Wednesday, May 13, 2020

A Virtualização do Trabalho*





Crises são aceleradoras de mudanças em potencial. Com o COVID não vai ser diferente. Entre tantas potenciais mudanças uma é a questão do trabalho remoto. Eu gosto de pensar os temas através de um intervalo de possibilidades.

Um extremo nesse intervalo é a adoção em massa do trabalho remoto. Vou me referir ao trabalho remoto como virtualização, porque acho que esse é o processo em curso que o COVID tem o potencial de acelerar. Enfim, uma virtualização em massa afeta toda a ordenação urbana.

Você pode morar em uma bucólica casa no interior de Minas e seu filho estudar em uma escola que, até ontem, só existia em Manhattan. Enquanto isso seu colega de trabalho mais próximo, aquele que te substitui nas férias, mora em um bangalô na Indonésia. Vocês nunca nem se viram pessoalmente.

Os impactos desse tipo de mundo são – por que não? - de ficção científica. Você não escolhe seu espaço pela proximidade do trabalho porque, vendo agora, endereço comercial virou rabisco nas papeladas da burocracia. Você passa a morar perto de amigos e familiares, porque é isso que te faz feliz. E essa é uma realidade que se estende a seus amigos e familiares também, naturalmente.

Mudou o trânsito, mudou o agrupamento de pessoas, muda também as relações interpessoais, muda tudo! Claro, isso é um dos extremos. E os extremos são sempre irreais. Ou pelo menos uma realidade distante. Esse é o propósito do exercício.

O outro extremo seria a completa rejeição à virtualização. Um extremo onde a sociedade já viveu, mas apenas porque não existia alternativa. Hoje, com alternativa, talvez seja mais irreal e distante do que o outro extremo. E esse é o ponto de partida.

Eu ouvi declarações de todos os tipos durante essa pandemia. Alguns executivos que conversei se queixaram muito da virtualização mas boa parte deles se acostumou à medida que os dias passaram. Vendedores me disseram que, com o distanciamento, perderam seus diferenciais. Tiveram que se adaptar, mostrando suas habilidades de persuasão (enganação?) usando lives e constantes Zoom. “Mas não é a mesma coisa”, dizem eles.

Para outros é excelente. Profissionais de startups – de funcionários à fundadores - foram os mais satisfeitos dentro todo o tipo de gente que falei. São pessoas confortáveis com o novo e flexível, que se veem obrigadas a pagar o metro quadrado de uma San Francisco por razões que, em larga escala, não passam de imperativo institucional. Eles gastam no imobiliário sem precisar do imobiliário para suas funções. E esse é um dinheiro que faz muita falta, seja no orçamento familiar para o indivíduo e seja no caixa de uma empresa que, enquanto engatinha, incinera dinheiro em tantas frentes.

Eu não acho que dê pra saber o ponto final dessa revolução. Aliás, não acho nem que exista um ponto final. É apenas um caminhar. Mas mesmo que tivesse, descobrir esse ponto final nunca seria o objetivo. Eu me satisfaço em pensar na tendência. Observando esse caminhar, em que direção estamos indo?

Algumas atividades simplesmente exigem a proximidade. Ou pelo menos vão exigir ainda pelo tempo em que eu estiver vivo. Se eu tiver que colocar um stent, é improvável que eu consiga sem sair da minha bucólica casa do interior. Então atividades como saúde, turismo, manufatura e restaurantes vão exigir o presencial. Mas outros casos não vão, como o COVID vem nos mostrando.

Entre exigir e não exigir, também existem as preferências e as forças de mercado. Tem o sujeito que, com quatro filhos em casa, se sente mais confortável trabalhando no escritório. Tem o comerciante que notou que seus clientes valorizam o caloroso tratamento humano. É uma dança de ajustes que vai ser bonito de acompanhar.

Essa dança de ajustes vai ditando o caminhar que falei lá em cima. E esse caminhar, no contexto do intervalo de possibilidades, parece ir na direção de soluções mais flexíveis. Não o extremo do fim do presencial. Mas sim uma organização mais híbrida entre presencial e virtual. 

E é por isso que eu acho que estamos sim no pico do presencial. O presencial vai deixar de existir? Não acredito! Quanto tempo até a virtualização reconfigurar o ordenamento urbano que temos hoje? Não sei! Mas que daqui em diante a realidade seguirá pendendo para a virtualização me parece claro. E isso pra mim é suficiente.

Stay cool,
Don Black

*texto publicado no twitter do @RabiscoDoDon

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