Wednesday, May 20, 2020

Google, a máquina da propaganda




"Podiamos ver nas nossas operações como a publicidade no Google estava funcionando bem. E no entanto ficamos parados lá chupando os dedos. Eu me sinto um idiota por não ter identificado o Google. E acho que Warren se sente igual. Nós fizemos merda.", Charlie Munger

Já coloquei esse comentário do Munger sobre o Google em algum dos meus rabiscos aqui. Buffett também já cansou de citar o Google como um erro de omissão. Erro de omissão é quando temos as informações em mãos para agir e no entanto não fazemos nada. São os erros que nos custam mais caro. Não aparecem em extratos nem em demonstração financeira nenhuma mas martelam nossa cabeça de culpa pela eternidade. É uma desgraça. Só mesmo uma grande desgraça como um erro de omissão no Google para Munger dizer que se sente um idiota.

Fato é que Munger não está sozinho nessa. Em 1998 o pessoal do Yahoo! resolveu bater a porta na cara de dois estudantes de Stanford que queriam vender o algoritmo que tinham desenvolvido. O preço era de 1 milhão de dólares. Como o negócio não saiu, os estudantes Larry Page e Sergey Brin seguiram construindo a empresa em cima do algoritmo em questão. Virou o Google.





Em 2002, vendo que a coisa estava saindo do controle, o Yahoo! resolveu reabrir o canal de diálogo para ver se dessa vez comprava o Google. Entre idas e vindas, o pessoal da Google acabou pedindo 5 bilhões de dólares pelo negócio. O Yahoo! declinou. Um “compounded error of omission”, se é que isso existe. E o que aconteceu é que hoje o Google está precificado em quase 1 trilhão de dólares. Um baita erro de omissão, esse do Yahoo!

As expectativas em torno do Google sempre foram grandes. E com grandes expectativas vem grandes desconfianças, como diria o tio do Homem Aranha. Acontece que entre expectativas e desconfianças o Google acabou provando seu valor ao longo do tempo. E hoje em dia mesmo value investors clássicos como Seth Klarman já se tornaram acionistas.

O que esse pessoal todo viu no Google? Hora de saber um pouco sobre a empresa que mais sabe sobre você. A começar pelo verdadeiro nome do negócio todo: Alphabet.


ALPHABET


O pessoal do Google fez uma coisa curiosa. Começaram como Google, cresceram como Google e quando o nome Google já era conhecido no mundo inteiro resolveram reestruturar e colocar o nome de Alphabet.

O Google em si não deixou de existir mas virou um segmento da Alphabet. A tal da Alphabet é uma coletânea de negócios que ficou dividida em dois grupos, “Google” e “Outras apostas”.

Sob o nome de Google estão os negócios principais da empresa como Chrome, Search e Gmail. E sob o nome de “Outras apostas” estão projetos tecnológicos que a empresa desenvolve para buscar soluções em diferentes indústrias. Exemplos são o Waymo (veículos autônomos) e o Calico (biotecnologia).

Para organizar esse tanto de empresas e negócios, vamos colocar os dois segmentos em imagens:







Sim, é muita coisa. Se você tiver curiosidade de pesquisar uma a uma, boa sorte. Não é o que vou fazer. O que vou fazer é seguir o dinheiro:



A maneira como a Alphabet divulga essa receita traz algumas coisa interessantes.

1. Outras apostas

A contribuição das receitas de “Outras apostas” é irrelevante para a empresa. E aqui estou falando das receitas. A verdade é que a contribuição de “Outras apostas” para os resultados da Alphabet é terrível. No acumulado já são quase 20 bilhões de dólares em perdas. Para colocar em perspectiva, o Uber – tão famoso por suas perdas expressivas – tem uma perda acumulada de 16 bilhões de dólares no mesmo período.

