sabia apenas um pouquinho a mais daquilo que eu tinha aprendido. Mas cinco anos depois e eu já era outra pessoa.
Hábitos
ruins. Inverta, sempre inverta!
Tão
importante quanto cultivar bons hábitos é a prática de eliminar hábitos ruins. Hábitos
ruins são os juros compostos negativos. São pequenas ações ruins que produzem
resultados catastróficos. Um cigarro aqui e outro ali desde a juventude e um
câncer de pulmão aparece aos 60 anos.
“As correntes do hábito são muito leves para serem sentidas até que elas sejam muito pesadas para serem quebradas.”, Warren Buffett
Tudo que
contraria o perfil de um investidor de longo prazo eu busco eliminar. Nada de cotações diárias, por exemplo. Bloomberg é o ópio do investidor. E quanto antes você eliminar os hábitos ruins, melhor. É muito difícil quebrar velhos hábitos.
Essa
distinção entre hábitos bons e ruins é o calcanhar de Aquiles do
argumento da experiência. A hipervalorização da experiência é especialmente comum em gestores velhos, o que é bastante
natural já que é uma forma automática de desqualificar os jovens que concorrem
por uma fatia do patrimônio sob gestão. Mas nem sempre é verdade. Gestores
experientes que cultivam hábitos ruins não melhoram com o tempo. Pelo contrário, são inflexíveis na incompetência que esses hábitos ruins alimentaram. E existem
vários gestores assim.
Grandes Exemplos
Em
compensação, gestores velhos que cultivam bons hábitos são os exemplos a serem
seguidos. Buffett já falou em palestras sobre como é importante nos espelharmos no comportamento das pessoas que admiramos. Ele, a exemplo de Ben Graham e Ben
Franklin, fez isso. E é de fato um
excelente exercício que pode ser aplicado no contexto dos hábitos que
cultivamos.
A idéia é bonita na sua simplicidade. Basicamente, se você cultiva os hábitos e comportamentos das pessoas que você admira, as chances são de que você vai ser no futuro alguém que você admira no presente.
Quando eu olho para referências naquilo que é
minha identidade, eu vejo gente como Buffett, Munger e Walter Schloss. Gente
como o LAPB no Brasil. São pessoas estudiosas, pacientes, diligentes e respeitosas.
Eu olho para eles e não vejo ofensas, não vejo agressões nem baixaria. Não vejo
humilhações. Vaidade? Sim, alguns tem. Mas não uma necessidade doentia de
holofote.
Tornando os
hábitos mais fáceis
Hábitos são
poderosos mas desvalorizados. Isso porque ao contrário da motivação, o hábito
não vende. Hábito é tédio. É paciência. Você começa o hábito de ser saudável
hoje e amanhã você continua gordo. E uma semana depois você continua gordo.
Algumas coisas demoram anos. E o ser humano não é predisposto a se engajar
em um esforço cuja evolução é imperceptível de um dia para o outro e que só
será recompensado depois de muito tempo.
Então para
ajudar no processo existem várias estratégias. Para isso eu recomendo a leitura do
excelente livro Hábitos Atômicos, do James Clear. Eu me identifiquei com o
livro imediatamente. Coincidentemente James também aprendeu muito sobre o tema graças
ao esporte e colocou no papel muitas das idéias que eu tinha e nunca havia
organizado com tanta clareza. James Clear fez isso pra mim e ainda colocou um
bônus. Além de noções antigas que eu tinha e já escrevi aqui, James listou várias
estratégias interessantes sobre hábitos. Se você se interessa pelo tema, você deve
ler esse livro.
Ano no fim, promessas no início
O poder
transformacional dos hábitos vão muito além do esporte e do mercado. Funcionam
para alguém que quer perder peso, para um estudante que quer passar no
vestibular ou para um executivo que quer uma vida menos estressante. Então faz todo sentido falar neles nessa época do ano, onde a procrastinação é tão farta quanto os novos planos.
Fim de ano
é um festival de promessas. A motivação da mudança está em todo lugar. Está na psicologia
de ver no calendário um recomeço. Está na energia da celebração em massa. Está na
simbologia da vitória que um estouro de champanhe traz. Está na emoção dos
reencontros.
E talvez
tudo isso te ajude a iniciar novos hábitos. Mas hábitos que devem ir embora até
o carnaval. A menos que você transforme sua identidade. Se identifique com o
que você quer ser!
Te desejo um
Feliz Natal e um fantástico Ano Novo!
Sua
presença nesse blog foi o seu presente para mim nesse 2019.
Stay cool,
Don Black