Wednesday, June 3, 2020

O artista, o generalista e a fábrica de iguais

 preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante", Nietzsche 

Ele tinha tentado ser negociante de arte, vendedor de livro, professor e pastor. Sem sucesso.

Com cerca de 30 anos ele começou a desenhar. Começou do início. Pegou o livro “Guia para o ABC do desenho” para aprender sozinho. E começou a desenhar.

“De uma coisa eu tenho certeza. Você não é um artista”

Foram as palavras que ouviu do seu antigo chefe e reconhecido nome no mundo da arte.

Com 33 anos entrou em uma escola de artes para iniciantes. Seus colegas de classe tinham 20 anos. Ficou pouco tempo.

Jurados avaliaram seu trabalho durante uma competição e recomendaram que fosse transferido para a turma inicial, com alunos de 10 anos de idade.

Em casa, na própria companhia, pegou cavalete e tinta a óleo. Não sabia muito de nada disso. Mas jogou cores na tela de pintura e deixou sua imaginação guiar sua mão deixando o realismo de lado. 

Mais tarde escreveu para o irmão:

“Eu gosto tremendamente de fazer isso.”

E sozinho seguiu seu caminho de experimentações com a tela.

Acreditou na relação entre tons de cores e tons musicais. Por isso foi aprender piano.

Ele ouvia Wagner e lia Victor Hugo.

E diante da tela pintava com ímpeto, com cor, sem formalidade.

Pinceladas vigorosas, onduladas. Pinceladas inovadoras!

Seu nome é Vincent Willem van Gogh. Imortalizado.





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"Toda criança é um artista. O problema é como continuar um artista depois que cresce.", Pablo Picasso

O investidor é como o artista. E como o artista, ele precisa experimentar e encontrar o seu estilo. Precisa buscar sua paleta, seus traços e seus tons. Precisa calçar seu próprio sapato e trilhar seu próprio caminho. Não existe um grande investidor que não possa ser visto como um artista. E isso nada tem a ver com o quanto de ciência está na sua tela. Jim Simons por exemplo é um artista absoluto. Um virtuose!

Existe influência e existe inspiração. Existiu um Picasso encantado com Van Gogh e existiu um Warren Buffett correndo atrás de Benjamin Graham. Mas cada um se encontrou na sua arte.

Eu acho importante dizer isso porque as vezes vejo a turma dos investimentos como um exército de iguais. E a réplica, meus amigos, a réplica tem pouco significado. Sob todos os aspectos. Não é a mesma emoção para quem pinta e não é o mesmo valor para quem compra.

Uma receita de bolo, um passo a passo. Ou melhor ainda, apenas o código da ação! Isso é como aquele livro infantil com vários pontos jogados na página. Você liga os pontos e sai um desenho. Isso não é arte.

Pegue o livro de Valuation do Damodaran como Van Gogh pegou o “Guia para o ABC do desenho”. Como um primeiro contato, um primeiro passo. Está tudo bem se você fizer isso. Mas não faça disso sua identidade, como Van Gogh não fez da dele.

Se sente de frente para seu canvas e faça seus rabiscos. Um pincel, depois outro. Uma cor, depois outra. Livre e sem formalidades. Joga fora o que não funciona e guarda o que funciona. Pega outro canvas e por aí vai.

Porque se você não fizer isso, não importa o quão talentoso você seja, você vai ser o sujeito do “você poderia dar uma cor”, do “nossa recomendação é neutra”, ou do “ainda não corrigi a prova”.

E essa é a diferença entre Van Gogh e Zhao Xiaoyong.


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“In a wicked world, relying upon experience from a single domain is not only limiting, it can be disastrous.”, David Epstein

Van Gogh morreu com 37 anos. Foi absolutamente produtivo quando se encontrou na pintura. Mas se vocês bem estão lembrados ele ainda estava aprendendo quando tinha lá seus 30 anos. Então tivesse Van Gogh morrido três anos antes e ninguém saberia dele.

O exemplo de Van Gogh eu tirei do livro “Range” de David Epstein. É um livro provocador, que trata de como os generalistas triunfam em ambientes dinâmicos. Ambientes de menos repetição, onde é difícil estabelecer padrões. 

O argumento é que generalistas tem um amplo leque de habilidades que em conjunto conferem vantagem em ambientes dinâmicos. Mas para serem generalistas essas pessoas precisam passar por diferentes experiências até finalmente se encontrarem em uma área, o que pode levar tempo.


Ibrahimovic, habilidades de taekwondo no futebol


Eu gosto do princípio. Acho que é alinhado com a idéia dos modelos mentais de Munger. Buscar conhecimentos de áreas não relacionadas, conectá-los e criar um efeito onde o todo é maior do que a soma das partes. A diferença aqui é que generalistas vão além da teoria. Eles vivenciaram diferentes práticas, práticas da vida real. É como se fossem os modelos mentais em 3D.

Talvez um tenha um viés em relação a isso por que eu passei alguns anos da minha vida pulando de galho em galho. Não muitos, mas alguns. E tenho convicção de que o que aprendi nesses anos me ajudou ao longo da carreira que segui.

Meu espaço amostral contudo não se limita a mim. Vários dos melhores investidores que conheço tiveram experiências parecidas. Foram empreendedores, atletas, jogadores de pôquer, se formaram em história, em psicologia. E lá estão, transformando a integração das suas habilidades não-relacionadas em retornos fantásticos.

E o melhor de tudo: quebrando a dinâmica das fábricas de iguais.

Stay cool,
Don Black

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