Mas enfim, não é a toa que o segmento se chama “Outras APOSTAS”, certo? Aí é como se fosse um aglomerado de startups, algumas das quais são mantidas em sigilo. Startups financiadas internamente, subsidiadas por áreas mais rentáveis da empresa. Uma vantagem e tanto para empresas em seus estágios iniciais.

É uma vantagem tão grande que me faz pensar que essa foi a principal razão que fez o Google se reestruturar como Alphabet. Me parece que foi uma forma de isolar essas iniciativas e colocar seus resultados mais em evidência, para evitar a procrastinação que o fácil acesso a capital pode gerar. Nós não estaríamos assustados com essa perda de 20 bilhões se esse resultado estivesse “escondido”, misturado com todo o lucro das outras áreas, não é mesmo?

Enfim, nada impede que uma Waymo se torne uma empresa de 300 bilhões de dólares em algum momento. Pode ser que o Waymo consiga desenvolver seus carros autônomos, integrar com outros produtos da Google, entrar na área de entrega e ridesharing, licenciar... Pode ser. Mas até agora não foi. Até agora o “Outras apostas” foi um grande ralo de recursos.

2. Google Cloud

Só recentemente a Alphabet quebrou a receita do Google Cloud. E o crescimento dessa linha está animador, podendo ser um importante driver futuro da empresa. O problema aqui é a concorrência, sempre ela! AWS (Amazon) e Azure (Microsoft) são as líderes e também tem muito poder de fogo. Mas um terceiro lugar em uma indústria tão promissora não é ruim. Aliás, a melhor explicação do Google Cloud até hoje vem de Bernstein:

“Snapple tinha uma velha propaganda com o título ‘Nós queremos ser o número 3’, no seu esforço de competir com Coca Cola e Pepsi. Google Cloud é a Snapple de hoje em dia.”

3. Youtube

Aqui vai acontecer uma sobreposição. Por que? Porque boa parte da receita do Youtube vem de propaganda e eu vou tratar exclusivamente de propaganda daqui a pouco. Mas eu quis fazer essa sobreposição porque eu quero falar do Youtube, já que só recentemente a Alphabet quebrou essa receita também. E ela é fantástica!

O Youtube está fazendo mais de 15 bilhões de dólares por ano de receita! Isso só em propaganda, sem contar o Youtube Premium. O impressionante está não só na magnitude como na velocidade, já que essa receita praticamente dobrou em apenas dois anos.

São número impressionantes de uma plataforma que, até essa pandemia começar, significava 250 milhões de horas diárias de consumo. Provavelmente a quarentena está contribuindo ainda mais para um aumento nesse consumo.

Eu acredito que o Youtube seja hoje um dos ativos de maior potencial da Alphabet e acho legal lembrar de como tudo isso começou. Começou em 2005 com ex-funcionários do Paypal. Os rapazes criaram a empresa em um ano e no ano seguinte venderam por 1.7 bilhões de dólares para o Google. Críticas para o valor pago na época por uma empresa de um ano de vida e que hoje virou história, tal qual Facebook/Instagram.

4. Propaganda

Ok, aqui está o Holy Grail! 83% da receita do Google vem de propaganda. 134 bilhões de dólares em propaganda, imagine só. E o mais incrível é que mesmo com esses grandes números o segmento ainda cresce dois dígitos. Agora a gente sabe de onde está vindo a grana pra financiar aquelas “Outras apostas”

A grande conclusão desse quadro de receitas é que a Google é uma empresa de propaganda. Só existe um jeito de entender a mágica de uma empresa de propaganda avaliada em um trilhão de dólares: entender como ela faz propaganda.

Here we go!

O MODELO DE NEGÓCIOS

O olhar atento percebeu que a linha de propaganda do Google é quebrada em “Google Properties” e “Google Network Members Properties”. Ao olhar desatento vou dar outra chance:



Google Properties são as receitas de propaganda geradas em plataformas que são do próprio Google, como Search, Google Maps, Gmail e Youtube!. Anunciantes participam de programas como o AdWords e a receita vem para essa linha.



