"Podiamos ver nas nossas operações como a publicidade no Google estava funcionando bem. E no entanto ficamos parados lá chupando os dedos. Eu me sinto um idiota por não ter identificado o Google. E acho que Warren se sente igual. Nós fizemos merda.", Charlie Munger
Já coloquei esse comentário
do Munger sobre o Google em algum dos meus rabiscos aqui. Buffett também já
cansou de citar o Google como um erro de omissão. Erro de omissão é quando temos
as informações em mãos para agir e no entanto não fazemos nada. São os
erros que nos custam mais caro. Não aparecem em extratos nem em demonstração
financeira nenhuma mas martelam nossa cabeça de culpa pela eternidade. É uma
desgraça. Só mesmo uma grande desgraça como um erro de omissão no Google para
Munger dizer que se sente um idiota.
Fato é que Munger não está
sozinho nessa. Em 1998 o pessoal do Yahoo! resolveu bater a porta na cara de
dois estudantes de Stanford que queriam vender o algoritmo que tinham
desenvolvido. O preço era de 1 milhão de dólares. Como o negócio não saiu, os
estudantes Larry Page e Sergey Brin seguiram construindo a empresa em cima do algoritmo em questão.
Virou o Google.
Em 2002, vendo que a coisa
estava saindo do controle, o Yahoo! resolveu reabrir o canal de diálogo para
ver se dessa vez comprava o Google. Entre idas e vindas, o pessoal da Google
acabou pedindo 5 bilhões de dólares pelo negócio. O Yahoo! declinou. Um “compounded
error of omission”, se é que isso existe. E o que aconteceu é que hoje o Google
está precificado em quase 1 trilhão de dólares. Um baita erro de omissão, esse
do Yahoo!
As expectativas em torno do Google sempre foram grandes. E com grandes expectativas vem grandes desconfianças, como diria o tio do Homem Aranha. Acontece que entre expectativas e
desconfianças o Google acabou provando seu valor ao longo do tempo. E hoje em
dia mesmo value investors clássicos como Seth Klarman já se tornaram acionistas.
O que esse pessoal todo viu no Google? Hora de saber um pouco sobre a empresa que mais sabe sobre você. A começar pelo verdadeiro nome do negócio todo: Alphabet.
O que esse pessoal todo viu no Google? Hora de saber um pouco sobre a empresa que mais sabe sobre você. A começar pelo verdadeiro nome do negócio todo: Alphabet.
ALPHABET
O pessoal do Google fez uma
coisa curiosa. Começaram como Google, cresceram como Google e quando o nome
Google já era conhecido no mundo inteiro resolveram reestruturar e colocar o
nome de Alphabet.
O Google em si não deixou de
existir mas virou um segmento da Alphabet. A tal da Alphabet é uma coletânea de
negócios que ficou dividida em dois grupos, “Google” e “Outras apostas”.
Sob o nome de Google estão
os negócios principais da empresa como Chrome, Search e Gmail. E sob o nome de “Outras
apostas” estão projetos tecnológicos que a empresa desenvolve para buscar
soluções em diferentes indústrias. Exemplos são o Waymo (veículos autônomos) e
o Calico (biotecnologia).
Para organizar esse tanto de
empresas e negócios, vamos colocar os dois segmentos em imagens:
Sim, é muita coisa. Se você tiver curiosidade de pesquisar uma a uma, boa sorte. Não é o que vou fazer. O que vou fazer é seguir o dinheiro:
A maneira como a Alphabet divulga essa receita traz algumas
coisa interessantes.
1. Outras apostas
A contribuição das receitas de “Outras apostas” é irrelevante
para a empresa. E aqui estou falando das receitas. A verdade é que a
contribuição de “Outras apostas” para os resultados da Alphabet é terrível. No
acumulado já são quase 20 bilhões de dólares em perdas. Para colocar em
perspectiva, o Uber – tão famoso por suas perdas expressivas – tem uma perda
acumulada de 16 bilhões de dólares no mesmo período.
Mas enfim, não é a toa que o segmento se chama “Outras
APOSTAS”, certo? Aí é como se fosse um aglomerado de startups, algumas das
quais são mantidas em sigilo. Startups financiadas internamente, subsidiadas
por áreas mais rentáveis da empresa. Uma vantagem e tanto para empresas em
seus estágios iniciais.
