O finlandês
voador, Paavo Nurmi
Paavo Nurmi
é o nome do sujeito. O maior fenômeno do atletismo do início do século XX. 12
medalhas olímpicas, 9 de ouro. Corria 1.500 metros, 10.000 metros, prova com
barreira, sem barreira e até cross country. Esta última uma prova tão perigosa
que foi banida dos jogos olímpicos. 22 recordes mundiais, de 1500 a 20.000
metros. Na Olimpíada de Paris em 1924, Nurmi ganhou cinco medalhas de ouro em
provas de longa distância... em apenas seis dias!
O grande
segredo de Paavo Nurmi estava na sua abordagem analítica para o esporte. Paavo Nurmi
nunca corria sem um cronômetro nas mãos. O finlandês voador nunca sorria.
Apenas media. Era conhecido como "Homem Relógio". E sempre medindo ritmos e distâncias, Paavo Nurmi construiu estratégias
vencedoras.
Sempre é
possível tentar diminuir os feitos dos grandes vencedores. Perdedores são os
especialistas nessa arte. Então quando falamos em Paavo Nurmi, é normal
ouvirmos alguém dizer que não havia nada demais na sua estratégia. “A
constante medição de ritmo é coisa óbvia no atletismo”, eles dizem. “Fosse hoje
e Paavo Nurmi nem se classificaria”, os mesmos continuam dizendo.
Bom, isso
pode ser verdade. E não obstante em nada diminui o brilhantismo de Paavo Nurmi.
Ninguém pode ser avaliado fora do contexto do seu plano de jogo. E Paavo Nurmi
encontrou seu grande diferencial dentro do seu plano de jogo. O resto é papo de
perdedor na mesa do bar.
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Toda
vantagem competitiva vive sob ataque. É consequencia da ambição humana e é bom
que seja assim. Acontece nos negócios, acontece nos esportes. Os fundistas de
todo o mundo não iriam se contentar em disputar apenas uma segunda colocação.
Eles iriam tentar de tudo para vencer. O mais óbvio seria tentar o que funciona
para o vencedor. Então todos os outros atletas começaram a cronometrar seus
tempos como Paavo Nurmi fazia. E aos poucos Nurmi foi perdendo sua vantagem
competitiva.
No momento
em que Paavo Nurmi perde o monopólio do seu diferencial, uma melhoria na sua
marca já não tem mais o mesmo impacto de outrora. Isso porque a essa altura
todos os outros competidores já estão muito melhores do que antes. Em ambientes
competitivos, a habilidade relativa é mais importante do que a habilidade
absoluta. E como em ambientes competitivos há uma constante busca pelo
primeiro lugar, cria-se o que é conhecido como paradoxo da habilidade.
O paradoxo
da habilidade aparece quando um grupo se torna cada vez melhor em uma
atividade. A medida que isso acontece, a diferença entre o melhor do grupo e a
média do grupo e a diferença entre o melhor do grupo e o pior do grupo tendem a
diminuir. E quando a diferença relativa das habilidades diminui, a habilidade
deixa de ser um fator decisivo. Não ter te tira do jogo mas ter não te garante nada.
Então, resumindo,
paradoxo da habilidade é quando o grupo se torna tão habilidoso que a
habilidade passa a ser menos importante na definição do vencedor. E isso
acontece muito no mundo dos investimentos. Foi por isso que Ed Thorp fechou a
Princeton Newport, foi por isso que a velha estratégia de Graham perdeu
importância, e por aí vai.
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Sempre que
a habilidade está nivelada, a importância da sorte aumenta. Afinal, sorte é
residual. Sorte é aquilo que sobra do resultado depois que o componente da
habilidade é retirado. Mas contar com a sorte definitivamente não é uma
estratégia, muito embora muitos não saibam fazer diferente.
O objetivo
deve ser sempre o de maximizar os resultados minimizando a importância da
sorte. Mas o que fazer diante do paradoxo da habilidade? Bom, devemos procurar
um outro campo de jogo. Ou uma nova habilidade que ninguém tenha. Enfim, temos
que buscar ser como Paavo Nurmi e correr com um cronômetro na mão quando
ninguém mais o faz. Temos que buscar nosso diferencial competitivo.
