Alguns anos são marcantes e 2020 foi um deles. Nossa experiência agora parece um pouco irrelevante mas é apenas porque estamos todos no mesmo barco. Ninguém perguntava como era viver a Gripe Espanhola em 1918 mas eu tinha um conhecido do centro-oeste americano que virou uma celebridade local nos anos 2000 apenas por ter nascido antes da Gripe Espanhola. Saiu em jornal de bairro e tudo. É razoável pensar que se você viver tempo suficiente o Coronavirus também vai te fazer famoso de alguma forma.
Enfim, posto
que ninguém mais por ali havia vivido a Gripe Espanhola a palavra do meu
conhecido foi tomada como grande verdade. Toda a cidade então passou a achar
que a Gripe Espanhola não foi lá essas coisas todas porque, afinal, foi com esse
desdém que o sujeito narrou os fatos. Pouca gente se perguntou o que alguém que
tivesse a época apenas 5 anos de idade se lembraria de verdade da Gripe
Espanhola. É engraçado como narrativas bem contadas fazem fatos serem ignorados.
Bom, de
acordo com os fatos a Gripe Espanhola matou 50 milhões ao redor do mundo e
durou bem uns dois anos. O coronavirus ainda sequer completou um ano, matou
pouco menos de 2 milhões de pessoas mas afetou, de uma forma ou de outra, a
vida de todas. É certo que a essa altura todos daquela pequena cidade
do centro-oeste americano já se deram conta de que as narrativas do meu velho
conhecido não eram assim tão confiáveis.
O problema
dos anos marcantes é que eles são marcados por tragédias. Não que coisas boas
estejam em falta. Para nossa felicidade, coisas boas são abundantes. Tão abundantes
que passam despercebidas. Um filho abraça o pai no shopping e todos seguem sua
vida. Ninguém diminui o passo para admirar, ninguém se lembra disso depois. Mas
basta um filho dar um pontapé no velho pai no meio do shopping e uma multidão
se aglomera. Vira vídeo do Youtube e assunto da mesa de jantar. A dinâmica do
mundo é tal que a tragédia marca e a beleza é deixada de lado.
Que em 2021
mudemos um pouco essa dinâmica.
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Anos
marcantes são laboratórios para um intensivo estudo do comportamento humano.
A Grande
Peste de Londres aconteceu em 1666 e dizimou a cidade. Cem mil pessoas morreram,
naquilo que significava 25% da população da cidade. Tudo isso em apenas 18
meses. Olhar para o lado e pensar que a cada 4 pessoas uma vai morrer no
próximo ano e meio é duro.
Nesse
cenário começou a pipocar anúncios de remédios milagrosos. E, claro, muitos
interessados. Daniel Defoe, famoso por Rubinson Crusoé, escreveu bom informativo
sobre a época onde narra esses acontecidos.
Esse
comportamento não chega a surpreender. Mais de três séculos depois da Grande
Peste de Londres, vimos falsos remédios serem alardeados e adotados em massa. A
tiracolo tivemos também profecias, racionalizações esotéricas, rezas e folclores.
No final
das contas cada pessoa trava sua busca. Nessa busca, uma estória é tão
verossímil quanto é nossa depedência de que ela seja verdade.
Me diga o
que você precisa que seja verdade e eu te digo no que você acredita.
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2020 foi
sim um ano atípico para os mercados.
Seu impacto
na minha vida é que vivi minha maior perda absoluta em março/abril, terminei o ano
com uma das melhores performances da minha história e estou envolvido em
situações que achei que não mais me envolveria, como ativismo e conselhos. Nós
nunca sabemos o que nos espera.
Durante o
ano cometi alguns grandes erros de avaliação. Os principais aconteceram na
primeira metade do ano. Penso que iniciei a pandemia com o pé esquerdo tanto
como investidor como quanto amigo. Mas penso também que me recompus.
A maneira
que encontrei para crescer à ocasião foi me armar com velhos conhecidos. Conhecidos bobos como:
- Saúde é
prioritário e pode ser conduzido com boa dieta, sono, exercício físico e ricas
interações sociais.
-
Eliminação de ruido e independência de julgamento baseado em fatos e dados
-
Considerações de retorno sobre o tempo
- Agir em
escala nas poucas e necessárias vezes. Não fazer nada o resto do tempo
- Comprar empresas
que gosto quando estão baratas
Nada que eu
já não tenha falado por aqui, não é mesmo?
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Meus
amigos, vou deixar agora meu último conselho do ano.
É verdade
que nosso mercado em 2020 trouxe lições. Mas lembre-se que 2020 é apenas UM
ano. Um único ano. E que um único ano não significa tanta coisa assim quando
investimos.
Ao longo da
sua vida de investidor você vai passar por vários ciclos de mercado. Você vai
notar, a exemplo do que vos digo agora, de que diferentes ciclos transmitem
diferentes lições. E em muitos casos as lições são conflitantes.
Isso quer
dizer que algumas lições que você acredita ter aprendido esse ano podem vir a te
causar problemas se extrapoladas para os anos futuros. As coisas são desse
jeito porque o mercado é dinâmico em seus ajustes finos.
Como
investidores e seres humanos temos a tendência de atribuir grande peso para as
experiências mais recentes. Então é importante separar as lições de 2020 que
merecem sim um grande peso das lições que são mais particulares de um ciclo
específico.
Da minha parte, eu acabo por me armar sempre com os velhos conhecidos de sempre, lembra?
E sim, eles
funcionaram também em 2020.
Armas
comuns para anos extraordinários.
Um feliz
2021,
Don Black