Saturday, March 21, 2020

Sobre aqueles que se importam, p.1


Já se passaram anos desde que fechei minha partnership. Obviamente mais anos ainda desde que a abri. Meus primeiros investidores foram amigos e familiares mais próximos. No caso, meus dois melhores amigos da infância, meu pai e o meu mentor (a pessoa do post anterior). Quatro investidores, quatro sócios e, acima de qualquer coisa, quatro amigos. Dos quatro, só o meu mentor sabia no que eu estava me metendo.

Meus primeiros anos foram ótimos. E com a boa performance vieram os novos investidores. Tudo ia bem. Até o 9/11. 2001 foi um ano de definição na minha vida. Minha partnership apanhou demais por causa da minha exposição em seguradoras. E essa era a menor das minhas preocupações.

Um dia eu disse sobre como eventos improváveis parecem prováveis em meio ao caos. Eu sei, porque eu senti. Depois que sequestram um avião e jogam ele em um prédio como era o WTC, tudo parece muito possível. Então pra ser honesto, eu não fazia a menor idéia sobre se um outro avião ia cair na minha cabeça ou não. Ou uma bomba, quem sabe?!

Como quase todos que moravam em Manhattan naquela época, eu tinha muitos colegas que trabalhavam no WTC. A incerteza, a perda humana e o revés profissional foram demais. Era o que Munger chama de efeito lollapalooza, mas um lollapalooza das desgraças. E eu fui me afundando aos poucos.

No dia 24 de setembro de 2001 às 10pm, eu ainda estava no escritório quando alguém bateu na porta. Era o meu mentor. Ainda de terno, tinha acabado de andar umas dezenas de quadras pra chegar do seu escritório ao meu. Foi a primeira vez que a gente se viu pessoalmente desde a tragédia.

Meu escritório era particularmente pequeno. Eu não tinha recursos pra ficar em algum lugar melhor e nem achava que devia. E exceto por um funcionário que cuidava do operacional, ninguém mais trabalhava ali além de mim. Era o que chamamos de one-man shop.

Meu mentor se acomodou e depois de um breve small talk, abriu sua carteira, pegou uma fotografia e colocou em cima da minha mesa. Era a foto de um bebê enrolado em um cueiro rosa. Era uma dessas fotos de recém nascido onde só o que dá pra ver é um pouco do rostinho amassado.

- Wtf?! Virou pai de novo? Nessa idade??

- Não seja idiota, essa é a Amy!

- Amy?

- É a minha neta! Nasceu semana passada. Não é linda?!

Eu já nem me lembrava que a filha dele estava grávida. Devia ter me lembrado, claro. Mas não lembrei. Era seu primeiro neto e seu plano era passar uns dias em Boston assim que a menina nascesse. Claro que não aconteceu. O que aconteceu é que ele não tinha mais como sair do escritório com toda aquela confusão. Em dias calmos, chegava as 6am e saia as 10pm. Estar as 10pm no meu escritório era um milagre, segundo ele. Fiquei lisonjeado.

A esposa dele fez o que qualquer avó faria e foi passar uns tempos ajudando a filha lá em Boston. Então ele vivia a glamourosa vida de ter uma grande casa vazia, ficar nela só pra tomar banho e tirar um cochilo, passar o dia no escritório pedindo pizza e sem ter como ir ver a neta.

- Sua vida está uma merda, cara. – foi o que eu disse

- E por que você acha que eu vim aqui? Preciso conversar com alguém pior ainda.

E gargalhamos juntos.

- Escuta Don, eu vou fazer uma aplicação nova na partnership.

- Que merda, cara! Você sabe porque você ainda me pegou no escritório a essa hora? Porque eu estou lidando com os infinitos resgates que fizeram. Pra que merda você vai fazer uma aplicação?

- Porque a minha neta nasceu e eu não pude nem andar alguns quilometros pra ir vê-la, é por isso que vou fazer uma aplicação. Chame de culpa se quiser. Não é pra mim, é pra ela.

- Cara, pior ainda então. Você está maluco! Você sabe o que está acontecendo aqui?! Claro que você sabe o que está acontecendo aqui, eu mandei pra todos os investidores. Você não leu?

Ele não falou nada e eu continuei:

- Porra cara, você é investidor. Um puta investidor. Porque você mesmo não faz isso?

- Don, eu vou te dizer o que eu vou fazer. Eu vou fazer uma aplicação maior agora e depois vou fazer aplicações periódicas. Ninguém vai saber disso além de nós dois. Isso é o que eu vou fazer. Já o que você vai fazer é contigo. Mas eu planejo contar isso pra Amy quando ela estiver adulta e eu espero ter uma boa notícia pra dar.

E agora foi a vez dele continuar:

- Ah, isso aqui é pra você. – e colocou um embrulho em cima da mesa, perto da foto da Amy. – Agora eu tenho que ir porque amanhã começa tudo de novo.

Se levantou e foi indo na direção da porta quando eu vi que ele tinha esquecido de pegar a foto da pequena Amy.

- Ei, você esqueceu a foto!

- “Keep it”, e saiu batendo a porta

Quando abri o embrulho, vi o que era um livro já velho.

“Que filho da puta”, eu pensei, “Nem pra me dar um livro novo. É um filho da puta...”

O título do livro?

“Man's search for meaning” de Viktor Frankl

“Que ótimo, um livro velho e de auto-ajuda.”, pensei de novo




Quando abri eu vi que tinha uma coisa escrita na contracapa.

“Stay Strong”

Não era a letra do meu mentor, disso eu tinha certeza.

E até hoje ele nunca me contou a história desse livro.                                       

Mas prometeu me contar no dia 24/09/2022, quando formos juntos dar a notícia pra Amy.

Porque eu fechei a partnership mas mantive a gestão de algumas contas.

Eram quatro, mas hoje infelizmente são apenas três.

E a parte da Amy está em uma delas. Assim como sua foto ainda está na minha carteira.

Stay Strong,
Don Black




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