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Não é fácil
ter um diferencial nos investimentos. Você sabe Valuation? Legal, mas todo
mundo sabe. Valuation é commodity. Python? Commodity! Eu sei que você pode
achar que não é só porque no seu grupo de investimentos do Whatsapp pouca gente
sabe mas a verdade é que seu grupo do Whatsapp não representa muita coisa.
Python é commodity!
Ah, você é
experiente? Entendi. Pois então me diga a data de corte que transforma idade em
diferencial competitivo, por gentileza. Vou assistir Netflix enquanto espero a
minha chegar lá. Já sei! Você acha que entende de negócios melhor do que todo
mundo, certo? Ok, boa sorte com isso!
Sério, ter
um diferencial é difícil. Existe muita gente muito boa no mercado. Muita mesmo.
E elas se agrupam formando grandes empresas repletas de gente muito boa. Esse é
um fato que não pode ser ignorado e acredito sempre no valor de reconhecer,
racionalmente, a realidade da vida.
Claro, nem
todos concordam. Me lembro como se fosse ontem quando meu primeiro filho
nasceu. Minha esposa, mãe de primeira viagem, ficou encantada. Achou aquele
pequenino ser humano a criatura mais linda da face da terra. Não sei como e nem
porque, mas ela notou também sinais de inteligência superior. “Viu como nosso
filho é inteligente? Nossa, nunca vi tão inteligente!”
Foi em um
rasgo de honestidade, um reflexo impensado, que cometi meu primeiro erro como
pai: “Pode até ser brilhante mas a chance maior é de que ele seja mediano.” Minha
esposa estava mais interessada em conjecturar sobre os dotes extraordinários do seu
bebê do que em base rates e deixou isso claro ao me ignorar pelas 24 horas
seguintes.
Enfim, meu
ponto é que o emocional distorce a percepção da realidade. E se queremos
encontrar um diferencial na hora de investir devemos fazer melhor do que
simplesmente acreditar que temos algum talento sobrenatural. Encontrar seu
nicho é interessante. Um ambiente onde suas habilidades são armas para o
sucesso e não são compartilhadas por muitos concorrentes. Como se Paavo Nurmi
pudesse usar seu cronômetro onde ninguém mais pode. Para isso eu acho
interessante caracterizar diferentes fontes de vantagem competitiva e ver onde
é possível se encaixar. Por exemplo:
Informação
e processamento
Informação
já foi grande fonte de diferencial competitivo. Coisas que hoje são simples não
eram tão simples assim. Ter acesso aos relatórios da empresa, dados de mercado
e informações da indústria exigiam boa dose de disposição, deslocamento e
acesso. A internet facilitou a vida dos investidores. Acontece que como facilitou a
vida de todos os investidores, acabou dificultando a vida daqueles que tinham
melhores informações (lembra do paradoxo da habilidade?)
Claro,
informação continua sendo uma fonte de diferencial. Apenas é um diferencial
mais difícil de alcançar. Principalmente se for dentro da legalidade, que é o
que devemos almejar e é onde muitos insistem em ignorar. Mas um investidor que
consegue capturar dados de qualidade e, ainda mais importante, consegue processar
esses dados, tem grande vantagem. É o caso do Medallion, eu imagino. E é óbvio
que é uma vantagem que eu nunca busquei. Qual é a minha chance de colher e
processar dados melhor do que os astronautas da Rentech? No máximo eu me
aproveito de algum conhecimento específico de uma indústria. Um negócio mais
Peter Lynch e menos Jim Simons.
Comportamental
A vantagem
comportamental vem quando não caímos nas armadilhas psicológicas que
comprometem nossos retornos. Muita gente conhece aquela estatística que diz que
os cotistas de um fundo tem resultados piores do que o fundo em si. Acontece
porque os cotistas não conseguem se conter. Eles se apavoram quando devem se
animar e se animam quando devem se apavorar. Com isso resgatam quando devem aplicar
e aplicam quando devem resgatar. É uma dança sem sincronia. E é difícil de
evitar.
