Já se
passaram anos desde que fechei minha partnership. Obviamente mais anos ainda
desde que a abri. Meus primeiros investidores foram amigos e familiares mais
próximos. No caso, meus dois melhores amigos da infância, meu pai e o meu
mentor (a pessoa do post anterior). Quatro investidores, quatro sócios e, acima de qualquer coisa, quatro amigos. Dos quatro, só o meu mentor sabia no que eu
estava me metendo.
Meus
primeiros anos foram ótimos. E com a boa performance vieram os novos
investidores. Tudo ia bem. Até o 9/11. 2001 foi um ano de definição na minha
vida. Minha partnership apanhou demais por causa da minha exposição
em seguradoras. E essa era a menor das minhas preocupações.
Um dia eu
disse sobre como eventos improváveis parecem prováveis em meio ao caos. Eu sei,
porque eu senti. Depois que sequestram um avião e jogam ele em um prédio como
era o WTC, tudo parece muito possível. Então pra ser honesto, eu não fazia a
menor idéia sobre se um outro avião ia cair na minha cabeça ou não. Ou uma
bomba, quem sabe?!
No dia 24
de setembro de 2001 às 10pm, eu ainda estava no escritório quando alguém bateu
na porta. Era o meu mentor. Ainda de terno, tinha acabado de andar umas dezenas
de quadras pra chegar do seu escritório ao meu. Foi a primeira vez que a gente
se viu pessoalmente desde a tragédia.
Meu
escritório era particularmente pequeno. Eu não tinha recursos pra ficar em
algum lugar melhor e nem achava que devia. E exceto por um funcionário que
cuidava do operacional, ninguém mais trabalhava ali além de mim. Era o que
chamamos de one-man shop.
Meu mentor se
acomodou e depois de um breve small talk, abriu sua carteira, pegou uma
fotografia e colocou em cima da minha mesa. Era a foto de um bebê enrolado em
um cueiro rosa. Era uma dessas fotos de recém nascido onde só o que dá pra ver
é um pouco do rostinho amassado.
- Wtf?!
Virou pai de novo? Nessa idade??
- Não seja
idiota, essa é a Amy!
- Amy?
- É a minha
neta! Nasceu semana passada. Não é linda?!
A esposa
dele fez o que qualquer avó faria e foi passar uns tempos ajudando a filha lá
em Boston. Então ele vivia a glamourosa vida de ter uma grande casa vazia,
ficar nela só pra tomar banho e tirar um cochilo, passar o dia no escritório
pedindo pizza e sem ter como ir ver a neta.
- E por que
você acha que eu vim aqui? Preciso conversar com alguém pior ainda.
E
gargalhamos juntos.
- Escuta
Don, eu vou fazer uma aplicação nova na partnership.
- Que
merda, cara! Você sabe porque você ainda me pegou no escritório a essa hora?
Porque eu estou lidando com os infinitos resgates que fizeram. Pra que merda
você vai fazer uma aplicação?
- Porque a
minha neta nasceu e eu não pude nem andar alguns quilometros pra ir vê-la, é
por isso que vou fazer uma aplicação. Chame de culpa se quiser. Não é pra mim,
é pra ela.
- Cara, pior
ainda então. Você está maluco! Você sabe o que está acontecendo aqui?! Claro
que você sabe o que está acontecendo aqui, eu mandei pra todos os investidores.
Você não leu?
Ele não
falou nada e eu continuei:
- Porra
cara, você é investidor. Um puta investidor. Porque você mesmo não faz isso?
- Don, eu
vou te dizer o que eu vou fazer. Eu vou fazer uma aplicação maior agora e
depois vou fazer aplicações periódicas. Ninguém vai saber disso além de nós
dois. Isso é o que eu vou fazer. Já o que você vai fazer é contigo. Mas eu
planejo contar isso pra Amy quando ela estiver adulta e eu espero ter uma boa
notícia pra dar.
E agora foi
a vez dele continuar:
- Ah, isso
aqui é pra você. – e colocou um embrulho em cima da mesa, perto da foto da Amy.
– Agora eu tenho que ir porque amanhã começa tudo de novo.
Se levantou
e foi indo na direção da porta quando eu vi que ele tinha esquecido de pegar a
foto da pequena Amy.
- Ei, você
esqueceu a foto!
- “Keep it”,
e saiu batendo a porta
Quando abri
o embrulho, vi o que era um livro já velho.
“Que filho
da puta”, eu pensei, “Nem pra me dar um livro novo. É um filho da puta...”
O título do
livro?
“Man's search for meaning” de Viktor Frankl
“Que ótimo,
um livro velho e de auto-ajuda.”, pensei de novo
Quando abri
eu vi que tinha uma coisa escrita na contracapa.
“Stay
Strong”
Não era a
letra do meu mentor, disso eu tinha certeza.
E até hoje ele nunca me contou a história desse
livro.
Mas
prometeu me contar no dia 24/09/2022, quando formos juntos dar a notícia pra
Amy.
Porque eu
fechei a partnership mas mantive a gestão de algumas contas.
Eram
quatro, mas hoje infelizmente são apenas três.
E a parte da
Amy está em uma delas. Assim como sua foto ainda está na minha carteira.
Stay
Strong,
Don Black
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