É uma vantagem tão grande que me faz pensar que essa foi a
principal razão que fez o Google se reestruturar como Alphabet. Me parece que
foi uma forma de isolar essas iniciativas e colocar seus resultados mais em
evidência, para evitar a procrastinação que o fácil acesso a capital pode
gerar. Nós não estaríamos assustados com essa perda de 20 bilhões se esse
resultado estivesse “escondido”, misturado com todo o lucro das outras áreas,
não é mesmo?
Enfim, nada impede que uma Waymo se torne uma empresa de 300
bilhões de dólares em algum momento. Pode ser que o Waymo consiga desenvolver
seus carros autônomos, integrar com outros produtos da Google, entrar na área
de entrega e ridesharing, licenciar... Pode ser. Mas até agora não foi. Até
agora o “Outras apostas” foi um grande ralo de recursos.
2. Google Cloud
Só recentemente a Alphabet quebrou a receita do Google
Cloud. E o crescimento dessa linha está animador, podendo ser um importante driver
futuro da empresa. O problema aqui é a concorrência, sempre ela! AWS (Amazon) e
Azure (Microsoft) são as líderes e também tem muito poder de fogo. Mas um
terceiro lugar em uma indústria tão promissora não é ruim. Aliás, a melhor
explicação do Google Cloud até hoje vem de Bernstein:
“Snapple tinha uma velha propaganda com o título ‘Nós
queremos ser o número 3’, no seu esforço de competir com Coca Cola e Pepsi. Google
Cloud é a Snapple de hoje em dia.”
3. Youtube
Aqui vai acontecer uma sobreposição. Por que? Porque boa
parte da receita do Youtube vem de propaganda e eu vou tratar exclusivamente de
propaganda daqui a pouco. Mas eu quis fazer essa sobreposição porque eu quero
falar do Youtube, já que só recentemente a Alphabet quebrou essa receita também.
E ela é fantástica!
O Youtube está fazendo mais de 15 bilhões de dólares por ano
de receita! Isso só em propaganda, sem contar o Youtube Premium. O
impressionante está não só na magnitude como na velocidade, já que essa receita
praticamente dobrou em apenas dois anos.
São número impressionantes de uma plataforma que, até essa pandemia
começar, significava 250 milhões de horas diárias de consumo. Provavelmente a
quarentena está contribuindo ainda mais para um aumento nesse consumo.
Eu acredito que o Youtube seja hoje um dos ativos de maior
potencial da Alphabet e acho legal lembrar de como tudo isso começou. Começou
em 2005 com ex-funcionários do Paypal. Os rapazes criaram a empresa em um ano e
no ano seguinte venderam por 1.7 bilhões de dólares para o Google. Críticas
para o valor pago na época por uma empresa de um ano de vida e que hoje virou
história, tal qual Facebook/Instagram.
4. Propaganda
Ok, aqui está o Holy Grail! 83% da receita do Google vem de
propaganda. 134 bilhões de dólares em propaganda, imagine só. E o mais incrível
é que mesmo com esses grandes números o segmento ainda cresce dois dígitos. Agora
a gente sabe de onde está vindo a grana pra financiar aquelas “Outras apostas”
A grande conclusão desse quadro de receitas é que a Google é
uma empresa de propaganda. Só existe um jeito de entender a mágica de uma
empresa de propaganda avaliada em um trilhão de dólares: entender como ela faz
propaganda.
Here we go!
O MODELO DE NEGÓCIOS
O olhar atento percebeu que a linha de propaganda do Google
é quebrada em “Google Properties” e “Google Network Members Properties”. Ao
olhar desatento vou dar outra chance:
Google Properties são as receitas de propaganda
geradas em plataformas que são do próprio Google, como Search, Google Maps,
Gmail e Youtube!. Anunciantes participam de programas como o AdWords e a
receita vem para essa linha.
Google Network Members Properties são receitas
geradas por parceiros que permitem que o Google insira propaganda em seus
sites. São membros que participam de programas como o AdSense e é claro que recebem por isso. Não é a toa que tanta gente passa tanto tempo produzindo
conteúdo e escrevendo blogs (não é o caso de quem vos escreve).