Acredito
que parte da vantagem comportamental está na natureza de cada um. Existem os
que se desesperam mais do que os outros quando perdem metade do patrimônio por
exemplo. Alguns se traumatizam enquanto outros seguem em frente. É assim em muito
daquilo que o ser humano é exposto. Diferentes pessoas tem diferentes reações a
abusos sofridos, ao perigo, a vírus e bactérias, ao alimento ingerido e por aí
vai. E diferentes pessoas tem diferentes reações ao Mr. Market.
“Apenas os disciplinados são livres. Se você é indiscipliano, você é escravo do seu humor e das suas paixões.", Eliud Kipchoge
Mas acredito
também que parte vem da disciplina e diligência. O investidor que antecipa os
cenários, que estabelece qual deve ser seu modus operandi em diferentes
situações, que constrói um processo, fica mais preparado para resistir aos
vieses comportamentais.
Institucional.
É comum no
Brasil separarem os participantes entre tubarões e sardinhas. Eu não sei ao
certo o que isso quer dizer. Tubarão é o profissional? Tubarão é o que tem mais
patrimônio? Tubarão é o institucional? Eu não sei... Mas intuitivamente eu
sinto que há grandes vantagens em ser “sardinha”, já que são pequenos e ágeis.
Muitos
problemas existem para os institucionais. Os fundos, por exemplo. Fundo não
pode se meter com empresas sem liquidez pela simples razão de que os cotistas
não sabem lidar com falta de liquidez. Claro, um fundo alinhado com a base de passivo conseguiria. Mas com passivo pulverizado e aplicações iniciais de mil
reais e até de cem reais, qual fundo sem liquidez pode se alinhar com a base de
clientes? A prudente medida de pulverização do passivo que os fundos adotam
deixam oportunidades para o investidor individual. Afinal o investidor
individual deve ser, por definição, alinhado com o cotista que, no caso, é ele
mesmo!
E assim
como o exemplo da liquidez, existem muitas outras situações onde os limites dos
institucionais se traduzem em oportunidades para a pessoa física. O investidor
individual pode comprar empresas sem liquidez, empresas pequenas, pode focar de
verdade no longo prazo, pode concentrar, não precisa se preocupar com riscos de
carreira, etc. As possibilidades são enormes!
O grande
problema que vejo é que o sardinha quer seguir a orientação do tubarão. Não é
boa medida. Se você tem um 4x4, você não vai chegar mais rápido do que o carro esportivo se você for pelo asfalto. Você vai ter que pegar a estrada
de terra. Mas se você for pedir orientação para o piloto do esportivo sobre o
melhor caminho, qual você acha que ele vai indicar? E assim acontece com
investimentos.
Quem quer usar
sua vantagem competitiva de investidor individual (ou sardinha, como queira) tem que
ter independência intelectual. Tem que aprender a caçar em regiões onde os
grandes caçadores não chegam. Do contrário vai ser apenas um 4x4 na Fórmula 1.
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Eu acho
curioso como todo investidor pensa em moats e vantagens competitivas quando
avaliam as empresas mas não olham no espelho para procurar suas próprias
vantagens competitivas enquanto investidor.
O que você
traz pra mesa que vai te fazer ganhar? Deixe o emocional de lado na hora de
responder. Não importa o que sua mãe tenha dito durante sua infância, a chance é
enorme de que você não é extraordinário.
Pense
também que o Mr. Market é como um leão faminto. Ele não quer saber do seu QI,
de onde você trabalhou, da sua idade, dos seus títulos ou do seu currículo
antes de decidir se vai te devorar ou não. Se é isso o que você traz pra mesa, é melhor
apenas procurar um emprego. Aí você pode abraçar o índice e ser feliz com suas
taxas.
Se você for
encarar o Mr. Market de verdade você tem que trazê-lo para o seu plano de jogo.
Sempre com realismo e sem se superestimar. Contra um leão, mais vale ser um
iletrado na Patagônia do que um nobel na savana.
Stay cool,
Don Black
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