Google Network Members Properties são receitas geradas por parceiros que permitem que o Google insira propaganda em seus sites. São membros que participam de programas como o AdSense e é claro que recebem por isso. Não é a toa que tanta gente passa tanto tempo produzindo conteúdo e escrevendo blogs (não é o caso de quem vos escreve).

Para facilitar o entendimento vamos a uma ilustração desse modelo de negócio:




1. Tudo começa no usuário. Ele usa gratuitamente os produtos da Google e com isso gera uma infinidade de dados sobre suas preferências. Dados esses que são capturados pelo Google, naturalmente. Uma infinidade! Uma vez ouvi uma história de um sujeito que resolveu levantar o quanto dos seus dados pessoais tinha sido capturado pelo Facebook e para sua surpresa descobriu durante o processo que o Google possuía muito mais. Eu acredito que o Google sofre menos críticas do que o Facebook nessa frente porque, entre outras coisas, essa captura é mais “disfarçada”. Enfim, vamos o que interessa: o Google tem os seus dados.

2. De posse dos seus dados, o Google consegue ser mais eficiente do que qualquer outro anunciante do planeta para criar anúncios direcionados. Essa é a beleza do marketing digital. Então a anunciante (Businesses) participa do Adwords ($ para o Google) e o Google publica seus anúncios para os usuários com o perfil adequado.

3. Se a propaganda vai parar em alguma plataforma do Google a coisa toda vai para o Google Properties. Mas se a propaganda vai parar em algum site participante do AdSense (Publisher), o Google vai receber do anunciante (Businesses) e depois pagar alguma coisa para o site parceiro (Publisher). Esse é o Google Network Members Properties.

Então como vocês podem ver na tabela das receitas, 84% vem do Google Properties. E como é a estrutura de custos? Vamos a ela!

Os custos do Google Network Members Properties são óbvios porque os parceiros (publishers) são pagos pelo Google para permitirem que o Google coloque propaganda nos seus blogs e sites.

O custo do Google Properties é menos óbvio e um exemplo é quando o Google paga para navegadores como o Firefox aceitarem o Search como ferramenta de busca padrão do navegador.

O Google se refere a esses custos pagos a distribuidores como o Firefox e a membros do Google Network como TAC, que significa “custo de aquisição de tráfego”.



Como é de se esperar, a margem do Properties é muito melhor porque, afinal, não existe tanto intermediário no caminho da receita. Agora eu quero chamar atenção para duas coisas interessantes:

1- O properties é um negócio com uma margem bruta de aproximadamente 90%. Mais de 100 bilhões de dólares de receita e uma margem bruta de quase 90%! Um negócio único que só é possível porque o Google cria milhares de plataformas para usuários acessarem gratuitamente. Quanto mais plataformas Google as pessoas usarem, menor será o custo de aquisição de tráfego do Properties.

2- O olhar atento percebeu que a tabela anterior só vai até 2018 enquanto as outras iam até 2019. Por que? Simples, porque o Google parou de divulgar o TAC quebrado. A grande especulação aqui é de que essa é uma forma de o Google esconder o valor que paga à Apple. 

Isso mesmo! O Google paga uma fortuna para a Apple deixar que o Search seja a plataforma de pesquisa padrão em iPhones e iPads. Quanto? 12 bilhões de dólares!!!! Ou seja: 75% do TAC do Properties vai direto para a Apple. 80% da receita de propaganda do Youtube vai direto pra Apple.



Pare para pensar nisso por um segundo. É uma lição de força relativa porque o Search do Google é disparado o melhor buscador que existe. Ou seja, usar o Google Search já deveria ser a decisão racional da Apple de qualquer forma. 

A mensagem no final das contas é clara: o valor da rede Apple para o Google é muito superior ao valor do produto google para a Apple.

E é com essa reflexão que vou encerrando esse longo post sobre o Google.

Obrigado pela leitura.

Stay cool,
Don Black

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