1. Tudo começa no usuário. Ele usa gratuitamente os produtos
da Google e com isso gera uma infinidade de dados sobre suas preferências. Dados esses que
são capturados pelo Google, naturalmente. Uma infinidade! Uma vez ouvi uma história de um
sujeito que resolveu levantar o quanto dos seus dados pessoais tinha sido
capturado pelo Facebook e para sua surpresa descobriu durante o processo que o Google possuía muito
mais. Eu acredito que o Google sofre menos críticas do que o Facebook nessa
frente porque, entre outras coisas, essa captura é mais “disfarçada”. Enfim,
vamos o que interessa: o Google tem os seus dados.
2. De posse dos seus dados, o Google consegue ser mais
eficiente do que qualquer outro anunciante do planeta para criar anúncios
direcionados. Essa é a beleza do marketing digital. Então a anunciante (Businesses)
participa do Adwords ($ para o Google) e o Google publica seus anúncios para
os usuários com o perfil adequado.
3. Se a propaganda vai parar em alguma plataforma do Google
a coisa toda vai para o Google Properties. Mas se a propaganda vai parar em
algum site participante do AdSense (Publisher), o Google vai receber do
anunciante (Businesses) e depois pagar alguma coisa para o site parceiro
(Publisher). Esse é o Google Network Members Properties.
Então como vocês podem ver na tabela das receitas, 84% vem
do Google Properties. E como é a estrutura de custos? Vamos a ela!
Os custos do Google Network Members Properties são óbvios porque os parceiros (publishers) são pagos pelo Google para permitirem que o
Google coloque propaganda nos seus blogs e sites.
O custo do Google Properties é menos óbvio e um exemplo é
quando o Google paga para navegadores como o Firefox aceitarem o Search como
ferramenta de busca padrão do navegador.
O Google se refere a esses custos pagos a distribuidores como
o Firefox e a membros do Google Network como TAC, que significa “custo de
aquisição de tráfego”.
Como é de se esperar, a margem do Properties é muito melhor
porque, afinal, não existe tanto intermediário no caminho da receita. Agora eu
quero chamar atenção para duas coisas interessantes:
1- O properties é um negócio com uma margem bruta de aproximadamente
90%. Mais de 100 bilhões de dólares de receita e uma margem bruta de quase 90%!
Um negócio único que só é possível porque o Google cria milhares de plataformas
para usuários acessarem gratuitamente. Quanto mais plataformas Google as
pessoas usarem, menor será o custo de aquisição de tráfego do Properties.
2- O olhar atento percebeu que a tabela anterior só vai até
2018 enquanto as outras iam até 2019. Por que? Simples, porque o Google parou
de divulgar o TAC quebrado. A grande especulação aqui é de que essa é uma forma
de o Google esconder o valor que paga à Apple.
Isso mesmo! O Google paga uma fortuna para a Apple deixar que o Search seja a plataforma de pesquisa padrão em iPhones e iPads. Quanto? 12 bilhões de dólares!!!! Ou seja: 75% do TAC do Properties vai direto para a Apple. 80% da receita de propaganda do Youtube vai direto pra Apple.
Isso mesmo! O Google paga uma fortuna para a Apple deixar que o Search seja a plataforma de pesquisa padrão em iPhones e iPads. Quanto? 12 bilhões de dólares!!!! Ou seja: 75% do TAC do Properties vai direto para a Apple. 80% da receita de propaganda do Youtube vai direto pra Apple.
Pare para pensar nisso por um segundo. É uma lição de força relativa
porque o Search do Google é disparado o melhor buscador que existe. Ou seja, usar o Google Search já deveria ser a decisão racional da Apple de qualquer forma.
A mensagem no final das contas é clara: o valor da rede Apple para o Google é muito superior ao valor do produto google para a Apple.
A mensagem no final das contas é clara: o valor da rede Apple para o Google é muito superior ao valor do produto google para a Apple.
E é com essa reflexão que vou encerrando esse longo post
sobre o Google.
Obrigado pela leitura.
Stay cool,
Don Black
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